23 / 01 / 2025 / Mister T. E As Indicações Ao Oscar

Como se fora um roteiro de um filme nonsense, um sujeito com todos os predicados de um clown, assumiu a cadeira mais visada do planeta Terra. Está deixando gradativamente de ser a mais importante e, com a sua posse, ingressará num período de decadência “moral” — parte da Filosofia que trata dos costumes, dos deveres e do modo de proceder dos homens nas relações com seus semelhantes — muito pela influência pernóstica que o “líder” da nação dá como exemplo comportamental. Único presidente americano a tomar posse tendo uma condenação na Justiça, tripudia da Lei libertando aqueles que tentaram impedir a nomeação do eleito em 2020, invadindo o Congresso Americano. Seis pessoas morreram e dezenas ficaram feridas.

Fazendo um discurso que prima pelas palavras ditas com a calma de um canibal prestes a devorar a sua vítima, enumerou as decisões que agridem a dignidade humana de um País que se desenvolveu através da imigração de povos de todas as latitudes. O viés Supremacista de sua fala destoa da tradição de uma nação que foi à guerra contra os nazifascistas que agora ocupam vários cargos na alta administração americana. Antigos aliados europeus já se preparam para se oporem à ameaça de uma radicalização baseada na extemporaneidade de um homem pequeno mas poderoso e que, por isso mesmo, é mais perigoso.

Eu achei ridícula a expressão “as outra nações terão inveja de nosso país”. Por mais que eu admire a pujança dos EUA, a eleição de um tipo desqualificado como o homenzinho-cenoura os deixam menores. Há setores que resistirão ao avanço da agenda neofascista, como os artísticos. As indicações de alguns dos filmes ao Oscar demonstra a opção por divergir de falas como “a partir de agora, só existirá ‘homem’ e ‘mulher'” — “Emilia Perez” (França), está aí para afrontar a diretiva tacanha. “Ainda Estou Aqui” (Brasil), que explicita as consequências da Ditadura na vida das pessoas, alterando as mais simples atividades, sonhos e percursos de uma família pareceu indicar claramente a sua nomeação como peça de resistência. Os decretos do Mister T. serão contestados, como já estão sendo pela Justiça, já que ofendem a Constituição e agridem os códigos tradicionais do País.

Um recuo óbvio que realizou foi não taxar os produtos importados, já que causaria inflação de forma imediata. Bem se percebe que ao ser eleito, o sujeito cria que estava sendo entronizado, como se Imperador fosse. O seu gestual e sua falta de habilidade para lhe dar com contrariedades, o torna uma figura fácil de ser ridicularizada. Mas assim como o personagem de “It“, é um monstro. Teremos que conviver com essa ameaça por pelo menos mais quatro anos ou mais, lembrando que o efeito da condução semelhante de um tipo de mesma (falta de) visão aqui no Brasil, trouxeram repercussões que ainda reverberarão por mais de uma década.

Sou Argentina Desde Criancinha

No final dos Anos 60, Dona Madalena e seus três filhos – entre eles, eu – fomos parar em Posadas, capital da Província de Missiones, Argentina. Lá, morava a minha avó paterna, Dona Dora Parodi, que abrigava o meu pai, ativista refugiado do Partido Comunista Paraguaio. No Brasil, estávamos em plena atividade da Operação Condor, que reunia os países dominados por ditaduras de Direita que, coordenados pelo Governo dos Estados Unidos da América, perseguiam, prendiam, torturavam e/ou matavam os seus opositores.

Eu tinha 5 para 6 anos e fui jogado com meus irmãos dois e quatro anos ao meio de uma realidade da qual guardo várias lembranças. Em São Paulo, apesar de pobres, tínhamos uma estrutura razoável. Em Missiones, no norte do país platino, no contexto da região da Tríplice Fronteira – também formado por Paraguai e Uruguai – começamos a utilizar expedientes que nos acostumaríamos mais tarde, quando voltamos para o Brasil: tomar banho de canequinha, usar água guardada em bacias, restrição alimentar. Mas isso é outra história…

Tive muito contato com os filhos de uma moça de origem indígena, assim como o meu pai. A passagem mais marcante ocorreu num Natal em que recebi um cofrinho de plástico em forma de Papai Noel. Hoje, eu sei que foi algo dado com muito carinho. Afinal, aquele pessoal mal tinha dinheiro para comer. Mas eu era uma criança e lá percebei o quanto el pibes eram muito valorizados. Mesmo as famílias mais humildes faziam festinhas para comemorarem os aniversários de seus filhos.

Ficamos cerca de oito meses por lá. Estudando, me dei conta que a nossa volta para cá coincidiu com o golpe militar na Argentina, em 1966, que instaurou um regime de exceção aos moldes do brasileiro, porém mais violento, em um estado de sítio permanente. Retornamos quando se iniciava a minha idade escolar. Na escola, falava espanhol, usava poncho como vestimenta no Inverno e me sentia olhado com desconfiada curiosidade pelos coleguinhas, como se fosse um bicho estranho. Mesmo novo, tinha adotado os cabelos compridos como marca. Ou seja, eu era um pequeno argentino em Sampa.

Esse laço com a Argentina foi se estreitando ao longo das viagens que fazia para visitar a minha avó, até seu falecimento. Inclusive, acabamos, minha irmã e eu, por sermos escolhidos como padriños de nuestro hijado, Luís Sosa, filho de uma amiga da família. Eu, jovem rapaz, caminhava pelas ruas de Posadas e me admirava ao ver en la calles, los niño jugando fútbol. Impressionado com o estilo de toques e deslocamentos rápidos do “toca y mi voy”, percebi a razão da dificuldade do meu São Paulo em vencer os times argentinos na Libertadores da América.

O País Argentina, institucional, tem os seus problemas, mas ao conhecer o povo, sei que merece um alívio no seu sofrimento. Assim como os brasileiros, açoitados pela péssima escolha de um governante que surfou na onda do Negacionismo e de medidas que demonstraram que boa parte de sua população possui uma postura elitista, totalmente avessa à nossa formação multicultural e multirracial. É como se quiséssemos fugir de nossa gênese. Ao mesmo tempo que chamamos de “Menino” o maior ídolo no futebol, nota-se a nossa tendência em absolvê-lo por sua conduta ética dúbia. Enquanto Messi demonstra garra e vontade aos 35 anos, o outro, aos 30 se sente exaurido. Na minha ótica, isso tem mais a ver certa frustração vaidosa. A mesma que um garoto adota ao não querer mais brincar quando não consegue ganhar dos adversários.

Messi deixou de vencer quatro Copas do Mundo. Isso o impediu de tentar novamente? Não! Com certeza, as decepções o tornaram mais aguerrido. Deixar de torcer pelo time do país vizinho de nuestros hermanos argentinos, demonstraria apenas que somos um povo ressentido que, ao não vencer, prefere que o irmão também perca.

Do outro lado, enfrentará um time oriundo de um país com tradição colonial, mas que incorporou ao seu time jogadores de origens diversas, como o craque Mbappé, filho de um camaronês e uma argelina – africanos – o que ajudou a dinamizar o futebol francês. É como se houvesse um processo que aliou a técnica de atletas de origem imigrante com o apuro tático europeu.  Aliás, mais da metade da equipe francesa era composta por descendentes de países colonizados ao final do jogo contra Marrocos. Eu acredito imensamente na assimilação cultural como saída para a convivência entre os povos. Seja pelo Esporte, pela Arte, pela criatividade, enfim.

Ainda que na Argentina o perfil racial seja menos ou quase nada misturado, como um ou outro de origem originária, torcerei pela agremiação sul-americana. Porém, como aconteceu quando a seleção brasileira jogou, não investirei minha emoção fátua na vitória de qualquer um dos dois. Serei um privilegiado expectador do drama. Ao final de tudo, tudo é uma questão de mérito prático – quem fizer mais gols, vencerá – e a minha vida não mudará por causa disso.