Vivemos no Largo do Arouche, centro de São Paulo, até os meus cinco anos de idade. Do apartamento no Edifício Coliseu, apenas me lembro do corredor onde pedalava meu carrinho de metal com uma estrela no capô e da entrada do apartamento. Um amplo sofá boia solto na minha memória real, além dos fantasmas com os quais convivia em minhas aventuras de soldado do Exército. Parece que desde então vivia a sonhar que voava, o que quase aconteceu por pouco quando ascendi ao parapeito da janela do décimo segundo andar. Fui impedido por meu avô, que me agarrou a tempo de “voar”.
Minhas lembranças da infância mais presentes estão vinculadas ao qual chamávamos de Porão, abaixo da imensa casa do meu Tio José, que empregou meus pais na fábrica de autopeças. Eu dormia junto à janela que dava para a garagem da casa e sua forma arredondada era parecida com as dos navios dos filmes que assistia. Logo, aquele canto se tornou o tombadilho de onde conduzia minha cama-barco-de-armar mar adentro, enfrentando tempestades, raios e trovões para levar-me a salvo até a ilha-cozinha, onde me sentia confortável em ver minha mãe preparar a comida. Adorava vê-la encher a mamadeira de café com leite, a qual tomei até os seis anos, pelo menos, pela manhã.
Era recorrente eu desenhar o navio que me conduzia meninice a frente. Em terra firme, na Vila Esperança, aprendi a jogar bolinha de gude, empinar pipa, jogar futebol. Também aprendi as primeiras letras, desenhadas no caderno de brochura, sem obedecer às linhas laterais. O que começava em uma página, terminava na outra. Fiz por iniciativa própria e quando mostrei à professorinha da escola infantil, me lembro dela chorar como se eu tivesse cometido uma imensa travessura… Ganhei um beijo estalado no rosto. Talvez, tenha sido ali que tenha desistido de ser marinheiro…
*Texto produzido em 2020 nas atividades do Curso de Narrativas Na Primeira Pessoa, ministrado por Lunna Guedes.
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