A imagem acima, devidamente datada, demonstra que a nossa amizade data de bem antes do que seis anos que o Facebook preconiza. É claro que colocam o tempo em que a minha filha, Romy, e eu nos tornamos “amigos” pelo aplicativo. Essa faceta reducionista mostra bem o quanto ocorre o desvinculamento das redes sociais da Realidade. São instâncias diferentes e díspares quanto à verdade de sermos e estarmos. Atualmente, prestes a completar 36 anos de existência, metade da minha idade, homenageio a resistência do que é real sobre o que é falso.
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‘Bora lá!*
Há pelo menos 30 anos, após o nascimento da minha primeira filha, consegui empreender o desejo de viver um dia de cada vez. Entendi que cada dia poderia ser o último e que não deveria ficar tão preso ao passado, apesar das cicatrizes coçarem vez ou outra. E nem esperar que o futuro simplesmente ocorresse naturalmente com a passagem inexorável do tempo. Compreendi que o futuro se faz principalmente no presente. Sem prescindir de planejamento, percebi que o imponderável também tem o seu lugar e que devemos estar preparados para o inesperado. Quando ocorrer o que não estava programado, imediatamente aplicar um plano B. O interessante é que estou quase sempre pronto para as coisas ruins, mas nem sempre para as boas. Eu tinha planejado ter um dia totalmente diferente, de atividade contínua. Porém, algo escapou ao controle (nunca conseguimos controlar tudo, aliás, nem devemos) e ganhei uma folga nesta imensa folga de mais de um ano de Pandemia (alguém além do Barack Obama a esperava?). A moça do tempo anunciou um dia nublado e eis que o sol se fez. Inesperado, apesar de bem vindo, nem sabia o que fazer. Agora mesmo, sairei para uma caminhada à esmo, como tenho feito neste primeiro semestre. Conversarei com a luz. Seguirei por caminhos abertos e sem aglomeração. Ruas vazias de Sol inclinado a alongarem sombras de gentes e árvores. ‘Bora lá!
*Texto de Junho de 2021
O Relógio E As Pedras
Ela não tem como evitar… Desde que foram colocadas pedras brancas no canteiro circular em torno da mangueira, a Bethânia as elegeu como objetos de desejo, as retirando e decorando todos os lugares possíveis da casa. Nós as encontramos em vasos de plantas, no sofá, sobre cadeiras, na nossa cama e em cima da mureta que limita a varanda e o telhado da churrasqueira, em alinhamentos que chegam a parecer mensagens astrais. Pela mureta, a gata-cachorra acessa a laje da vizinha, casa da minha irmã, de onde fica tretando com o Fredy e o Marley, moradores da sua casa, além de latir para Urbi et Orbi.
Considerando que seja um ser que age por impulso irrefreável, apresento uma característica quase igual. Eu me atraso, reiteradamente, apesar de montar estratagemas para que isso não aconteça. Não consigo evitar que a minha atenção seja desviada com relação ao horário ao surgir do chão, das paredes, dos portais interdimensionais pequenos entraves – como o único copo sujo que deixei de lavar, um objeto fora do lugar, o fone de ouvido que não encontro, a carteira que estava esquecendo, o coco dos cachorros no quintal que surgem em profusão após o almoço deles e não consigo deixar de recolher… e, por aí, vai.
Essas distrações não ocorrem somente quando tenho compromissos “oficiais”, mas também em circunstâncias comezinhas do dia a dia. Quem convive comigo chega a acreditar que esses desvios acontecem por não me importar, já que se assemelha bastante a descaso. Eu sempre fui um tanto disperso e com o correr da idade, agora oficialmente um idoso, com 62 anos, é bem capaz que essa característica venha a ser confundida com demência. E haja incompreensão…
Bethânia tem a minha solidariedade quando o pessoal de casa ralha com ela, porque parece que quer nos presentear com as pedras ao chegarmos de algum lugar. Mas pensando bem, não só. Também quando estou preparando a refeição do dia, ela as carrega para lugares incógnitos como sinal de satisfação antecipada. Deve haver outros estímulos, senão não veríamos tantas pedras espalhadas (colocadas?) por todos os cantos. Considerando tudo, os nossos impulsos são similares, mas enquanto os dela chegam a ser encantadores, os meus são bastante irritantes.
Entre nós dois há olhares cúmplices de seres que caminham pela linha tênue entre o carinho e a repreensão. Ela não tem vergonha de aparecer com o olhar de cachorro que caiu da mudança e ganhar beijos de compreensão. Quanto a mim, resta a fama de destrambelhado, distraído ou, mais grave, desinteressado. O lindo relógio que ganhei da minha filha, ao final das contas eu o uso apenas para me informar o quanto estou atrasado… Aliás, por onde ele anda?
Bem Te Vi Aos Vinte*
Ainda homenageando à Lívia, minha caçula que aniversariou ontem, uns versinhos que fiz aos seus vinte anos, em *2015.
Chegaste aos vinte anos
Bem te vi nesta chegada!
Bem te vi linda!
Bem te vi confiante!
Bem te vi forte!
Bem te vi melhor
Do que eu fui aos vinte…
Porque é assim que deve ser
A filha superar o pai
Alcançar maior consciência
Vislumbrar mais rasgados horizontes
Viajar para lugares mais distantes
Ser feliz por poder te realizar
Te tornar uma pessoa mais completa!
Hoje, enquanto nascia o dia
Bem que ouvi o bem-te-vi cantar
Enquanto tu saías para estudar
Bem te vi buscar o teu futuro
Bem te vi encontrar o teu caminho
Bem te vi te ver
Sendo essa pessoa amada!
Bem te vi!… Bem te vi!… Bem te vi!…
La Vie*
Quem é aquela jovem mulher que desce a escada?
Olho de novo e busco saber de onde a conheço
Busco a bela moça em minha memória escavada
Perco-me por dois segundos, desde o fim até o começo
Aquela parece ser minha filha menor, parece ser a caçula
Que desce do andar de cima com um novo andar
Que deitou menina pequena e acordou qual mulher de fábula
Transformada em novo ser, com um novo olhar e menear
Como ocorreu de maneira tão célere essa passagem?
De bebê à criança, à menina, à moça, até ser mulher?
Como se deu a consumação desses dias em voragem?
Qual o nome da força que mal consigo, por um instante, conter?
Será a vida, irrefreável e absoluta, que nos coloca o prumo?
Será o tempo, impassível e frio, como um rio a transbordar?
Já antevejo o dia em que a levarei ao altar, para um novo rumo
E o ciclo a se completar, tendo no colo o futuro a me recordar…
*Poema de 2013





