
Eles se conheceram no Segundo Grau. Ela, esguia e alta, praticava esportes. Chamava a atenção por seus olhos claros. Ele, rechonchudo e cabeludo, usava óculos. Preferia se dedicar aos estudos e era bom em Português.
Calhou dela precisar de um reforço na conjugação dos verbos, na identificação das sílabas tônicas e dos complementos nominais e dele ser um cara bonachão que gostava de ajudar… Desde então, a dupla inseparável se formou. Nos três anos que estiveram juntos, compartilharam vários interesses e desenvolveram uma sólida amizade permeada de estudos, festas e confidências.
Ela lhe falava dos colegas com os quais ficava e do assédio constante que sofria. Quase maldizia ser tão bonita, enquanto que ele… sabia ouvir… Não era incomum dele enxugar as lágrimas da moça com a mesma manga de camisa que enxugava as suas, bem mais tarde, na calada da noite.
Apesar de estarem sempre juntos, nunca passou pela cabeça de ninguém que os dois pudessem ter um envolvimento romântico. Igualmente não passava pela cabeça dele que ela o quisesse como namorado. Isso o deixava confortável diante dela, ainda que tivesse se apaixonado desde que a vira pela primeira vez. À vista de todos, era um casal improvável, formado pela garota mais popular e o nerd esquisito.
As coisas começaram a ficar estranhas nos últimos seis meses da relação. Frequentemente, ficavam encabulados ao se olharem longamente um para o outro, a se perderem. Entravam em um mundo onde o jogo de aparências não exercia uma força tão poderosa quanto no que viviam – de amigas maldosas e colegas ressentidos-debochados. Nesses momentos de solidão compartilhada, conseguiam escapar ao doloroso-venenoso efeito dos pequenos grupos sociais.
Logo após a formatura, os pais da moça decidiram se mudar para outro Estado, onde buscariam maior tranquilidade e novas oportunidades de trabalho. Esse fato acabou por afastar os dois apenas fisicamente. Nos três anos seguintes, apesar de não se verem, passaram a se corresponder por cartas manuscritas. Ele sempre fora avesso às redes sociais e ela, depois que mudou, decidiu também abolir essa ferramenta de comunicação. Aparentemente, as cartas, que inicialmente serviriam somente como exercícios para a melhoria no uso da Língua, de uma forma incrível, fez crescer a integração entre os dois.
Depois de dois anos, ela começou a insistir para que ele a visitasse e conhecesse as paisagens pelas quais se apaixonara, onde agora vivia. Ele objetava. Dizia estar envolvido em um projeto pessoal importante, para além dos estudos na faculdade de filosofia e letras, que não poderia revelar na ocasião. Ao mesmo tempo, ela dizia que também tinha novidades a lhe revelar, mas que faria apenas pessoalmente. Apesar da crescente expectativa, somente após mais um ano, finalmente se reencontrariam, nas férias de verão.
No dia da viagem, o rapaz mal conseguia permanecer sentado em sua poltrona no avião. Ela, em terra, desde a manhã, chorou algumas vezes. No horário programado, se deslocou ao aeroporto com o coração a pulsar fortemente. Ela sabia que a decisão que tomou poderia impactar na relação. À espera de seu amigo, ficou impaciente ao ver que quase todos haviam passado e não o localizara… Até que um rapaz parado já há alguns minutos se aproximou dela e a chamou pelo nome. Ao prestar maior atenção, custou a crer que ali estava quem esperava. Diante de si, estava um jovem forte e bem apessoado. Sem os habituais óculos, os seus olhos ficaram maiores e se sentiu quase ser engolida por eles.
Quase ao mesmo tempo, disseram: “Você mudou!”… – Depois de um momento, ecoaram: “Mudei por você!”… Ele, com muito sacrifício, havia feito dieta, começou a desenvolver um programa de atividade física e aprumou a aparência. Ela, aproveitando o afastamento de seus conhecidos diretos, decidiu relaxar e deixar de ser tão obsessiva no controle alimentar. Engordou para ficar com a aparência semelhante a dele. Apesar da correspondência constante, nunca mencionaram se gostavam um do outro apesar ou por causa das características físicas que carregavam…
Passado o instante do primeiro impacto visual, ao se aproximarem, olharam dentro dos olhos um do outro, como faziam no passado. Imediatamente, se reconheceram em si mesmos, tocaram os lábios delicadamente como nunca fizeram e, abraçados, saíram rumo ao mundo novo do amor que se descortinava, para além das aparências…