28 / 04 / 2025 / BEDA / Ensaio

A postagem acima eu fiz em abril de 2020. Havia percebido que o projeto do grupo que assumira o poder no País era de desmontar todos os mecanismos de controle e fiscalização de governo para dominar cabalmente todo o processo de gestão do que estavam dispostos a fazer — destruir o Brasil para poder recuperá-lo nos termos que acreditavam ser o ideal — manietado pela Extrema-Direita que estipulava essa agenda e cria que sendo um país do Terceiro Mundo, tudo seria mais fácil, principalmente dado o nosso histórico ditatorial ligado às Forças Armadas.

Sabemos que não aconteceu da maneira que preconizaram, mesmo porque algumas condições e pessoas concorreram para que os planos “dessem com os burros n’água”. Essa expressão vêm bem a calhar, já que burros não faltaram nessa história. Hoje percebemos claramente que assumir o poder no Brasil seria apenas um ensaio para o que estava por vir com a chegada do Homem-Cenoura ao poder do Estado mais poderoso do mundo. Os EUA estão numa encruzilhada porque conta com um time composto por homens bilionários que apenas conseguem ver ativos lucrativos em vez de gente sendo prejudicada. Pode parecer simplista, mas é como esses seres, aos quais chamo de ultra-brancos, atuam. A cada grupo de pessoas que sofrem catástrofes pessoais, eles chamam de efeitos colaterais dispensáveis ou até, eu diria, desejáveis para tornar o jogo mais “atraente e divertido”. São seres frios e calculistas que não se importam com aqueles que não lhes alcançam, a não ser para servi-los.

Eles acreditam em regras rígidas, tendo a opressão como meio de dominação. A religião tem um poderoso papel auxiliar nesse processo, principalmente para acalmar o desejo de progresso material e ideais divergentes, visto que isso não ajuda a manter a massa alienada. Eu pessoalmente acredito na transcendência do ser humano, mas o que acontece com as religiões conservadoras (até, reacionárias) é que existe um mecanismo de adequação aos preceitos capitalistas, nada espirituais. Os ultra-brancos pretendem avançar na destruição do arcabouço sob o qual funcionou a Economia nestas últimas décadas, o que só favoreceu à China que soube jogar o jogo de forma exemplar, desenvolvendo um sistema de Capitalismo de Estado eficiente e atuante, com resultados muito acima do que se poderia esperar.

Os EUA perderam o bonde da História em seu próprio campo de atuação, no qual cria que fosse invencível. Agora, em seu comando temos um homem tão despreparado quando foi o nosso para obter os resultados que supunha alcançar através de suas ações e omissões. Mas como o mundo dá voltas e tudo pode mudar. Quem está à frente da empreitada tem recursos absurdos e supostamente inteligência, ainda que “artificial”, para reverter o curso que tem se apresentado — falho e incoerente com o desenvolvimento equilibrado das relações internacionais — para azar das próximas gerações de seres de todas as espécies do planeta, incluindo o próprio lugar onde vivemos.

BEDA / Cadeados Invisíveis

“Nenhuma das chaves que possuía podia decifrar os segredos dos [invisíveis] cadeados”, por Flávia Côrtes, em As Estações

o que queremos nem sempre é o que queremos
muitos são desejos que queiramos que os queiramos
outros são quereres emprestados de gerações mortas
estamos vivos desejando nos libertarmos de tantas demandas
são fôrmas externas que nos modelam desde tempos imemoriais
violência contra os nossos corações imaturos
vá por esse caminho de destino conhecido ficará a salvo
me salvará de que?
se quero experimentar o caminho tortuoso da indecisão e do inesperado?
estabilidade sensaboria insensibilidade 
sem uma dor para chamar de minha?
perderá tempo oportunidades se perderão…
perdição é o que eu quero se não gosto do que espero
e o que esperam de mim…
há quem queira decifrar segredos de cadeados atados a ferrolhos pesados
quero o impossível decifrar códigos 
de  invisíveis cadeados de querências sem fim
ir pelas manhãs de cidades fantasmas
adentrar por portas sem batentes seguir por portais
para o outro lado de muitos mundos
invadir campos não explorados
e não cercados de horizontes marcados
lusco-fusco de meu olhar atravessado e profano
quando quero chegar não existe resiste
é o quanto desejo me aprofundar 
me aproximar do âmago
do nada redentor e definitivo
estarei morto e feliz a sentir que não tenho fronteira
apenas um estado de nenhuma beira…

Foto por Mayumi Maciel em Pexels.com

Participação: Lunna Guedes Mariana Gouveia / Claudia Leonardi Roseli Pedroso / Bob F.

Projeto Fotográfico 6 On 6 / Ho Ho Ho / Presentes De Natal

A Tânia me avisou que estaria para chegar uma entrega. Um presente mim. Disse que não precisava. Ela retrucou que já seria o presente de Natal. Essa informação me fez lembrar da proximidade da data, enquanto tentava realizar as tarefas comezinhas do cotidiano varrer, passar pano no chão, lavar a louça, recolher a roupa no varal. Por ter que ficar atento às chamadas no portão, com a campainha quebrada, as peludas me ajudariam no alarme com os seus latidos. Quando o entregador chegou, estava resolvendo questões de trabalho ao telefone. Recebi o pacote, ao qual achei muito leve, o deixei sobre a mesa da sala de jantar e voltei minha atenção para o que eu estava fazendo. Mais tarde, a própria presenteadora abriu a embalagem e começou a montar o artefato. Bem, pensei, é um presente para mim e para a casa. Naquele momento, me senti como a dona-de-casa de antigamente em que o marido diz que lhe fará um regalo. Enquanto esperava que fosse uma bolsa ou vestido, recebia uma panela de pressão. Quando mencionei o fato, rindo, ela disse que o meu presente chegaria outro dia. Mas não deixou de relatar o episódio para as meninas e é óbvio que virei motivo de brincadeiras na família. Entres risos francos, disseram que aquilo seria uma espécie de pequeno reparo histórico contra a dominação do sistema patriarcal imposto às mulheres.  

Finalmente chegou o presente da Tânia. De fato, presentes — três lindos pares de calçados. Eu tenho mais sapatos do que costumo usar por dois motivos. O primeiro, porque elejo favoritos e costumo passar temporadas com eles, muito mais pelo conforto do que pela beleza. O segundo, porque costumo usá-los até o limite. Recentemente, relatei o episódio do estouro do solado de um dos pares em pleno Centro. Se houvesse uma terceira razão, teria a ver com o meu passado de garoto pobre que durante muito tempo teve um par de conguinhas, um par de sapatos para sair e um par de chinelos. Ter sapatos em demasia me deixa um tanto acabrunhado, como se não devesse… Porém, casado, com filhas que gostam me ver mais estiloso, tenho aberto mão dessa sensação para não ser eu as acabrunhar.

A minha mãe adorava o Natal. Mesmo na época das vacas magras, fazia questão de montar o presépio e a árvore, com os devidos enfeites. O velho presépio até hoje pontua em minha lembrança. Colocávamos sobre um espelho sem moldura, a grama (papel verde), terra para fazer o caminho, demarcado com pedrinhas que pegávamos no quintal. Armávamos o estábulo, colocávamos a manjedoura com o menino Jesus, uma vaquinha junto a ela, para aquecê-lo com a sua respiração. José, de um lado, Maria, de outro. Os carneiros espelhados pelo campo e os Três Reis Magos à entrada do lugar sagrado. Perto do estábulo, corria um rio que serpenteava a região. A água era referenciada pelo efeito causado pela parte do espelho descoberto. O presépio, seguindo a tradição hispânica. era desmontado apenas no Dia de Reis, quando as crianças recebiam os presentes trazidos pelos magos reais. Com o tempo e a massiva propaganda comercial, o Natal passou a ser esse dia.

Outra coisa que a Dona Madalena adorava era a ceia de Natal. Mulher que sabia aglutinar pessoas ao seu redor, a casa até nos dias mais precários, estava sempre de gente. Só fico a imaginar como ela conseguia, sem dinheiro, fazer essas reuniões. Suponho que os irmãos, em melhor situação financeira, deviam ajudá-la. Essa fase difícil se devia a ausência de meu pai, perseguido pela repressão da Ditadura, passando longas temporadas sem paradeiro definido. Até ser finalmente preso. Quando saiu, passou a trabalhar em empregos fixos, normalmente como almoxarife ou porteiro. Mas após algum tempo, foi embora de casa. Passando a administrador da herança deixada pela esposa de seu pai, escolheu ajudar nas despesas, como se pagasse uma pensão, ainda que não oficialmente separado da minha mãe. Foi uma época de estabilidade, como deixa transparecer a imagem ao lado dos seus três filhos diante da mesa farta. Nela, demonstra a alegria da menina que superou as agruras da Segunda Guerra Mundial, a perseguição política, as dúvidas quanto ao futuro dos filhos, a felicidade de ter netos. Esse sorriso era o meu melhor presente.

Sei que meus tios nos davam presentes de Natal. Não me lembro quem deu o que, mas tive miniaturas de soldados de plásticos, com jipes e caminhões que viviam em guerra, sem que ninguém realmente morresse. Tive também um carrinho de bombeiro em que a escada magirus se erguia. Com ela, salvei muita gente de morrer queimada. Eu me lembro de ter recebido de presente uma via férrea (de plástico) com trenzinhos com locomotivas e vagões, e uma estação. Viajei muito neles. Mas o que lembro de ter marcado minha infância (e foi a minha mãe que comprou) foram os blocos de madeira de montar castelinhos antigos. Variava as posições, criava caminhos e construía obstáculos. Principalmente, criei muitas histórias que envolviam as cercanias, os muros, as torres, as janelas fechadas, as passagens secretas. A imaginação sempre foi o meu maior brinquedo.

Eu vi passar uma família típica destas paragens periféricas — avó, filha com um neto pequeno no colo, uma mocinha e um adolescente junto a elas, em escala de cores de pele da mais claras a mais escura, a do mocinho. Em dado momento, o menino pegou um folheto de supermercado no chão. A senhora mais velha pediu para que deixasse onde estava e ele respondeu que queria ler. Eu, na idade dele e mesmo antes, lia tudo que caísse em minhas mãos, incluindo bulas de remédio, latas de manteiga, propagandas de lojas e cartões de apresentação. Papéis iguais ao dele estavam para dentro do meu portão. Nele, eram mostradas imagens de vários tipos de carne de um lado, falando sobre a promoção do açougue e do outro, ofertas de produtos diversos — de produtos de limpeza a utensílios. Isso me mortificou. Os preços estavam totalmente fora de alcance da humilde família. Fiquei a imaginar que nesta época em que se comemora o nascimento de um menino que veio para modificar a perspectiva de um mundo sem saída para um outro com esperança de uma nova vida para os desalentados, sua palavra desvirtuada redundou em indiferença, desilusão e injustiça social. Tudo fica pior quando aquele que proclama ser terrivelmente evangélico é o que mais subverte o Evangelho. Será um triste Natal nesta segunda edição de 2020, conhecido como 2021. Um erro que cometemos como povo, levará anos para ser revertido. Nosso Presente para as futuras gerações.

Lunna Guedes / Mariana Gouveia / Roseli Pedroso

Clubes De Leitura

Em outra vida, antes do advento da Pandemia de Covid-19, Lunna Guedes, editora da Scenarium, convidou algumas pessoas para montar um grupo que se dispusesse reunir uma vez por mês para debater sobre um livro proposto por ela um clube de leitura. Uma das obras indicada por ela foi “O Clube De Leitura De Jane Austen”, de Karen Joy Fowler, sucesso de vendagem em todo mundo e que acabou por gerar um filme do mesmo nome, também muito bem aceito.

A trama, que se passa na Califórnia, começa quando Jocelyn, uma criadora de cães da raça Leão da Rodésia, decide montar um clube de leitura para discutir as obras de Jane Austen. Ela escolhe a dedo os integrantes: Sylvia, sua melhor amiga desde quando as duas tinham 11 anos; Allegra, filha de Sylvia; Prudie, professora de francês na escola local; a falante Bernadette, conhecida por ter se casado várias vezes; e Grigg, o único homem autorizado a participar.

Ao longo de seis meses, o grupo se reúne para conversar sobre um livro de Jane Austen de cada vez. Eles começam na casa de Jocelyn, com “Emma”; passam para “Razão e sensibilidade”, escolha de Allegra; emendam em “Mansfield Park”, por sugestão de Prudie; se encontram na casa de Grigg para comentar “A abadia de Northanger”; debatem “Orgulho e preconceito” enquanto escutam Bernadette; e encerram com “Persuasão”, voltando à residência de Sylvia.

Enquanto mergulha no universo de Jane Austen, o sexteto vive suas próprias histórias. Os leitores acompanham dramas como o divórcio de Sylvia, a morte da mãe de Prudie e o rompimento do namoro de Allegra. Mas nem tudo é tristeza: as irmãs mais velhas de Grigg dão uma ajuda para que ele se aproxime de sua paixão secreta; Bernadette encontra um novo marido e Jocelyn tem a chance de redescobrir o amor.

A condução da trama se faz na terceira pessoa, a qual não consegui identificar, como se qualquer um dos participantes do clube pudesse ser o narrador. Ou como se cada um deles assumisse a narração a cada etapa das leituras das obras de Jane Austen, que permeia os acontecimentos em paralelismos com a vida das personagens. A escrita dos livros da mulher que viveu na passagem do Século XVIII para o XIX, tem sido cada vez mais incensada como atemporal, apesar das tramas se passarem duzentos anos antes. A fina ironia com a qual construiu suas narrativas a fez crescer aos olhos de críticos e estudiosos ao longo do tempo, além de atrair leitores aficionados.

Não apenas por lembrá-la, mas também por me fazer lembrar de uma época em que podíamos circular, aprender, congregar, conversar, abraçar pessoas e conhecimento, escolhi “O Clube De Leitura De Jane Austen”. As épocas mudam, porém certas circunstâncias são similares, não importa se estamos nos séculos XVIII ou XXI. Atualmente, neste quadrante, estamos segregados a pequenos grupos, normalmente familiares. Assim como Jane Austen conviveu em um círculo restrito de pessoas, prioritariamente familiares. Poucos conseguiriam criar, como a escritora inglesa o fez, algo que se firmasse tão ostensivamente bom com tão poucos detalhes à disposição. Ela passeia pela alma humana, ao mesmo tempo que brinca com as estruturas comportamentais de sua época, ultrapassando gerações.

Estou com saudade de um clube de leitura que tenha pessoas ao meu redor e não apenas pela tela de um computador…

Texto participante das postagens de Interative-se, com a participação de

Alê Helga / Roseli Pedroso / Mariana Gouveia / Lunna Gouveia / Isabelle Brum

Dias Piores Virão… *

Um dia, em 2016…

“Cheguei em casa do trabalho por volta da meia-noite. Esperei pelo noticiário para tentar entender o que estava acontecendo em nosso País. Corrupção pública e privada, crimes contra as pessoas, instituições falidas. Tentava entender porque a Bolsa, que estava em alta, com o dólar em baixa, no dia anterior, hoje (ontem, amanhã) reverteram as expectativas e os sentidos… Manipulação do mercado financeiro? O povo que se dane?

Dois dos meus sentidos deviam estar me enganando!… Mais e mais, senti o meu corpo afundar no sofá com o peso das informações… Não é caso de desvalidar os veículos de comunicação que as veiculam. Não se trata de matar os mensageiros apenas porque nos dão notícias ruins. Mas sim entender porque nós nos colocamos, como povo, nessa situação sem sentido e, aparentemente, sem uma solução ‘honesta’.

Para qualquer lado que formos, que Deus nos ajude!”

*Neste texto de 2016, se já prefigurava o resultado de um jogo perigoso iniciado dois ou três anos antes em que se estabeleceu a premissa de César, general e imperador romano, milhares de anos antes — dividir para dominar — estimulada por agentes políticos interessados em governar sobre os despojos resultantes. Essa cisão acabou em resultar no atual estado de penúria institucional e ética, somada à uma crise sanitária que nos marcará por gerações ou talvez nem tanto, dada a incapacidade do povo brasileiro de se lembrar sequer o que aconteceu no verão anterior. Isso não é sinal de cura, porém de incúria.