27 / 08 / 2025 / BEDA / A Aranha Que Roubou A Lua

O Gilson, o rapaz que tem a sensibilidade de encontrar o pai no tom de voz de um desconhecido, deu o mote e logo me senti compelido a criar algo em torno desta foto. Ele, inclusive, sugeriu um título — A Aranha Que Roubou A Lua. Quem compõe ou escreve, sabe que muitas vezes uma canção ou um texto segue certo protocolo e para quem tem as ferramentas, é até fácil construir temas aceitáveis. Mas desde o início, em vez de uma crônica gracinha, chegou a mim os versos que coloco a seguir. A Lua, ainda que roubada, continua a ser poética.

Noite alta…
Ainda não era amanhã…
E, ainda que fosse,
vivo sempre o hoje.
Amanhã é um lugar distante
ao qual nunca chegarei…

Lua em quarto crescente,
o homem, descrente
do amor, a busca
no olhar e a fotografa.

No registro revelado,
uma aranha
arranha
a imagem da penumbra
contra as luzes artificiais.

O ser, inicialmente invisível,
rouba a Lua de seu protagonismo.
Coloca cada elemento, com a sua função.
Nada ocorre à esmo.

A aranha aprisiona
o seu alimento…
A Lua consola
minh’alma…

As Dores Do Mundo*

DORES

Sobre o dia de hoje, 1º de março de 2019 – marcado pela morte por meningite, de Arthur Araújo Lula da Silva, neto do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva – que dividiu, acima das ideologias, as pessoas de boa das de má índole, as cordatas das insensatas. Sinto vergonha dos manipuladores de qualquer lado. O texto a seguir é de 2015*.

“Hoje, acordei parecendo sentir todas as dores do mundo –– as veras e as imaginadas, as graves e as leves, as minhas e as alheias. Passei a manhã recolhendo pelo caminho todos os vexames e as humilhações, as penas e as cenas.

Acordei sentindo a dor do homem que sai sem se despedir da mulher que ama porque ela está em outra cama; a dor de ouvir no noticiário matutino criminosos discursando em nome de cidadãos probos; a dor de caminhar até o ponto de ônibus na expectativa de embarcar no cargueiro de carnes no horário exato; a dor de ver o pai do menino especial que deseja ver o seu filho viver a vida escolar normal, enquanto outras crianças não querem acordar para ir à escola ou, muitas vezes, sequer querem acordar… nunca mais…

Hoje, acordei sentindo a dor de me ver dormindo sob a marquise, cercando a minha intimidade sonolenta por velhos guarda-chuvas, momentaneamente improvisados como paredes do meu quarto; a angústia do cão que passa o dia aguardando a volta de meu humano de estimação que saiu para trabalhar; a amargor dos familiares do homem que saiu para trabalhar para não mais voltar; o martírio do garoto tímido que esperava ver a amada passar, atrasando a sua chegada várias vezes no emprego –– que perderá; a aflição da garota que sabe que o garoto a deseja, mas não revela que aprecia o seu desejo; a inadequação do velho no Metrô que ouve pacientemente as asneiras da moça bem mais nova, a desfiar o seu corolário de dores fátuas, apenas para não se sentir só.

Hoje, acordei sentindo a dor da bela moça que tem todos os sonhos do mundo, mas que não consegue levá-los adiante porque o seu fôlego, que se escasseia, a impedirá. A dor da vida que não completa seu ciclo natural –– do avô que perde o neto, da mãe que perde o filho. Hoje, acordei sentindo que poderia abarcar todas as dores do mundo, as veras e as imaginadas de todos nós. Humano que sou, por elas morrerei um dia…”.