BEDA / Vila Madalena

Citei sobre “Vila Madalena”, um conto em capítulos, para uma interlocutora. Ela perguntou sobre a idade de uma das personagens, uma cantora. Respondi que seria em torno dos 40, 43 anos. Depois, percebi que errara a idade, já que deslocaria para dez anos após a linha temporal plausível – dentro das circunstâncias em que a estava colocando – bem como aos outros atores da ação.

Na verdade, essa empreitada começou de modo “errado” como costuma acontecer comigo na maioria das vezes. A personagem principal, a que descreve o desenvolvimento da história, já tinha em mente – um sujeito em torno dos 50 anos, cronista que veicula seus textos em jornais e revistas. O mote giraria em torno de algumas questões que gostaria de desenvolver. Eventualmente, descaminhos surgiram na sequência do texto que seria único. Após terminá-lo, não coloquei o queria e percebi que aquela entrada poderia ter sequências e consequências.

Acabou que passei a conjecturar escrever de modo que essas partes pareciam capítulos. Quer dizer, em determinado momento, tudo começou a “desandar”. Aos poucos, foram pousando personagens que sequer havia imaginado – Carlos, Ella, Matheus, Fábia, Célia, Dani, Marinho (que ainda não estreou) – bem como Raul (já citado), que terá a sua chance aparecer.

Esse método de escrita, em que sequer monto um quadro em que as personagens apresentam determinadas características e que eu trabalharia para colocá-las em “confronto” não é o habitual. Infelizmente, talvez porque possa ter perdido várias chances de extrair melhores histórias desses encontros e desencontros.

A depender da necessidade de trabalhar melhor o cronograma dos acontecimentos em “Vila Madalena” poderei vir a adotá-lo daqui por diante. E enquadrá-las. Ou não. Gosto da ideia, totalmente baseada em nenhuma hipótese confiável, que essas “pessoas” se apresentam a mim vindas do Limbo. E dar-lhes vida e fala é a minha precária missão.

Participam: Roseli Peixoto / Lunna Guedes / Mariana Gouveia / Suzana Martins / Lucas Armelim / Alê Helga / Claudia Leonardi / Dose de Poesia

Desvarios Vários E Variados

Lunna, cara mia,

sou daqueles que também envida esforços tremendos para manter a mente no Presente. Porém, tenho plena consciência de que o Passado nos atravessa hoje paralelamente ao agora, assim como o Futuro se mostra evidente neste momento que estamos vivendo. Como somos analfabetos na sua língua, mal conseguimos ler o que se apresenta evidente e que apenas logo mais ficará claro. Como observador da vida, é verdade que acerto muitas vezes o que ocorrerá, porque quando colocamos em movimentos certas forças, como num jogo de xadrez, quase inevitavelmente os resultados se apresentam após as peças ocuparem as suas posições. Mas isso não me traz satisfação. Ao contrário, já que temos jogadores de má índole em profusão. São manipuladores de todas as ordens que jogam sujo para obterem vitórias à custa de muito sofrimento.

Nós costumamos comemorar datas marcadas no Calendário nas quais as pessoas pautam as suas vidas. Seguem as festividades sinalizadas na folhinha sem saberem exatamente a razão dessas comemorações. Muitas carregam um simbolismo poderoso, ainda visíveis atualmente. Outras, tiveram seus significados desvirtuados e, mesmo assim, costumam-se soltar fogos em nome de abstrações. Conversamos na última ocasião que estivemos juntos que o dia de hoje me causava assombro quando garoto porque não entendia a intenção de ser saudado como o do nascimento do menino Jesus – sete dias antes do primeiro dia do ano – já que por ele o Calendário se iniciava. Até descobrir que a intenção era vinculá-lo aos antigos calendários pagãos ligados à agricultura e às estações.

O Natal – decretado no Solstício do Inverno no Hemisfério Norte – ganhou através dos tempos uma poderosa marca econômica. Eu, por exemplo, estou em atividade remunerada graças à essa ocasião de congraçamento permeada por recebimento de regalos. A minha mãe apreciava demais essa data e apenas após o seu passamento, comecei a trabalhar nas comemorações dos outros. Nunca mais montei presépios ou árvores de pinus artificiais. As minhas meninas preferem se reunir com os amigos e apenas no almoço do dia 25 nos permitimos estar juntos. Este ano, isso não ocorrerá. A minha sogra está doente e estaremos separados – elas, lá, eu, em Sampa. Quando for viajar para visitar Dona Floripes, elas estarão voltando por conta de compromissos profissionais. Por sorte, não carrego pejo por viver na contramão dessa sacralidade formal e sem sentido.

Agradeço imensamente por Hopper ter nos colocado em contato e ter me “desviado” de meu destino de escritor de si para si. Um sujeito que não estava entre os seus, emprestando momentos fugidios de conexão em salas escuras de cinema, teatros ou bibliotecas em que apenas compartilhava olhares atravessados entre prateleiras. A moça que se sentia no sótão, desvinculada de suas muitas identidades, colocou como propósito escrever e editar escritas. Assim procedendo, invadiu o caminho de incautos que se sentiram inseridos no contexto de um cenário em que livros são tratados como bens artesanais. Hoje, renascido, sei valorizar a natividade.

De seu escritor,

Obdulio.

#Blogvember / Desmemoriado

“… as memórias ficam suspensas dentro de mim…”, por Mariana Gouveia, em As Estações

Eu me lembro de meus sonhos de infância, mas a própria vivência infância está envolta em nebulosidade. Várias das minhas lembranças entraram para a galeria de memórias em suspeição – sonhos ou vivências? Que não melhorou com a chegada da adolescência. São recorrentes os momentos em que evito encontrar colegas de escola por não me lembrar de seus nomes. É comum começarem a descrever situações que lembram como se tivessem acontecido ontem, enquanto eu mal me recordo de episódios recentes. Não que seja de todo desmemoriado. É que a minha atenção recai sobre assuntos e episódios totalmente aleatórios, muitas vezes sem importância ou conexão com circunstâncias importantes. Com isso, costumo chamar a minha memória de “randómica”.

Como consequência, acabo por me ver envolvido em discussões que tem os seus bons motivos: não me lembrar de coisas relevantes para as pessoas com as quais convivo – colegas, amigos, familiares – próximos ou não. É como se eu não desse a mínima para eles. E por mais que seja involuntário, não deixo de sofrer com isso. Essa dispersão-suspensão de fatos no tempo talvez tenha explicação – sintomas de TDA – que eu consideraria leve. Esse autodiagnóstico leva em conta que eu consiga me concentrar no trabalho e quando escrevo, ainda que os padrões não se assemelhem quando comparo essas atividades.

No trabalho, consigo planejar todas as etapas, horários e uso de equipamentos. Bem, vez ou outra, o nosso sistema de checagem e re-checagem falha. Na escrita, parto de ideias que surgem de repente ou de bases bem definidas, pré-estabelecidas. Apesar de, nas duas vertentes de produção, frequentemente me deixar viajar na construção do texto, busco demonstrar certa unicidade no estilo.

Essas duas funções – de prestador de serviços e escritor – são como ilhas no meio do oceano revolto ou um oásis no deserto. Consigo lhe dar com os problemas que surgem como se soubesse de causas e consequências. No trabalho, a norma tem sido o de resultados exitosos. Na escrita, tenho conseguido chegar aos finais em série com satisfação. Ainda assim, o sentimento é o de constante esforço no sentido de aprimorar os mecanismos de execução e a conquista de melhores textos.

Mas eis que após o término dos eventos, não fosse a gravação e a produção de fotos que venham a recordá-los, as várias etapas são dispensadas para o porão da memória, a não ser que tenha ocorrido alguma falha. Nesse caso, as uso como aprendizagem. Quanto aos textos, então, acho que nunca deixamos de reescrevê-los. Alguns “são” o que “são” ou ficam como ficam. Outros, “merecem” melhor sorte. Principalmente, depois que os relemos. A minha desmemória ajuda a torná-los muitas vezes “inéditos”. É comum me surpreender com histórias que sei que escrevi como se não as tivessem escrito.

Essa nuvem passageira que é a coleção de minhas recordações evanescentes, apresentam as suas dificuldades. Fico a imaginar se esses recortes de situações díspares não seja uma forma de defesa contra eventuais traumas. Na confecção de um de meus livros, cheguei a abrir portas emperradas de quartos fechados e não tive coragem de ir adiante. Quem sabe, um dia, eu consiga estar preparado para mergulhar em mim…

Foto por Ekaterina Astakhova em Pexels.com

Participam: Suzana Martins / Lunna Guedes / Mariana Gouveia / Roseli Pedroso

Eu Escrevi Outro Livro

Eu estava como que boiando solto no rio de asfalto paulistano, a ponto de ter mais uma crise de ansiedade de consequências funestas. Eu me conhecia. Já havia passado por isso antes. Em outras ocasiões, quase embarquei numa viagem sem volta. Cheguei a tocar o limite e quase vislumbrei ultrapassá-lo. Terminava o mês de janeiro deste ano e encontrei uma maneira de não afundar — parti para o Litoral Norte o meu norte junto ao mar, onde busquei boiar no líquido amniótico marinho para renascer. Ao mesmo tempo, comecei a fazer um dos cursos de escrita da Scenarium, conduzido pela Lunna Guedes.  

O sincronismo entre a necessidade de escrever sobre o que acontecia comigo e o curso voltado para a produção de crônicas, encontrou ensejo na busca da união de uma linguagem íntima e a expressão do que acontecia ao meu redor, no tempo presente. A visão pessoal sobre os acontecimentos, talvez fizesse com que superasse minha condição mental precária. Como se fosse um antídoto obtido do veneno — o que via acontecer no País colaborava para o aprofundamento da minha natural melancolia — conduziu-se a produção do meu texto. Ao mesmo tempo, o contato com o Mar foi paulatinamente resgatando meu equilíbrio no embate contra o movimento das ondas.  

Curso De Rio, Caminho Do Mar é o meu quarto livro pela Scenarium — Livros Artesanais, o terceiro de crônicas, o segundo numa linha mais intimista. Páginas de papel enlaçadas com arte que me resgataram das turbulentas águas da atual realidade brasileira, buscando vieses alternativos ao vislumbrá-la. Em um momento em que precisamos alimentar o povo deixado à própria sorte, percebi de maneira clara a necessidade de também alimentar o espírito. Essa interdependência se provou indissociável para sobrevivermos ao assédio do neofascismo.

O lançamento ocorrerá virtualmente, dia 27 de novembro, sábado, às 17h, pelo canal do Instagram do selo. Quem quiser adquirir esta e outras obras, entre o contato com a Scenarium — Livros Artesanais.

Coleção “As Idades” / As Chaves / 53 E 60

Mestre Yoda, ajudando a me concentrar…

“Tenho tido pequenos lapsos de memória. Tenho me dispersado frequentemente ao realizar tarefas básicas. Eventualmente, tenho até esquecido de comer. No entanto, a não ser que tenha sido levada por seres alienígenas ou tenha entrado por uma porta interdimensional, uma coisa eu garanto: as minhas chaves de casa estão em algum lugar sobre a face da Terra!” — 2014.

Escrito em 2014, no parágrafo acima descrevo uma circunstância comum na vida muita gente, de tal forma que as respostas dadas a ele relatava vários casos como esquecer o óculos de leitura na própria cabeça, trocar os itens de compra no supermercado por outros que já tinha em casa, deixar o celular perdido em algum ponto. Quando eu ainda tinha telefone fixo, uma das suas únicas utilidades (além de receber propagandas) era o de ligar para o celular para saber onde o havia deixado. Outros brincavam dizendo que era a idade que provocaria esses lapsos.

Pode até ser que estivesse piorando, mas o que sei é que sempre fui disperso. Isso me propiciava diversas situações embaraçosas que faziam com que me isolasse cada vez mais. Preferi evitar conviver mais de perto com as pessoas para não criar pretextos para discussões. Era usual eu me perder em divagações em meio a conversas com parentes e amigos. Na escola, buscava me concentrar o máximo possível e, no meu trabalho, descobri que conseguia manter a atenção redobrada, levando tudo a bom termo. Na escrita também fico tão envolvido que todas as experiências vividas ou intuídas fluem em prol da sua elaboração. Os textos, após ser entregues, os esqueço. Aos relê-los depois um tempo, muitos ressurgem como se fossem inéditos para mim, que os escreveu.

Minha dispersão é estimulada algumas vezes pelo encantamento por palavras ditas ou lidas a esmo, além de cacos de lembranças ou visões que me levam para longe — um efeito reverberante, inexplicável e imprevisível. Até provar para o meu interlocutor que minha desatenção não é proposital, o estrago já está feito. Ao mesmo tempo que saiba que isso possa ser prejudicial às minhas relações, eu receio que ao tentar reverter esse sintoma (seja lá de que forma for) que me ajuda na redação meus textos, eu perca a capacidade de captar esses estímulos, o que acaba por tornar-se quase uma dependência.

O isolamento provocado pela Pandemia de início propiciou o tempo necessário para escrever. Porém, a falta de contato com a vida em movimento foi reduzindo paulatinamente os estímulos que colaboravam para um melhor desenvolvimento de meus temas. Receber referências indiretas — por livros, filmes, músicas, artes plásticas — são desejáveis igualmente, mas sempre preferi beber na fonte do cotidiano humano que apreendia através da minha percepção. Passei por uma crise criativa, muito parecida por ocasião da doença e morte de meu pai, três anos antes.

Encontrar as chaves que possam deixar abertas as portas da minha percepção como escritor enquanto consiga conviver sem parecer alguém com sintomas escapistas inconciliáveis requer um esforço grande, mas necessário. Ainda que me sinta desconfortável em compartilhar minhas embaraçosas idiossincrasias pessoais, praticar a escrita ao revelá-la torna-se um duplo exercício de criação e auto perdão que me trazem prazer e certa redenção.