18 / 11 / 2025 / Blogvember / Havia Que Deixar O Corpo Descoberto Entre As Pedras

a pele a conversar com esses seres imóveis e permanentes
testemunhas de outras eras
sábias pedras em essencial mutismo ainda que digam —
estamos aqui — somos proféticas
somos compostas de eternidade aqui estaremos depois que vocês partirem
outras vidas pisaram se assentaram se expressaram
em nossa constituição mineral
vocês já tiveram a sua oportunidade fracassaram
testemunhamos a sua decadência
passaram a existência sobre nós a desrespeitar
outras vidas outros cantos outras forças belezas energias
dias e noites noites e dias
também gostamos da luz que nos aquece os contornos
mas em seu caminho autodestrutivo
os humanos estão criando maneiras de que a luz seja apagada
vocês serão extintos nós continuaremos
perfeitos em nossa dura e explícita consciência de cristal…

Participação: Lunna Guedes

Foto por Lucas Pezeta em Pexels.com



21 / 06 / 2025 / Mudanças Climáticas*

Em 2015, escrevi: “Dia de sol inclinado e temperatura fria. O inverno chegou! Mexericas ainda não colhidas, revelam as bicadas dos pássaros e as picadas dos insetos ou, ainda, apodrecem no pé. Podemos até desenvolver um sentido de desperdício quando nós, os humanos, não aproveitamos o máximo das potencialidades que a vida nos oferece, mas outros seres, dos alados aos rastejantes, talvez discordem disso…”.

Outra imagem semelhante registrei nas primeiras horas do Inverno primaveril de 20 de Junho de 2024* e escrevi: “As árvores, confusas com o calor tépido, florescem fora do tempo devido. É como não descansassem e os outros sinais de veranico fora de época nos mostrasse que o processo de mudanças climáticas se acentuarão dia a dia. Quando vim para esta região da Zona Norte, no final dos Anos 60, os morros do entorno amanhecia neste período com a vegetação coberta de geada, transformando o amanhecer em um espetáculo de múltiplas cores produzidas pelo reflexo solar. Hoje, o mesmo local está recoberto de moradias”.

Li que esta geração será a última a ter visto vaga-lumes a voarem por entre as plantas. Os machos da espécie sofrem a concorrência das luzes artificiais e não conseguem mais fecundar as fêmeas. Assim como as abelhas que também sofrem com as anomalias produzidas pelos homens, estamos nos condenando gradativamente à extinção. Pior para nós, melhor para todas as outras milhões de espécies animais do terceiro planeta desde o Sol — desde insetos até as maiores — terrestres e marinhas.

#Blogvember / Hominhos De Lata

“Entalhadas nas nervuras do corpo ser — semente — flor”, por Nirlei Maria Oliveira, em As Estações

Lembro de ter aprendido na escola que fazemos parte do Reino Animal. Que somos mamíferos, da Ordem dos Primatas, da família Hominadae. Para completar o nosso lugar no mundo, nos autodenominamos Homo sapiens sapiens. Não basta nos chamarmos de homens sábios. Somos além de sábios, sábios por termos desenvolvido autoconsciência, racionalidade e sapiência. Mas não somos tão sábios a ponto de não percebermos que isso nos afasta dos outros seres do nosso reino, assim como do Reino Vegetal e Mineral. A nossa espécie surgiu a cerca de trezentos mil anos e já fizemos um estrago considerável ao nosso planeta. Por nossa intervenção, extinguimos várias outras espécies vivas – animais e vegetais.

A grandeza da devastação provocada pelo Homem à Terra só é comparável a de um Câncer terminal a uma pessoa. Ou a um vírus invencível que infecta um corpo. Ou ao meteoro que extinguiu os dinossauros há 66 milhões de anos. Cedo em minha vida, percebi a nossa conexão com as forças da Natureza. Que o desequilíbrio de forças em marcha poderá finalmente nos extinguir como espécie, apesar de nos jactarmos de nossa invencibilidade. Sem se dar conta que nossa semente poderá um dia não se transformar em flor.

Somos fascinados pelas máquinas que inventamos e construímos. Modernamente, tem sido muito mais fácil nos identificarmos com as suas qualidades do que nos compararmos positivamente aos seres vivos. Sou admirador de árvores e plantas. Percebo que a sua aventada mudez é substituída por demonstrações óbvias de formas de expressão não percebidas. Em RUA 2, cheguei a colocar uma personagem a conversar com uma sábia árvore de uma ilha central da Avenida São Luiz.

Em 2016, invadi o reino inanimado das construções humanas para brincar com a nossa tendência em humanizar carros, ferramentas e objetos de uso pessoal. Escrevi:

“Numa dessas ocasiões, eu estava a caminho da academia, sempre a passar por ele. Desde que o vi pela primeira vez, havia simpatizado com o Hominho de Lata. Porém, naquele dia, algo mais aconteceu – lhe puseram óculos. Pronto! De imediato, me senti identificado. Eu “nasci” de óculos… Ou melhor, não me reconheço sem os óculos, figurativamente… A saber que as coisas mais intensas que faço são na penumbra, sem rejeitar a luz que se instaura…

Ali estava a mim mesmo, consubstanciado – homem que nasceu para ser nuvem, mas que se tornou lata – enrijecido pelos tempos a fora, em pose de quem carrega o peso e a função de sorrir, ainda que o mundo lhe envergue as costas… Boa sorte a minha de tê-lo como companheiro de percurso, a lembrar de minha (nossa) pequenez, Hominho de Lata!”.

A continuarmos a nossa saga de fugirmos de nossas características que nos liguem à Natureza, é bem possível que tenhamos muito maior parentesco com futuristas homens de lata do que com os seres vivos. Enfim, desumanizados.

Participam: Suzana Martins / Roseli Pedroso / Mariana Gouveia / Lunna Guedes

Projeto 52 Missivas / São Dias De Olhar Pelo Buraco Da Fechadura…

E o que vejo pelo buraco neste primeiro quarto… de século, Gaia?

Próximo a mudança das estações, mais uma invasão. Homens, tanques, mísseis, blindados, irmãos matando irmãos. Passado o primeiro mês da guerra, não há solução na linha do horizonte…

Enquanto neste quadrante, a invasão de biomas inteiros aumentam dia-a-dia desde há muitas estações com motosserras, fogo e tratores, reduzindo a cinzas no solo empobrecido ou arrancando nossas irmãs árvores de seus lugares de origem para servirem aos que se intitulam senhores de seu corpo. Mais um efeito do Patriarcado, não importando a ideologia?

O clima tem se modificado, como sabe, por nossas interferências indevidas no fluxo natural da vida. Os ciclos não se cumprem, a não ser o de guerras de tempos em tempos para lembrarmos o quanto é fátuo matar e morrer por causas delirantes e ilusórias. Enquanto isso, a ferimos inoculando veneno em suas veias-rios, agredindo os seus úteros-mares, os entulhando de lixo.

Armamos armadilhas improvisadas as quais chamamos de casas em encostas de zonas degradadas que certamente virão a ruir mais cedo ou mais tarde. Ou próximos de nascentes e mananciais de água, as degradando. Sempre achei corajosa a opção de pessoas virem a viver em zonas com possibilidade de terremotos, como os residentes da cidade de São Francisco, localizada sobre a Falha de San Andrés. No Brasil, não é opção, mas falta de…

O buraco da fechadura tem se alargado e o que era para ser reservado e preservado, é escancarado e arrancado como se fosse infindável. Sei que nosso estilo de vida causa a morte de nossos companheiros de jornada. E que esse cortejo de seres extintos nos levará à nossa própria extinção.

O que eu especulo é se conseguiremos sobrepujar nossa atração pelo abismo e pararemos para voltarmos a nos conectar na mesma vibração que seu corpo emana, quando nos sentiremos como células-filhas acolhidas em seu corpo luminoso de azul.

Gaia, até onde deixará que iremos antes que faça o que for preciso para sobreviver?…

Participam: Mariana Gouveia / Lunna Guedes