BEDA / DESMAIO

Bom dia, L.!

Último dia de abril e de Blog Every Day April. Maratona que se repetirá em agosto: uma postagem por dia, em que reciclei textos antigos, acrescentadas de novas crônicas que relatam práticas das pessoas a repisarem temas crônicos — a cíclica seara humana de velhas práticas como se novas fossem — nossa sina de maldição. Ou poemas que celebram um homem que ama a Natureza ou a natureza humana de amar por amar. Ou histórias em que invento a vida real.  

Maio será inaugurado com um ataque de rutilantes e frias adagas a cortarem o ar seco de São Paulo com um pouco de umidade. Ainda assim será de pouca chuva e fartura de notícias de ofensas do bandidinho do Planalto Central ao sistema democrático, ainda que precário, mas ainda em vigor até a segunda ordem de velhos de pijamas, em dia com próteses penianas e doses de Viagra para colocarem as suas armas em riste, além das canetas. 

Não tenho por maio um apreço especial. O último dia dele marca o nascimento de meu pai, em 1932. Ou pelo menos, foi o dia que o meu avô inventou para o menino que ganhava a nacionalidade brasileira com já seis anos de idade. De qualquer forma, parece que as características de Gêmeos se sobressaíram em meu pai. Então, o homem idealista, estratégico e oportunista, sacrificou a família em seu projeto sendo instável, nervoso e egoísta. 

A Tânia recordou-me que seu pai morreu num 8 de maio. Coube a mim a dar a fatídica notícia. Não sabia como fazê-lo. Decidi ser direto e reto. Vi a mulher forte se desmanchar em meus braços, em prantos. Eu a segurei firme, solidário a uma experiência que ainda viveria primeiro com a minha mãe e depois com meu pai.   

Maio perdeu o status de mês das noivas para dezembro, já que as cerimônias de casamento recebem o aporte do décimo-terceiro salário para financiá-las. Era o mês das noivas pela influência da Igreja Católica, que o considera o mês de Maria. Pelo “viés feminino” que carrega foi associado às noivas, no intuito de trazer boa sorte para a mulher que se casa — se tornar mãe. Catolicismo e Patriarcado associados para consagrarem o casamento na única opção digna para a mulher: procriar. Quanto às flores, seria apenas no Hemisfério Norte que mereceria esse título. De fato, o nome maio vem de Maia, deusa romana da terra e das flores, celebrada nesta época. 

Por fim, a maior batalha de maio diz respeito ao seu primeiro dia. É um dia disputado por capitalistas e socialistas por causa de apenas um “R”. Para uns, é o Dia do Trabalho, para outros, Dia do Trabalhador. O contexto para os capitalistas é de que o trabalho dignifica o homem, não importando o salário. Para os socialistas, que o trabalhador prescinde do trabalho para se tornar homem. Enfim, importamos aparências desde sempre, aparências que nos enganam. Simbolicamente, quanto melhor contada a mentira, mais aceitável se torna, preferivelmente se for bem mirabolante. No entanto, o dia da mentira é o primeiro dia deste mês que e encerra hoje.

Participam do BEDA: 
Lunna Guedes / Alê Helga / Mariana Gouveia / 
Cláudia Leonardi 

Perfeito Amor

Amor Perfeito

somos humanos
imperfeitos
nossa medida de amor
humana
como queremos amores perfeitos?
amamos humanamente
a desejar a perfeição
tão imperfeita medida e ação
em nossas incompletudes
sofremos
a buscarmos mais que a plenitude
amar sem medição
amores perfeitos as flores
constantemente regadas florescem
amores humanos descuidados fenecem
imperfeitos continuaremos amando
porque o amor é imperfeito
por isso nós vivemos
um perfeito amor…

Formigas

saio para caminhar assumo
apenas a linha vermelha que limita
a grama do piso da ciclovia
da ilha central da avenida farei
um tiro rápido pelo trajeto
encontro nossos formigueiros e de outras formigas
corajosas na faina de buscar folhas
atravessar chãos pisados e repisados
reprises de filmes antigos
mortas por rodas e pisantes
alguns matariam por diversão?
pelas pistas versos e reversos
formigas motorizadas brecam
ao sinal vermelho do semáforo
obedecem os sem foro
de apelação
os desesperançados
atraídos pela ação
agem por impulso
correm mal se socorrem
de suas mentes  e corações
devo permanecer a equilibrar pés
sobre a contínua linha
corpos de formigas jazem
a centenas operárias que sustentam
a colônia de alimento e cuidado
obedientes ao sistema de castas
defendem cuidam das ovas
as mais velhas as mais novas
assim como as maiores
estas iludidas se imaginam rainhas superiores
muito mais ainda as piores
se ainda comessem flores…

Projeto Fotográfico 6 On 6 / Por Onde Andei…

“Por onde andei
Enquanto você me procurava?
E o que eu te dei?
Foi muito pouco ou quase nada…” (Nando Reis)

6O6-20-1

Ano viçoso, de novo que é, em seu sexto amanhecer – Dia de Reis – me fez querer falar por onde andei nestes últimos tempos. Lembro que era comum iniciarmos o ano letivo com redações a discorrer sobre o que havíamos feito durante as férias. Naqueles anos, restávamos rememorar eventuais idas às casas dos tios ou descidas à Praia Grande, onde minha avó paterna tinha uma casa. Nessas viagens rumo à praia, comecei a desenvolver um relacionamento íntimo com o mar. Mesmo que, por algumas horas, em intervalo de trabalho em Caraguatatuba, no último dia de 2019, tive um encontro com as águas salgadas do tempo. Mergulhei em mim…

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Passei o Natal com os familiares da Tânia, em Arrozal, Distrito de Piraí-RJ. Desde que comecei a visitá-la, mudou bastante – ampliou o número de residências e moradores – mas não deixou de apresentar características de Interior – pessoas que se cumprimentam na rua, mesmo sem se conhecerem, casario antigo e movimento muito menor do que em qualquer bairro paulistano. No entanto está cada vez mais tornando-se uma extensão do Rio e seus problemas. Ainda resta quem adorne seus jardins de flores e luzes, observáveis através de muros baixos.

6O6-20-3

Fiz uma caminhada por Arrozal, a revisitar pontos que não via há três anos. Busquei novos ângulos, tentando encontrar referências perdidas na memória do lugar, como se buscasse seu espírito antigo. A cada lugar, me ausentava do presente e tateava as paredes desbotadas para ouvir histórias que me contavam. Passei frente ao portal da Igreja de São João Baptista e, respeitosamente não entrei com os sapatos sujos de meus preconceitos e descrença. Apenas apontei a câmera do celular para registrar a simplicidade do altar. Quando fui postar a foto, divisei a presença de uma fiel, nos bancos à esquerda. A nave, aparentemente vazia, estava plena da verdadeira comunhão de quem crê e ora…

6O6-20-4

No segundo dia de caminhada, logo cedo, tive a companhia de um jovem cachorro que se juntou a mim quando passei pela praça central. Não era por minha causa, mas pela Bethânia. Vim a descobrir que, mesmo castrada, ela ainda pode liberar o odor que atrai os machos da sua espécie para o acasalamento. Ela estava irritada com o assédio. E o tipo não ousava se aproximar tanto, não apenas por mim, mas também pela rejeição da donzela. Em uma das ruas, me detive uns dez minutos. Observei um belo cavalo que se alimentava do capim do terreno baldio. Ao me aproximar do gradil, Pi (o chamei assim devido ao símbolo que carregava no corpo) também se aproximou de mim. Não demonstrou medo e aceitou meus afagos em sua majestosa cabeça. Em tempo, eu não monto. Certa ocasião, tirei uma foto em cima de um cavalo manso, no qual as crianças subiam como se fosse o meu antigo cavalo de vassoura dos tempos pueris de cowboy. Depois do registro, logo que pude, desapeei. Terminada a troca de olhares e palavras mudas com Pi, voltei à praça, na tentativa de me livrar do acompanhante indesejado. Deu certo. Ao perceber que estava em um lugar com cheiros familiares, ficou a observar por um tempo nos afastarmos, como a decidir se deveria correr atrás de seu amor de verão ou não. Voltou o dorso e se foi.

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No último domingo de 2019, fomos, Tânia, Romy, Niff (um amigo) e eu, ao Bar Estadão, típico ponto culinário da cidade. Aberto 24 horas por dia, serve ao povo paulistano desde 1968, com movimento assíduo de boêmios, músicos e trabalhadores da noite e do dia – de empresários a empregados, em ambiente democrático. Estacionamos o carro em uma rua próxima e caminhamos através de uma feira livre em pleno Centrão. Estava no final do expediente. A turma da xepa se fazia presente, assim como os que estavam simplesmente atrasados. A aparente discrepância entre as tradicionais barracas de frutas e legumes e o fundo recortado por espigões, apenas acrescentava charme à esta cidade que amo. Mais tarde, subi à Paulista, fechada ao trânsito de carros. As pessoas, fora de seus veículos, carregavam os mesmos erros de bom comportamento na fluidez dos seres. Muitos desconhecem o Princípio da Impenetrabilidade, amparada na chamada Lei de Newton, que ensina que “dois corpos não podem ocupar o mesmo lugar no espaço ao mesmo tempo”.

6O6-20-6

Em minhas idas e vindas por estradas e caminhos, meu olhar passeia pelos cenários de forma mais rápida que os meus sentimentos possam objetivar. Porém, em suma, percebo crescer em mim um êxtase quase religioso pela Natureza. De horizontes a perder de vista a flores que me perfumam a imaginação; dos pássaros que voam livres na matas e montanhas, aos seres que pisam e rastejam na terra úmida ou dos que evoluem em rios e mares – tudo e todos merecem a minha reverência de coadjuvante que sou em uma jornada na qual estamos todos imersos. Que em 2020, possamos fazer crescer a consciência de unicidade e respeito à vida em todos os seus níveis. Sentimento crescente, principalmente quando parece que há grande interesse em crestar o chão e poluir as águas do planeta.

 

Também andaram por aí…

Darlene Regina — Isabelle Brum — Lucas Buchinger
Mariana Gouveia — Lunna Guedes

Projeto Fotográfico 6 On 6 – Outono

Meninas, em 95
Minhas filhas, Romy, Lívia (no berço) e Ingrid, em 1995.

O Outono chega carregado de saudade, reafirmada a cada folha que se desprende das árvores do quintal. As temperaturas mais altas deixam de ser mais frequentes, pouco a pouco. Por algum motivo obscuro (a mesma saudade?), tentamos organizar os álbuns de família, o que quase nunca conseguimos. Talvez aconteça neste Outono, talvez, não… Enquanto isso, viajamos para outros tempos – emoções antigas e renovadas.


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Antes do descobrimento…

A chegada do Outono, me incentiva, mais do que no Verão, que eu vá me encontrar com a praia, o mar e o sol mais inclinado. É uma estação que aproveito para me internar-exteriorizar.  Sou Eu-tono… Encontro a areia deserta, apenas habitada por pássaros. Viajor, recuo eras, a ponto de regressar à época do Descobrimento. Como em “Somewhere In Time”, o encanto se quebra por causa dos dejetos deixados pelos humanos no presente…


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Tortillas paraguayas…

Nesta época do ano, nem sempre temos tempo para organizar almoços ou jantares. As sobras de um dia para outro, como arroz, propiciam que eu faça um dos meus pratos salgados favoritos, digno representante de anos precários da minha infância – tortillas paraguayas – uma das heranças de minha origem de filho da meu lado paraguaio por parte de pai. Receita? Além de arroz, farinha de trigo, ovos, leite, queijo ralado, sal a gosto…


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Flores inesperadas…

O que fazem flores no meu Outono? Pois, é… Flores simples, ignorantes que não devam florir nesta estação outonal, surgem despudoradamente nos recantos mais inesperados. Como à margem de nossas calçadas mal cuidadas. Afinal, por dádiva de um País Tropical, temos cores em tempos acinzentados…


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Sois sol…

Época nebulosa, é comum o sol brincar de esconde-esconde em dias indecisos, de quatro estações em poucas horas. É só esperar para encontrar horizontes-contrapontos que aludem a quadros de pintores iniciantes. Volto à infância, quando vivia a decorar papéis com as mesmas cenas que se repetem de manhãs às tardes, antes e depois das chuvas.


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The Beatles In The Couch…

Por vezes, a passar pelas calçadas de Sampa, encontramos recantos. Foi o que aconteceu nesta semana quando, na região da Paulista, em um anoitecer recém-lavado, encontramos Mar de Livros – Sebo-Brechó-Discoteca – ponto de encontro gostoso forrado com itens de colecionador e livraria. Lá, até os Beatles encontramos no sofá… Após uma reunião, eu e Lunna, um escritor e a editora-escritora da Scenarium, experimentaram momentos de descontração, risos e descobertas. Aconteceu neste Outono, o que por si só, já o torna muito especial.

PROJETO FOTOGRÁFICO 6 ON 6 | OUTONO

EDITORA SCENARIUM PLURAL

COM A PARTICIPAÇÃO DE Mariana GouveiaLunna GuedesMaria Vitoria