BEDA / Quem Sou Eu Em Você

eu não gosto muito de mim isoladamente
mas quando estou consigo eu me amo em você
sou tão poderoso sou deus que busco
voltar à intimidade da criação
do início da vida explosão
que átomo a átomo abraço em seus braços
entrego a mim redivivo e me sinto homens
tantos que escapam ao domínio do medo
que teria o poder de amar suas mulheres
noites e dias tardes e alvoreceres
de continentes apartados pelos mares
tornar-me força única uma só ideia
toque particularizado em seu corpo
um planeta unido pantalassa-pangeia
renascido como quando a amei pela primeira vez
imenso e pequeno amado e intocável
diante de tanta infinitesimal grandeza
à luz da vida quando se expressa em choro
o som do universo exteriorizado
para dentro de meu peito inacabável
o fim é buscar o começo à procura do beijo
sugar a mama entranhar-se suar beber o sumo
línguas gemidos grunhidos urros falas e falo
faço vibrar preencho de sangue veias
que se aquecem
em ondas até verterem lágrimas leite e mel
sementes derramadas em solo impermanente
entre lábios nuvens dobras lençóis fronhas águas e areias.

Foto por cottonbro em Pexels.com

Participam do BEDA: Mariana Gouveia / Lunna Guedes / Roseli Pedroso / Suzana Martins / Darlene Regina

BEDA / Se Eu Já Me Relacionei Com Mulheres?

Se eu já me relacionei com mulheres?

Sim, mas não tão profundamente quanto gostaria, por minha própria incapacidade de alcançá-las. A mulheres são seres multidimensionais e multifuncionais. Nada da simplicidade do pobre homem, que jamais compreenderá o que é ser uma mulher. Resta-nos admirá-las, ajudá-las no que puder ou temê-las como tantos que quase sempre reagem com raiva e frustração por tamanho poder.

Não é por outro motivo que estes últimos prefiram agredi-las. Ou até matá-las. Eu me relacionei com a mulher que me gerou e me amou durante cinquenta anos. Eu me relaciono com a mulher a qual me entreguei pela primeira vez, com a que gerou as minhas filhas e que esteve comigo durante os últimos trinta e quatro anos… Ainda assim, ela não me deixa de me surpreender. Assim como as “minhas” filhas.

Eu me relacionei com a alma da mulher nos momentos de medo e de tensão, nos momentos de alegria e tesão, de afeto e medo, empatia e rejeição… Gosto de conversar com a sua mente e o seu corpo, porém na intimidade são os olhos que me seduzem ao dizerem “sim!”. E ainda que a boca venha a contestar o que expressam, respeitarei se ela disser “não!”.

Não me sinto enganado, mas sim estimulado em compreender esse jogo de opostos, apenas um pequeno exemplo de como o relacionamento com a mulher é enriquecedor, já que se constitui no mais delicado e próximo no contexto mais usual de um homem e uma mulher – o amoroso.

Ao respeitar as mulheres, gênero que os homens tradicionalmente alcunharam de frágil – talvez para fazê-las crerem nisso – essa consideração se espraia para as relações humanas em todas as suas estâncias, incluindo os grupos minoritários que são relegados à marginalidade social por não se posicionarem dentro das raias que deveriam correr de acordo com o sistema Patriarcal.

Por esses e outros tantos motivos, por ter exemplos desde pequeno da demonstração da grandeza que as mulheres detêm, eu as amo e me sinto um homem enriquecido por amá-las.

Participam do BEDA: Lunna Guedes / Alê Helga / Mariana Gouveia / Cláudia Leonardi / Darlene Regina

Algo Diferente

ALGO DIFERENTE

Cartazes em muros anunciavam-perguntavam – “QUER COMER E VIVER ALGO DIFERENTE?” – a respeito de um evento em um centro de convenções e feiras. Como a palavra “ALGO” estava um tanto encoberta, na primeira vez que a li experimentei certo estranhamento. Querer viver e comer (algo) diferente tem um forte apelo a muitos insatisfeitos com a sua própria existência. Comer poderá nos transportar para tempos findos ou acrescentar sensações novidadeiras. Pelo paladar, olfato e tato, para além do simples olhar, viajamos para fora do corpo, o que se espera muito mais do que meramente viver.

Obviamente, ao se tratar de um enunciado promocional-comercial, conhecer novos sabores e viver outras possibilidades de vida devem se restringir aos limites do aceitável, devidamente controlados para que o desejo não mate o desejoso-consumidor. É o que esperamos quando vamos ao parque de diversões para voltearmos em montanhas-russas, adentramos às casas de espelhos, viajamos pelos trens-fantasmas e romanceamos em rodas-gigantes.

Após a sensação de vertigem, brincadeiras com a nossa aparência e sustos provocados pelas ameaças fictícias proporcionados pelos elementos de horror – distorção e escuridão – reinventamos o círculo da vida, saímos sorridentes e voltamos aliviados à rotina diária de nossa labuta pela sobrevivência, essa, sim, plena de situações que nos deixam verdadeiramente descompensados.

A fuga da realidade é um programa tão atraente que a arte do entretenimento a tornou um importante vertente de sua produção. Consumimos artigos aprimorados para nos distrair do comezinho dos dias e nos afastarmos de nossas limitações e precariedades. Quando travestido de arte engajada, a diversão acresce-se de um poder sedutor que aplaca nossa eventual vergonha pelas injustiças sociais por nos sentirmos bem em meio ao caos.

Estímulos exteriores-sensoriais são habilmente utilizados para despistar os nossos sentidos de estarmos onde estamos e de fazermos o que fazemos. O deslocamento de si depende da profundidade dos efeitos exteriores ou do quanto a pessoa se deixa seduzir pela experiência de deixar-se sem ir. O grande deslocamento se dá quando chegamos a acreditar que não somos quem somos.

Por outro lado, há movimentos que tentam nos colocar diante de nós mesmos, nos enfrentarmos até vencermo-nos para alcançarmos a verdadeira e fundamental mudança. Para tanto, devemos navegar contra a corrente para buscarmos o caminho da autoconsciência, o que implicará em deixarmos de dar importância a certos valores. Custará caro: abandonar o que é supérfluo. O grandioso ato de coragem – nos desnudarmos e nos darmos – nos coloca em grande perigo de extinção… do ego.

Enquanto não damos o grande passo, podemos recorrer aos joguinhos momentâneos que nos distrairão de nossa grandeza e nos farão esquecer de nossa verdadeira natureza…