
Cartazes em muros anunciavam-perguntavam – “QUER COMER E VIVER ALGO DIFERENTE?” – a respeito de um evento em um centro de convenções e feiras. Como a palavra “ALGO” estava um tanto encoberta, na primeira vez que a li experimentei certo estranhamento. Querer viver e comer (algo) diferente tem um forte apelo a muitos insatisfeitos com a sua própria existência. Comer poderá nos transportar para tempos findos ou acrescentar sensações novidadeiras. Pelo paladar, olfato e tato, para além do simples olhar, viajamos para fora do corpo, o que se espera muito mais do que meramente viver.
Obviamente, ao se tratar de um enunciado promocional-comercial, conhecer novos sabores e viver outras possibilidades de vida devem se restringir aos limites do aceitável, devidamente controlados para que o desejo não mate o desejoso-consumidor. É o que esperamos quando vamos ao parque de diversões para voltearmos em montanhas-russas, adentramos às casas de espelhos, viajamos pelos trens-fantasmas e romanceamos em rodas-gigantes.
Após a sensação de vertigem, brincadeiras com a nossa aparência e sustos provocados pelas ameaças fictícias proporcionados pelos elementos de horror – distorção e escuridão – reinventamos o círculo da vida, saímos sorridentes e voltamos aliviados à rotina diária de nossa labuta pela sobrevivência, essa, sim, plena de situações que nos deixam verdadeiramente descompensados.
A fuga da realidade é um programa tão atraente que a arte do entretenimento a tornou um importante vertente de sua produção. Consumimos artigos aprimorados para nos distrair do comezinho dos dias e nos afastarmos de nossas limitações e precariedades. Quando travestido de arte engajada, a diversão acresce-se de um poder sedutor que aplaca nossa eventual vergonha pelas injustiças sociais por nos sentirmos bem em meio ao caos.
Estímulos exteriores-sensoriais são habilmente utilizados para despistar os nossos sentidos de estarmos onde estamos e de fazermos o que fazemos. O deslocamento de si depende da profundidade dos efeitos exteriores ou do quanto a pessoa se deixa seduzir pela experiência de deixar-se sem ir. O grande deslocamento se dá quando chegamos a acreditar que não somos quem somos.
Por outro lado, há movimentos que tentam nos colocar diante de nós mesmos, nos enfrentarmos até vencermo-nos para alcançarmos a verdadeira e fundamental mudança. Para tanto, devemos navegar contra a corrente para buscarmos o caminho da autoconsciência, o que implicará em deixarmos de dar importância a certos valores. Custará caro: abandonar o que é supérfluo. O grandioso ato de coragem – nos desnudarmos e nos darmos – nos coloca em grande perigo de extinção… do ego.
Enquanto não damos o grande passo, podemos recorrer aos joguinhos momentâneos que nos distrairão de nossa grandeza e nos farão esquecer de nossa verdadeira natureza…