Hoje, estive em São José dos Campos. Ao sair do apartamento do meu cunhado, me deparei com a placa da Rua das Sensitivas. Quase que imediatamente pensei, “como são quase todas as mulheres”. Sim, porque durante milhares de anos de dominação pelo Patriarcado, o gênero feminino desenvolveu a intuição de modo eficaz como se fosse um sexto sentido para se antecipar às mais diversas situações em que ficariam em perigo somente por estarem na hora errada no lugar errado ou para saber sem maiores provas factuais que algo aconteceu. Questão de sobrevivência.
Atualmente vivemos uma epidemia de feminicídios. Por mais que existam mecanismos de proteção, a situação de violência contra as mulheres tem escalado para padrões absurdos. Sou pai de três moças que namoram ou moram juntos com companheiros. Sempre respeitei as suas escolhas. Eu as estimulei que se emancipassem e alcançasse os seus lugares de desejo. Mas quando uma delas desenvolveu um relacionamento de brigas constantes, resolvi intervir, mesmo porque viviam no recesso do nosso lar. Ela, de início, não gostou dessa intervenção. Mais tarde, constatou que a minha atitude foi de proteção e ainda que não me falasse algo à respeito, sei que me “perdoou” pela intervenção.
O que eu desejo é que esses seres superiores possam utilizar a sensitividade desenvolvida em milhares de anos no caminho do autoconhecimento para finalmente ocuparem o seu lugar no mundo — o de substituir o gênero masculino como protagonistas dos novos tempos.
Garoto, há um pouco mais de 50 anos, íamos pela principal avenida da Vila Nova Cachoeirinha — Deputado Emílio Carlos— em direção à Barra Funda, onde eu estudava na Canuto do Val e meus irmãos, ainda antes dos 6 anos, ficavam no Parque Infantil Mário de Andrade. Depois, eu também era levado para o Mário de Andrade e lá passava o resto do dia, até nossa mãe vir nos buscar depois do trabalho. Projeto educacional dos Anos 30 implementado pelo mesmo Mario de Andrade que o nomeia, o então Secretário da Educação acreditava num ensino abrangente em tempo e profundidade — alfabetização, teatro, música, artes plásticas, esportes e jogos-brincadeiras.
Na ida e na volta, passávamos pelo Monkey’s Motel e curioso como sou até hoje, minha mãe não sabia o que responder quando lhe perguntava o que representava os três macaquinhos e o que era aquele lugar com uma entrada tão atraente, uma espécie de boca de caverna pela qual se adentrava em um mundo novo e divertido. Então, a nossa região era isolada e o asfalto era raro, exceção feita a da “Deputado” desde o Largo do Japonês. Quase à mesma época, começou a construção do Hospital Maternidade Escola de Vila Nova Cachoeirinha, com uma concepção futurista para a época. A distância dos dois estabelecimentos não era grande, cerca de trezentos metros. A região parecia progredir. O antigo estábulo no Largo deu lugar a uma construção que abrigou mais tarde um banco e o asfalto começava a chegar a algumas ruas abaixo, incluindo a minha. Nessa época, vivia dias de emoção descendo com carrinhos de rolimã por ela desde a atual Avenida Ministro Lins de Barros. Apesar do perigo das quedas, que não eram poucas, havia mais segurança, já que circulavam poucos carros e as carroças em maior número eram lentas. Como dado adicional para comprovar que a vida era outra, as entregas de leite, frutas, legumes e verduras eram feitas antes da abertura dos estabelecimentos comerciais, mas ninguém tocava nos produtos.
Por meu turno, continuava com a minha ingenuidade à flor da pele. Porém, cheguei à adolescência sabendo do que se tratava um motel (da maneira que é utilizada essa denominação no Brasil) — um lugar de encontros sexuais. Ficava imaginando a razão das pessoas irem a esse estabelecimento a não ser pelo fato de encontrar condições mais favoráveis do que teriam em casa. Até que a “revelação” de que ali não somente pessoas com “laços oficiais” praticavam o sexo. Normalmente, com a aparência de algo proibido, de fato, a grandíssima maioria que frequentava o Monkey’s não eram casados, a não ser com outras pessoas. Se consideram que a minha inocência fosse incomensurável, concordo. Tinha uma visão romântica da vida e o meu senso do certo e do errado era totalmente irreal. Mais tarde, entendi o que os três macaquinhos queriam demonstrar: que ali, quem entrasse, teria a sua intimidade preservada — nada seria visto, ouvido ou dito — sobre os encontros que testemunhassem.
No entanto, na tradição da sabedoria budista, os três macaquinhos representam características comportamentais exemplares que nos levariam à elevação de caráter. Iwazaru, o que tapa a boca, significaria “não falar o mal”. O que cobre os olhos, Mizaru, expressaria: “não ver o mal”. E Kikazaru, o que tapa os ouvidos, revelaria que deveríamos “não ouvir o mal”. Que nossa boca jamais fale o que possa prejudicar os outros. Que meus olhos nunca vejam nada além das boas intenções. Que jamais possamos dar ouvidos ao que atente contra a nobreza espiritual. De uma forma um tanto enviesada, mas totalmente afeita às características sociais de nossa civilização, os macaquinhos se prestam às nossas contradições, carregadas de regras religiosas e normas de conduta morais que engessam a manifestação da liberdade da pulsão mais poderosa que carregamos — a sexual ou libido — enquanto quase que diariamente é estimulada a pulsão agressiva em nossas atividades formais para “vencermos na vida”. O outro, em vez de ser a possibilidade de um encontro amoroso, é considerado um inimigo em potencial.
Essa característica de algo que passeia por nossas questões psicológicas, desejos e fantasias, se estendem a nomes de vários motéis: Álibi, Obsessão, Delírio’s, Êxtase, Frenesi, Romance, Éden, Feitiço, Fuego, Secreto Amor, Sigilus, Paixão, Sonhos, C Q Sabe, Devaneio, Libidus, Paraíso, Sedução, Nirvana, Planeta Sex, Swing, Posições, Yes Bumbum. De fato, quem vai a um motel dificilmente será para fazer outra coisa que não seja a prática de sexo. As modalidades variam, o número de participantes, assim como os gêneros envolvidos. O motel é um local de celebração da vida. Para corroborar o quanto se identificava com a cidade, nos últimos anos, um mural homenageava monumentos paulistanos. No Monkey’s, eu nunca fui e nunca irei. O imóvel está sendo demolido. Em seu lugar, surgirá um condomínio residencial. Com o tempo, o local que ficava num ponto afastado da cidade, tornou-se cercado de farmácias, supermercados, um outro condomínio, residências de bairro. Foi perdida a sua natureza reclusa. Ficará em minha memória o encantamento infantil com os macaquinhos, a estranheza adolescente da descoberta de seu caráter proibido e sua posição social de atividade adulta.
No mural, se lê: “Motel Monkey’s dedica esta obra à cidade de São Paulo“