06 / 12 / 2025 / Projeto Fotográfico 6 On 6 / Quotes De Livros Lidos

Eu reuni quotes de diferentes livros. Foi uma pesquisa aleatória que se mostrou surpreendentemente uniforme. Versavam sobre os efeitos do preconceito como bandeira ideológica. Desde a ação Nazista na Segunda Guerra Mundial, até os meandros sobre como socialmente influenciou no comportamento de quem sofre por ser quem é — mulheres brancas ou pretas, judias, homens pretos — que usam de subterfúgios para não parecerem revanchistas num sistema que continua a tratar a eles de modo a demonstrar, principalmente no Brasil, que o Escravismo faz parte da formação mental da Nação e causa a desunião social entre privilegiados e aqueles que os servem , tendo o Patriarcado como padrão.

Trecho colhido do livro Kaputt, de Curzio Malaparte, repórter italiano que descreveu diversas passagens da Segunda Guerra que, à época que eu li, me causou uma impressão tão forte que influenciou o meu pensamento quanto à condição humana e os limites aos quais os homens podem chegar na crueldade.

Poema da poeta Kátia CastañedaPoesia — o grito da Resistência — que versa sobre a desigualdade, ao mesmo tempo que se expõe como um ser em busca de suas emoções mais sutis para além de sua condição de mulher negra.

Trecho da minha novela Senzala. A mulher em questão é uma socialite que foi criada pelo pai para ser o “homem” da família. Poderosa e rica, não se importa de usar as pessoas como bem quer. Tudo se torna mais complexo quando ela se apaixona pelo filho (preto) da cozinheira.

Desde que li Lua De Papel eu o tenho como uma referência de leitura. As suas personagens passei a ver a todo canto de forma seguida. Lunna Guedes soube captar a essência de pessoas que nos circundam com as suas histórias e ilusões.

Trecho do livro Torto Arado, de Itamar Vieira Filho que retrata com primazia a nossa relação viva com o Escravismo como modelo condutor da vida nacional. As relações humanas são perpassadas por esse movimento subterrâneo que marca o comportamento íntimo do brasileiro.

Na Minha Pele, de Lázaro Ramos, descreve a trajetória do autor na busca de sua conscientização quanto a ser um homem preto numa sociedade claramente preconceituosa. Seu movimento demonstra que busca equilibrar suas ideias ao cenário em que um homem preto passeia como se caminhasse em um campo minado.


Claudia Leonardi / Mariana Gouveia / Lunna Guedes / Silvana Lopes

08 / 04 / 2025 / Em 2012*

Esta foto, do final de 2012, registra a mim cinco anos depois da chegada da Diabetes. Sobrevivente anteriormente de uma gastrite hemorrágica e, há cinco anos, de uma dengue, espero ultrapassar está fase difícil na vida de todos nós. Sigamos em frente, com dignidade e paciência.

*Postagem de 2020, quando começamos a viver o vazio proporcionado não apenas pela Covid-19, assim como a descoberta de um Brasil que nunca imaginei ser tão retrógado. Deveria imaginar, afinal na maior parte de nossa História vivemos o mal do Escravismo. E isso não deixaria de nos legar tamanho atraso…

Mulher De Malandro

Vivemos uma época em que homens e mulheres não sabem onde colocar o desejo. Por mais que tenham se estruturado em torno de um arcabouço em que busquem responder de forma diferente à superestrutura patriarcal, escorregam em demandas internas que os movem em direção à irresponsabilidade comportamental em Sociedade. Não importa o nível social, o econômico (apesar das duas coisas se imiscuírem), o intelectual ou da capacidade de uma pessoa ser solidária ao outro em condição de fragilidade — o que poderíamos chamar de moral. Eu poderia também chamá-lo de solidário ou empático — compaixão.

Há muitas outras maneiras de acondicionarmos as características de alguém especificamente. Em uma figura pública — artista, política, esportista ou qualquer proeminência — jogamos sobre ela predicados que consideramos ideais. Quando esta entidade comete algum erro ou vai em sentido contrário ao que acreditamos, trai a confiança que desenvolvemos sobre o ser humano… por ser humano demais. Seres errantes sobre a Terra, somos seres que erram.

A notícia de que um homem eminente se deixou levar (até prova em contrário) por seus impulsos primitivos, jogando por terra uma construção idealizada sobre a sua personalidade — homem preto, professor acadêmico de carreira fora do País, defensor dos direitos dos despossuídos, pensador estudado, que chegou à alta administração do País — como se fosse a definição completa do sucesso de alguém que se colocou acima das expectativas de sua raça e/ou nacionalidade. Correndo o risco de referendar o uso de frases antigas que reafirmam preconceitos arraigados advindos do útero brasileiro — o Escravismo.

Nunca deixamos de vivenciar, mesmo depois da suposta abolição da escravidão, a estrutura escravista como modelo básico do desenvolvimento da sociedade brasileira. Passa pelo Patriarcado como alicerce, a condução de nossos caminhos pessoais em todos os níveis — psicológicos, principalmente — não deixando de penetrar no arcabouço mental de quaisquer homens (e muitas mulheres), de todas as raças. Ainda que se eduque bastante, que busque fugir dos paradigmas impostos pelos preconceitos, poderão vir a sucumbir a desejos mais rasos, mesmo que tente reprimi-los de todas as maneiras.

Ou pode surgir outra explicação. O sujeito nunca deixou de ser uma pessoa que deu vazão aos seus impulsos e tudo o que fez foi construir em torno de si uma superestrutura que o colocasse à vontade para exercer o seu poder de abusador. A favorável visão externa o colocaria à salvo de tal maneira que a forma como envolve as suas vítimas a fazem duvidar de que estivessem sendo abusadas: “ele sempre muito gentil com todos, não creio que tenha cometido essas faltas”. Aqui, está o escritor a se colocar de acordo com o conhecimento que tem da alma humana como matéria de criação.

Numa conversa com as minhas filhas, defensoras das minorias e de causas sociais, elas objetaram a minha opinião sobre um vídeo em que garotos pretos referendam posicionamentos de um ativista branco de extrema-direita. No cerne de suas posições, umas das mais caras passavam pelo racismo e pela misoginia. O que faz com que aqueles rapazes defendam essas pautas? Coloquei que, para mim, era o fato de se considerarem pertencentes ao gênero masculino, antes de se considerarem pretos. Essa condição talvez seja tão forte que obliteram o viés preconceituoso ao tipo de ideologia exposta. Sorridentes, quase ouço de fundo a fala dos subjugados pedindo benção ao “Sinhozinho”.

Outra consequência do efeito que o caso de abuso causou a mim foi de eu começar a vigiar a minha própria atuação como homem, pai, amigo, esposo. De que maneira eu poderia estar agindo que pudesse estar sendo interpretado como avanço indevido ou não autorizado ou até uma agressão? Eu gosto de mulher, para além da ordem sexual, eu a admiro como o gênero superior na relação da espécie. Dessa maneira, tenho que deixar claro que as minhas condutas devam carregar demonstrações desse respeito.

No trabalho, um jovem rapaz que cuidava do telão de led para a projeção do evento estava tendo dificuldades com o aparelho transmissor. Até que conseguiu arrumá-lo. Perguntei se era algum cabo defeituoso, ao que ele respondeu: “Não, gosta de apanhar, que nem mulher de malandro”. Quase que imediatamente, perguntei por que ele achava que mulher de malandro gosta de apanhar. Ele não soube responder. Obviamente, ele ouviu essa expressão (que já repetira várias vezes na mesma idade dele) do pai e/ou amigos, colegas de trabalho ou escola.

Eu contra-argumentei que sendo mulher de malandro, a mulher saberia que se revoltasse, vivendo numa estrutura fragilizada, poderia até ser morta, como aliás tem acontecido em todos os níveis econômico-sociais quando a mulher tenta obter a sua independência. O Patriarcado faz tanto mal à mulher (que é vitimada por ser mulher), quanto ao homem. Vítima e algoz, filhos, amigos e parentes sofrem com a violência no lar, no trabalho, na rua. Começa pela palavra, pode terminar no punhal ou na arma de fogo. No mínimo, pode matar biografias até então ilibadas…

B.E.D.A. / A Ama De Leite

Monumento À Mãe Preta, junto à Igreja Nossa Senhora do Rosário dos Homens Pretos, no Largo do Paiçandu.

A Igreja Nossa Senhora do Rosário dos Homens Pretos, localizada no Largo do Paiçandu ou Paissandu, na região central da cidade de São Paulo, foi construída gratuitamente por trabalhadores pretos no início do século XX. Originalmente, estava localizada na Praça Antônio Prado, onde foi construída entre os anos de 1721 e 1722. Era um espaço de reunião de pretos livres e escravos, que celebravam ritos católicos misturados às crenças de origem Banto. Com o processo de urbanização iniciado pelo prefeito Antônio Prado, a antiga igreja foi demolida em 1903, depois reconstruída onde se encontra atualmente. A nova igreja foi consagrada em 1906 quando, em grande procissão, com cantos e fanfarra, trasladou as imagens do antigo templo para o atual.

Em frente à ela, encontra-se o Monumento À Mãe Preta — o sempre impactante e contraditório monumento à figura da ama-de-leite compulsória dos filhos de classes abastadas, seus senhores e donos, à época do regime escravocrata. mesmo depois de terminada, o expediente da utilização de ama-de-leite se espraiou pelos anos à fora até hoje, principalmente nos “muitos interiores” pelo Brasil. Senão a ama-de-leite, o uso de babás que vêm a substituí-las no papel de mãe de quem pode pagar por isso e que não tem outra coisa a fazer a não ser desfilar por shoppings, clubes e festas.

Eu a conheço (a estátua) desde garoto. Nunca deixou de me causar uma forte impressão. As formas opulentas da personagem criada por Júlio Guerra, inaugurada em 1955, seria uma homenagem à participação da raça negra na História do Brasil. Rendo todas as minhas honras à todas essas pessoas que doaram os seus corpos para que hoje vivêssemos as nossas atuais contradições. Não o faço àqueles que, um dia, exploraram seres humanos como objetos, tanto quanto nos dias atuais.

O que impediria que a estátua venha a ser tomada como um monumento ao sistema escravocrata, o abençoando é que, por carregar um forte valor imagético relacionado à mãe, a estátua é cultuada por uma parcela da população, sendo comum a deposição de flores e velas junto ao pedestal de granito da estátua. Um gradil foi colocado recentemente em volta do pedestal para preservar a imagem do escurecimento causado pela fumaça de velas. A imagem acima é de 2015, de meus arquivos.

Como eu disse acima, vivemos em constante contradição. Vejo com crescente estranheza o cotidiano brasileiro. A sociedade é plural, assim como é plural as suas visões de mundo. Somos filhos do escravismo. Ele não assolou apenas os pretos, mas como devasta as relações humanas até hoje. O Brasil, um país miscigenado — muitas vezes à força — escancara a incoerência de ser brasileiro, nos colocando em posições cada vez mais discrepantes entre ideia e ação. Graças a isso, estamos vivenciando situações que não ultrapassam os ciclos passados, fazendo eclodir as possibilidades de nossas piores dores.

Cada dia é um dia…

Participam do B.E.D.A.:
Adriana Aneli / Mariana Gouveia / Cláudia Leonardi /
Darlene Regina / Roseli Pedroso / Lunna Guedes