Visões De Mundo Ou Refúgios

Há exatamente uma semana, na CPI do MST, a Deputada do PL de Santa Catarina, Caroline De Conti, interpelou o Professor Universitário da UnB, José Geraldo, também Pesquisador Sênior Voluntário, sobre o método de invasão utilizado pelo Movimento Dos Sem-Terra. Juntos, protagonizaram o choque de dois mundos. A Deputada não perguntou, mas afirmou que havia um suposto esquema que perpetuaria que as invasões continuassem para manter atuante o movimento.  

O Prof. José Geraldo, mudando o nome de “invasão” para “ocupação”, explicou que a concepção que a Dep. Conti apresentava sobre o MST detinha uma visão recortada da realidade, a qual apreendeu historicamente dada a sua condição econômica-social bem diferente daqueles que reivindicam a terra para trabalhar, porquanto representasse justamente a parte ocupada. Ainda que a terra não produzisse, ainda que fosse apenas para especulação ou sem função nenhuma a não ser como bem cumulativo, a voz representante dos eternos senhores da terra, contrapunha que o que MST cometia era um crime.

Viralizou nas redes sociais o trecho em que o professor cita Otávio Paz sobre como os naturais do território ao qual Colombo chegou com as suas caravelas – invenções sem paralelo na realidade dos povos da futura América – não era perceptível a eles. Mal comparando é como a Teoria da Física Quântica – que dá ensejo à possibilidade da existência de universos paralelos. Mas sem precisar estudar tanto podemos perceber a criação de realidades paralelas em contínuos desdobramentos diante de nossos narizes tridimensionais, a partir de um ponto determinado. Principalmente quando observamos a discrepância entre as condições de vida entre ricos e pobres, engendrados pela mesma ideologia inicial.

Quase como se fizéssemos uma viagem numa máquina do tempo, continuamos a discutir situações que surgiram no Século XVIII, mas que no Brasil ainda ganha ares revolucionários, como na França da época. O que era tema candente, então, continua a instabilizar o mundinho daqueles que expandem para o concerto social atual circunstâncias criadas e mantidas pelo Sistema Escravocrata que moldou a personalidade do brasileiro médio. Senhores e escravizados convivem modernamente sem conseguirem ultrapassar de um lado e de outro os limites do Passado.

Na segunda-feira passada, assisti, sem conseguir desgrudar um minuto sequer os olhos da tela, ao filme protagonizado pela maravilhosa Dira PaesPureza. Retrata o sistema eufemisticamente chamado como “análogo à escravidão”. Sob os olhos vendados da Lei, as pessoas perdem autonomia ao serem criados laços de dependência insuperável, as mantendo presas às condições precárias de subsistência. Foi noticiado agora há pouco que, em Goiânia, bem perto da Capital do Brasil, um centro de reciclagem foi autuado por manter seus funcionários tratados como se escravos fossem, sem quase nenhuma dignidade humana.

Ontem, 19 de Junho, foi declarado o Dia Do Refugiado. Foi criado para chamar a atenção para os milhões de pessoas que são obrigadas a saírem de seus lares de origem por causa de guerras, divergências políticas ou perseguição religiosa, terminando por aportarem em outras terras-realidades. Mas ao olharmos mais de perto a nossa própria Sociedade, veremos o quanto encontramos refugiados expulsos do padrão civilizatório básico. São sobreviventes precários, cercados por insensíveis por todos os lados.

Estes últimos também se refugiam do que acontece vivendo recortes da realidade que pressupõem o desequilíbrio como sendo um dado intrínseco à Vida. Para reforçarem a existência dos privilégios, buscam embasamento em preceitos que expressam um processo retrógado, eterno e cíclico. Quase como se fosse uma lei natural.

No evento no qual participei ontem, a promotora que o anunciou, iniciou a sua fala realçando o “momento difícil pelo qual o Brasil está passando”, bem diferente do ano anterior em que vivíamos numa condição em que o futuro, normalmente incerto, apresentava horizontes sombrios de tempestade institucional. Quando ela fala do Brasil atual, contrapõe ao seu antigo país ideal, governado por um descerebrado com pretensões napoleônicas e que trazia amedalhado no peito o nazi fascismo como galardão. Continuou dizendo que “ainda assim temos o privilégio de estarmos num clube que nos acolhe com segurança e conforto”.

Esse clube tem um sistema de segurança burocrático e bastante rigoroso. O ar policialesco e desconfiado se justifica. Afinal, estão recebendo em seu refúgio potenciais inimigos – aqueles que lhes servem enquanto apenas estejam lhes servindo – mas que podem, a qualquer momento de louca revolta, se insurgirem contra o jugo invisível, porém inexpugnável sob qual vivem…

Tirante a chamada da mídia com acentuado perfil ideológico, o que o Prof. José Geraldo, em seu depoimento apresentou uma aula magna de História, Filosofia e posturas ideológicas. Apreciem!

Projeto Fotográfico 6 On 6 / Coleção “As Idades” / O Feitiço Do Tempo

Há quem defenda que o Tempo não existe, de fato. Tradicionalmente, poderia se dizer que Tempo é a duração dos fatos o que determina os momentos, os períodos, as épocas, as horas, os dias, as semanas, os séculos, etc. Teria surgido a partir do Big Bang, momento em que o Tempo começou a correr, avançando sem parar desde então. A palavra Tempo pode ter vários significados diferentes, dependendo do contexto em que é empregada. Eu, pessoalmente, em contraposição a essa ideia de Tempo contínuo de Cronos, também deus das Estações, gosto da vertente dada por Kairós, seu filho, que propunha uma não-linearidade do Tempo, o valorizando a vivência do momento oportuno. Teorias mais ousadas propõe que o Tempo caminharia em duas direções contrárias, como na mitologia da Roma Antiga, em que Janus, deus dos começos e fins, é geralmente descrito como um homem com duas faces olhando em direções opostas. Além das teorias baseadas na Física tradicional, através de experimentos matemáticos em Física Quântica foram realizadas simulações de como o Tempo funcionaria nessa dinâmica — sem usar a gravidade —, mostrando que o “Tempo Quântico” pode ser tão bizarro quanto os demais fenômenos na escala das partículas atômicas. Isso pode ser relevante para futuras tecnologias. Computadores quânticos que tirem proveito dessa “ordem temporal quântica” para executar operações poderão superar os dispositivos que operem usando apenas sequências fixas. Eu, pessoalmente, sem me ater a teorias de como o meu corpo se desgasta a cada tic-tac do relógio, a duras penas tenho conseguido viver o Presente que creio ser o único Tempo que importa. Há pouco Tempo, quando me desloquei para o Futuro, passei por uma crise pesada que quase me fez sucumbir. Porém, estando vivo, neste momento e lugar, estou festejando a minha história pessoal através do Passado, o que é sempre uma maneira de viajar no Tempo, ao mesmo Tempo que tento decifrar o seu feitiço.

Eu e meu neto, Bambino.

Aos 60 (2021)

Eu sou um homem às portas dos 60 anos, que completarei no libriano 9 de outubro próximo. “Casado, três filhas, tenho cultivado uma proverbial barba branca na tentativa de abrigar um aspecto mais maduro do que a minha alma juvenil (imatura) deixa entrever. A minha imagem veterana tem sido auxiliada pelo desenvolvimento de uma voz mais grave, graças ao envelhecimento das cordas vocais. Assim, como os olhos, pelos (que caem ou embranquecem), pele e outros órgãos que definham, certos aspectos da passagem do tempo físico (rotações em torno do sol) nos transformam gradativamente em outras pessoas ao longo da vida. Efeito do feitiço do Tempo. Somos os mesmos, mas outros. O que não muda é algo a que chamo de energia primordial uma identidade pessoal — que não envelhece, transcende o Tempo e me acompanha até que venha a me desvencilhar do corpo que a carrega. A minha principal atividade como Obdulio é me procurar, me encontrar e me perder. Descobri dentro de mim lugares inacessíveis. Muitas vezes, quando chego perto de alcançá-los, desisto. Eu me sinto bem em me desdobrar em mistérios… Ou talvez seja apenas covardia. Enquanto não chega o esquecimento na dissolução de moléculas na revolução atômica da morte”.

Identidade (1967)

“Esta foto, tirada provavelmente aos seis anos, foi feita por ocasião da primeira carteirinha de identidade. A minha mãe era muito ciosa com relação aos registros sociais. Na verdade, tinha um medo, que se pelava, de me perder por aí…”. Identidade percebi que não fica restrita a um documento. Perpassa por tantas vertentes e variantes que apenas intimamente podemos saber quem somos… se formos totalmente honestos conosco ou tivermos discernimento e coragem para tal.

Ciclos da águas…

Água (2014)

“Esta foto pode parecer de suprema ousadia e talvez, até, politicamente incorreta, mas não se preocupem, esse banho durou apenas cinco minutos. Sempre disse que o maior recurso do Brasil era a água. Eu me penitencio de, mesmo sabendo disso, não ter tido muitas das vezes os cuidados necessários para economizar esse bem preciosíssimo. Agora que vivemos a pior estiagem dos últimos cem anos na região Sudeste, se bem que ainda mantendo vários hábitos impensáveis em alguns lugares realmente assolados por secas severas, como tomar um banho por dia, pelo menos, é imprescindível que aprendamos a lidar com a água de maneira a valorizar cada gota”. Passados sete anos, nossos administradores preferiram não acreditar no planejamento. Afinal, são tantos recursos disponíveis que ninguém notaria se, como num curso de rio, tiverem sido desviados para destinos ignorados que não a precaução com a seca há muito Tempo prevista.

Riponga (1999)

“Durante muito tempo adotei um perfil riponga, para a tristeza da Tânia, que não sei como aguentava o visual daquele cara desgrenhado. Do meu lado, a gordinha Ingrid, com cara de quem sempre estava disposta a aprontar”. Nessa imagem, visto uma camiseta que utilizava como uniforme do baile de Carnaval ao qual provavelmente iria fazer mais tarde.

No Outono de minha vida…

Outono (2021)

Outono de 2021, no outono de minha vida. Mas ainda que as minhas folhas caiam, ainda posso dizer que espero ultrapassar o Inverno e alcançar a Primavera, mais uma vez. O que não será mais possível para centenas de milhares de pessoas neste País que nega direito à vida. O pior é que haja tantos palhaços que prefiram ver o circo pegar fogo, quando não são eles mesmos a acender o fósforo. O que realmente espero, além de sobreviver é que, nada mais, nada menos, venham a perceber o mal que ajudaram a propagar e sofram o pior dos arrependimentos”.

Aos dois, a dois…

Aos dois, a dois… (1963)

“Eu, então com dois anos e meio e minha irmã, Marisol, com menos de um. Desde então, já apreciava a bola”. A família morava na região central de São Paulo, no Largo do Arouche, e mamãe nos levava às praças arborizadas e bem cuidadas de então — República, da Luz, Princesa Isabel, entre outras. Passados quase sessenta anos, o movimento do Tempo “renovou” as orientações e vivemos um ciclo de declínio institucional. Isso, muito devido ao que viria a acontecer logo depois — o Golpe Militar de 1964 — que atrasou o nosso desenvolvimento nas práticas participativas e valorização do bem público como coletivo. O meu irmão caçula, Humberto, nasceria por volta de seis meses à frente, enquanto nosso pai passaria a ser perseguido por suas ideias pelo Regime de Exceção.