#Blogvember / Viciada Em Dor

Caminhei até a porta e saí para sempre (Nirlei Oliveira)

Foto por ALTEREDSNAPS em Pexels.com

Antes do movimento final, em que caminhei até a porta e saí para sempre, várias outras caminhadas as caminhei errante, batendo a cabeça pelas paredes que insistiam em serem sólidas. Era como se não quisesse aceitar que tudo havia terminado. Mas a dor de me sentir menosprezada me fez acordar. Sabia que não devia recuar quando finalmente me desvencilhasse de sua influência, o vício de seu poder, como se fosse a luz da minha vida.

Quanto mais lhe recebia em meu corpo, quanto mais você incendiava a minha mente, mais o desejava. Deixava, de fato ansiava que me possuísse da forma que lhe aprouvesse. Onde poderia ver humilhação, eu encontrava redenção. Onde sentisse dor, eu buscava satisfação. Onde talvez me repugnasse em me ver banhada de suor e esperma, eu abençoava como se fossem água benta e oferta à santidade da foda.

Até que percebi que para você eu era apenas mais uma peça de seu jogo de dominação. Não apenas a mim você ofereceu o seu abuso desmesurado. O meu sentimento foi o de se ver revelado exatamente o acontecia – eu era um objeto de prazer fátuo – não de envolvimento profundo. Para você, marcação de pontos. Para mim, sensação de poder em realizá-lo, como se eu fosse oferta de libação religiosa ao meu deus.

Sofrerei o tempo que deva sofrer, até eu quelar seus efeitos perniciosos. Viciada na depravação de meu ser, terei que trabalhar a minha mente para que expulse de minhas veias e artérias os efeitos da droga que me guiava os passos – desejá-lo. Sei que sou melhor do que um objeto de uso e usufruto. Sei que esta mulher sairá melhor do que entrou pela porta do calabouço e altar de celebração.

Sei que lembrarei das suas mãos, dedos, seu corpo, línguas (pareciam ser dezenas), membros inferiores e seu pau. Suas ações e rituais de dominação. Mas se prisioneiros de campos de concentração conseguiram tocar as suas vidas em frente depois de tudo o que passaram, também alcançarei o livramento para além da liberdade, até que a nossa história seja mais uma como tantas, de vidas passadas e superadas.

Renascerei.

Participam: Mariana Gouveia / Roseli Pedroso / Suzana Martins / Lunna Guedes

#Blogvember / Viagem Interrompida

Entre sucessivos solavancos projetam veias de anil (Rozana Gastaldi Cominal)

Foto por Aliaksandr Shyliayeu em Pexels.com

busco me encontrar em você
que está onde?
onde eu me encontro em você?
observo às formigas que se reúnem em torno
de sua saliva que despencou da boca molhada
sou como elas tentando beber de suas afluências carnais
sou como a paleta do pintor plena de cores de meu pincel a jorrar
na tela entre sucessivos solavancos que projetam veias de anil
como se pollock incontrolável fosse a aspergir sêmen colorido
em seu corpo de ente ser pessoa mulher em fuga de mim em si
momento sentimento emoção violenta que lhe abençoa a existência
de fêmea senhora de si em mim a perfurar rasgar-me feito faca cega
que me mata me renova em revolucionários movimentos de subversão
múltiplas versões de nós espelhares — tesão
teso peso uso confuso escuso difuso intruso abuso de poder vil
sem saídas apenas entradas e bandeiras morte de etnias da terra nova
dominação e danação em invasões de tabas arrasadas
não é amor é horror de querer tanto que se quer partir e partir-se
em pedaços e espaços onde você ocuparia toda a extensão
de vazios e nadas por onde descaminho
perdido em viagem interrompida
pela via láctea derramada de flores florestas
de estrelas frias e solidão…

Participam: Lunna Guedes / Roseli Pedroso / Mariana Gouveia / Suzana Martins

BEDA / Marido De Aluguel

O texto anterior acabou por me fazer refletir sobre o termo genérico de “dono de casa”, derivado do feminino “Dona de Casa“. Este, talvez tenha sido criado para dar um lustro de nobreza para designar uma atividade permanente, integral e desgastante de dar suporte à casa e atenção ao amo e à descendência. Merecia uma consideração mais profunda e sobre esse tema tratarei aqui. De forma correlata, a moderna atividade de “Marido de Aluguel” também suscita considerações nas quais não consigo deixar de perceber a ironia que carrega em todos os sentidos.

Eu vejo passar veículos com esse slogan que pressupõe a realização de tarefas que apenas o homem faria – conserto de torneiras danificadas, troca de chuveiros, restauro da fiação elétrica, colocação de parafusos e pregos, pintura, pequenas obras de alvenaria e, por aí, vai. Em casa, a Tânia realiza algumas dessas tarefas, filha de um homem que a ensinou, por exemplo, a erguer uma parede.

Eu não deixo de realizar outras tantas dessas atividades, mas não me sinto mais marido ou mais másculo por isso, como não me sinto mais feminino por lavar, estender e passar roupa, cozinhar, lavar panelas, talheres e louça, regar as plantas, cuidar dos bichos, varrer e passar um pano no chão ou arrumar a cama. Ajudante de minha mãe quando garoto, declarava a ela que queria me tornar um “homem total”. A pequena análise que faço diz respeito a como o Patriarcado exerce sobre nós, homens e mulheres uma dominação absurda.

Emprestando da matriz patriarcal determinadas formulações, fico a imaginar se o termo “Marido de Aluguel” não ensejaria interpretações dúbias e piadas de bar feitas por homens e mulheres que atuam sobre a égide do Patriarcado, que perpassa todas as ações sociais de adultos que não conseguem escapar ao seu domínio. Sempre se aventou entre os deveres da esposa o de atender sexualmente ao marido, assim como a do marido em “comparecer” ao ato como a comprovar a sua masculinidade. Em conversas de botequim a função do profissional poderá ser tratada mais extensivamente, bem como se dizia em tempos idos dos filhos gerados na visita de leiteiros ou padeiros.

O que para o homem significaria carregar a peja de marido enganado, para a mulher talvez fosse como uma válvula de escape da dominação machista imposta por casamentos arranjados, sem conexão de gostos ou pelo abandono em vida por um companheiro que a considera apenas a parideira de seus filhos e que muitas vezes instituíam lares ou relações paralelas. Num texto curto como este, que é mais provocativo do que elucidativo, as questões do nosso envolvimento com as consequências da máster cultural distorcida por milênios de abusos de um gênero por outro, simplesmente por carregar maior força física não são resolvidas, somente são testemunhadas.

E me incomodam…

Participam do BEDA:
Claudia Leonardi / Lunna Guedes / Mariana Gouveia / Darlene Regina