28 / 01 / 2025 / A Farsa E Os Farsantes

Moro no Brasil. Aqui nasci e nunca pensei em daqui sair. Aliás, regionalizando um pouco mais, minha nação é a cidade de São Paulo, onde todas as etnias, crenças, imigrantes, saberes e ausências se juntam para criar essa amalgama de referências que são os paulistanos. Não é estranho que muitos “oriundi” — termo italiano para aqueles que saem da Itália para algum lugar, que aqui generalizo para todos os forasteiros — se tornem mais paulistanos que os aqui nasceram. A minha editora e mentora, Lunna Guedes, é um excelente exemplo. Em nossos encontros, ela me mostra uma São Paulo a qual não teria acesso se não fosse por ela. Incluindo as pessoas, as de “dentro” e as de fora da Scenarium. Quem pertence a esse grupo veio a se tornar a minha tribo.

Como num jogo em que as regras são falseadas, o “grande irmão” do Norte — no poderio de influenciar, criar e destruir — veio a colocar no comando um sujeito desqualificado (se formos utilizar as regras básicas de avaliação), mas que se sente como porco na lama a determinar destinos de multidões. Na terra que um dia foi pulsante pela chegada de estrangeiros em busca de oportunidades e gerou tamanho poder de renovação que durante os últimos 200 anos foi qualificado de maior nação da Terra está, como numa doença autoimune, a rejeitar a sua gênese de existir.

Tirante o fato de ter sido, desde a sua ascensão, um país que se destacasse pela violência e tendência à expansão após se unirem com o fim a Guerra de Secessão — os Estados Unidos da América do Norte — desenvolveram uma “personalidade” impositiva e se arvoraram em defensores da Liberdade, ainda que tivessem que suprimi-la nos lugares que invadissem. O novo Império Romano do Futuro, no entanto se dará conta de que perderam a oportunidade de continuarem a ser “o Farol do Mundo” ao reproduzirem as mesmas linguagens geradoras de revoltas e mazelas.

Amado pelo antigo governante deste País como referência de comportamento, o vemos como a que reproduzir a mesma linguagem, comportamento e fixações tão freudianas que o próprio Freud se surpreenderia por serem tão explicitamente reveladores de casos de neuroses propostos pelo inaugurador da Psicanálise. A conexão básica é a sexual. Principalmente a fixação anal. São fascinados com o controle das identidades de gênero, com o comportamento íntimo do povo, como se não fossem a nação que mais promove a indústria pornográfica como produto. Porque lá tudo é passível de ser comercializado.

O produto da atualidade é o Ódio. Talvez nunca tenha deixado de ser. O Ódio os movem e os comovem, os mobilizam acima de qualquer outra expressão humana. Com requintes de crueldade, exercem o “direito” delegado por “Deus” em determinarem o destino de milhões. Sem a alegada “invasão” que dizem sofrer, talvez não tivessem agenda. A própria mãe do homem-cenoura era alemã e só regularizou a sua situação no EUA após doze anos de estadia. O seu pai tem origem escocesa e a esposa é eslovena. A mulher-troféu creio ser a mulher mais triste nessa história toda. Vivendo em uma gaiola dourada, a sua linguagem corporal não deixa transparecer a antiga exuberância de ex-modelo.

O mesmo aconteceu por aqui. São tão típicos que não deixa espaço para a imaginação, a não ser pelas demandas assustadoras de se assemelharem a movimentos que já aconteceram 100 anos antes, com dramáticos resultados para o mundo. Ao acompanhar o Golpe de Estado que levou Napoleão III ao poder, na França do Século XIX, Karl Marx chegou a perturbadora conclusão de que a História acontece primeiro como tragédia e se repete como farsa. Afinal, numa crise de pouca autoestima e consequente ego inflado, a farsa vitaminada pelo poder atômico, pode determinar o início de uma terceira e fatídica tragédia humana — guerra generalizada no planeta. Nos encontraremos num novo Holocausto

27 / 01 / 2025 / Faz 80 Anos…

O dia 27 de janeiro foi declarado Dia da Memória do Holocausto por uma resolução da Assembleia Geral das Nações Unidas de 2005. Nesse dia, em 1945, soldados da União Soviética chegaram ao campo de concentração e trabalhos forçados que acabou por se tornar um símbolo do que um ser humano pode fazer com outro em termos de crueldade e frieza industrial. Sim, porque naquele local foi montada uma indústria de torturas, experiências “científicas” e finalmente, extermínio.

Ao ver os sobreviventes se lembrarem do episódio, não pude conter a emoção e comecei a chorar. Imagens cortadas mostravam as péssimas condições dos cerca de sete mil prisioneiros encontrados ainda “vivos”. Eu me lembro de uma situação relatada por um soldado que disse que ao alimentar as pessoas, muitas passaram mal e morreram. Famélicas que estavam, os seus organismos simplesmente não conseguiam processar os alimentos. Como se estivessem habituadas ao limbo, ao serem trazidas para a vida, morriam.

Os poucos sobreviventes entre os sobreviventes de oitenta anos antes já não são tantos. Fracos, parece que as suas vozes não são mais ouvidas. Há os que dizem não acreditar no Holocausto pelo tamanho do horror que foi a criação e o desenvolvimento de maneiras de aniquilar pessoas. Bastaria ver o que acontece todos os dias em guerras sequenciais e espalhadas pelo planeta para saber do que o ódio é capaz de conseguir contra quem se tornam seus alvos. Eu estou ficando desesperançado de um futuro em que a Paz impere. Mesmo porque a guerra é um negócio e tanto em todas as latitudes. E o mercado do ódio é promissor.

Vingança

Aqui, não vou tentar demonstrar quem tem razão no conflito em Israel. Ninguém tem ou todos têm a sua razão. Apenas tento imaginar (e não consigo) como deve ser doce o gosto de revanche para causar tanto sofrimento – quanto maior, melhor. Para quem o pratica, para quem se extasia ao ver o terror perpetrado em Gaza, na Comunidade da Maré, no Afeganistão, Ucrânia ou em Benin. Aqui perto, todos os dias, na América, África, Europa, Oriente Médio, Ásia

As vítimas, já sabemos, serão sempre os cidadãos comuns, aqueles que tentam viver uma vida em que possam respirar, trabalhar, amar. Mas para alguns como amar deve ter regras. Os fundamentalistas assim apregoam. No conflito provocado pelos fundamentalistas do Hamas, tanto os palestinos quanto os israelenses, além de pessoas de vários lugares do mundo que estão no local e, com o passar do tempo, em vários pontos do planeta, sofrem e sofrerão devido às consequências da decisão do grupo terrorista em ultrapassar as fronteiras pela além de Gaza.

Para os seus dirigentes, foi um movimento que, sabiam, teriam duas consequências imediatas. A primeira, o assassinato à sangue frio de moradores da região atacada – revanche por todos os ataques sofridos no período anterior. A segunda, a reação do Estado de Israel e aliados que revidariam com poder de fogo bem maior, atingindo aos palestinos que supostamente dizem defender, o que poderia levar ao eventual alinhamento de outros grupos radicais e/ou países simpáticos à causa palestina, causando uma guerra total.

Para quem é minimamente bem-informado, esse conflito tem origem bíblica, mas ganhou dimensão quando parte da Palestina foi fatiada para a criação do Estado de Israel, logo após à Segunda Guerra Mundial. O fenômeno do Holocausto havia causado tamanha comoção planetária que justificou a decisão de implantá-lo. À época, a hegemonia dos países “vencedores”, como os Estados Unidos, URRS e Inglaterra era tamanha, que não houve como não ser aceita pelos países em torno da área designada, não sem protestos.

Como consequência, vários outros conflitos foram gerados desde então e o sentimento de revanchismo foi crescente. Compreensível, até que o lado reptiliano viesse a entrar em operação em várias ocasiões, levando a movimentos irracionais, ainda que premeditados. Decapitar cabeças de bebês responde ao mal já feito anteriormente? Terrorismo de Estado por um lado, contra ações pessoais em que um “ser humano” se encaminha a um berçário, observa seres indefesos à disposição e inicia, através de utensílios cortantes, o movimento de arrancar a parte acima dos seus ombrinhos. Essa é uma resposta viável?

Aqueles que se refestelam contra as ações de pequenos contra os poderosos absolvem essa ação? Até que ponto o nosso desejo de justiça encara esse evento como reparador? Qual o sentido de perdermos o senso e defender o mal sob qualquer ponto de vista? Que posicionamentos ideológicos justificam todos as consequências de uma guerra total? Como é fácil apoiar atitudes espúrias para que se confirme um ponto de vista distorcido pelo ódio e gozar a cada ação terrorista como correta, longe da área de conflito. Quem vence? Qual será o vencedor? Quem vencerá a dor?

Foto por Kristina Paukshtite em Pexels.com

BEDA / Scenarium / WTF?*

WTF

O relato a seguir foi totalmente inventado e qualquer semelhança com fatos, circunstâncias, nomes de personagens e locais terá sido uma mera e infeliz coincidência.

Waldo fora chamado para fazer um orçamento para o fechamento de teto e revestimento para tratamento acústico na reforma de uma casa noturna. Logo que chegou, verificou que aquele era um salão como tantos que já visitara para executar tal trabalho. O espaço apresentava apenas uma entrada, que seria também a saída. Pequenos nichos posicionados em lados opostos seriam usados como bares. Mais ao fundo, ficaria o palco, os banheiros e a cozinha. Em outro ponto, mais junto à porta, haveria um recuo onde deveriam ser distribuídas as comandas, após uma sequência de grades que direcionariam as filas do público afluente.

O edifício fora construído em um terreno de 300 m² e a área livre, incluindo o palco, os dois banheiros, a cozinha e um depósito para as bebidas e alimentos, não passava de 270 m². Seria sobre essa metragem que Waldo deveria calcular o material que utilizaria, bem como o preço do serviço, que variaria de acordo com a qualidade do revestimento solicitado pelos donos da boate e casa de eventos WTFWonderful Tour Freeway. Chamou a atenção de Waldo que o rebaixamento faria com que o teto da WTF ficaria mais baixo do que o ideal, mas os donos achavam que o ambiente ficaria esteticamente melhor, além de mais acústico para a sonorização, sem a utilização de tanta potência e recursos técnicos para distribuir o som. Waldo não se contrapôs. Quando algum cliente desejava a realização de algo que não fosse confortável ou seguro, ele, no máximo, sugeria algumas alternativas, sem ser muito enfático, para não irritar o contratante. Ao cabo, acabava por obedecer às ordens dadas.

A WTF pareceria, após o rebaixamento do teto, a uma grande caixa de sapatos. Sem as outra áreas livres, o espaço reduzia-se a 180 m². Talvez coubesse, de acordo com o padrão internacional de ocupação ideal, de 4 pessoas por m², no máximo, em torno de 720 seres humanos. Os donos disseram que poriam um aviso com a lotação máxima de 1000 fregueses, mas duvidavam que a casa mantivesse um público muito superior a 500 frequentadores. Enquanto conversavam com Waldo, trocavam ideias entre si de como atrair uma maior afluência. Ele chegou a ouvir a proposta de uma noite que se chamaria “Colação”, já que o mote seria que todos estariam tão próximos uns dos outros que seria uma imensa colagem de corpos. Ouviu também a armação de uma estratégia – caso alguém reclamasse da massiva aglomeração, responderiam que a intenção era exatamente aquela – unir as pessoas fisicamente. Os jovens, principalmente aqueles que tinham dificuldade em aproximar-se uns dos outros, adorariam – completaram.  Logo após, ouviu uma risada entremeada por cumprimentos, em que os donos se elogiavam mutualmente por tamanha esperteza. Waldo sentiu um pequeno tremor.

Na verdade, Waldo já havia visto essa estratégia empregada em várias ocasiões, para diversos fins. Corria a solto pelos meios de comunicação a série de anúncios para a Copa do Mundo de 2014, em que acentuava o elogio do tumulto que causaria um evento de tamanho porte realizado sem a infraestrutura necessária para tal, já que não haveria remédio, tempo ou seriedade para resolver os problemas que seriam causados pelo enorme afluxo de pessoas, então. Com o passar do tempo, ele também já elaborara um perfil padrão das pessoas com que lidava. Elas sempre buscavam justificativas precárias para as suas tomadas de decisão igualmente duvidosas. Esse preconceito o aliviava de contra-argumentar certos critérios espúrios, o que o poupava de digladiar-se com o cliente, como já ocorrera no começo de sua atividade, resultando em perda de receita. Afinal, tinha muitas contas para pagar, como todo mundo. Aprendera a adaptar as preferências alheias ao escopo do projeto, mesmo que fosse contra as normas básicas de execução mais segura. Naquele caso específico, os seus contratantes disseram que o revestimento com tratamento anti-chama era muito caro, o que inviabilizaria o trabalho. Perguntaram se haveria alguma alternativa mais barata e Waldo disse que havia, mas que talvez fosse muito perigoso, caso houvesse alguma ocorrência, como um curto-circuito, explosão ou outro fator de risco de incêndio. Nesse caso, a fumaça produzida, argumentou, seria altamente tóxica e se espalharia em poucos minutos.

Os sócios se entreolharam e com o tempo acertado de percussionistas que estavam bem ensaiados, bateram na madeira do palco de bateria três vezes – “Deus me livre! Isso nunca acontecerá!” – disse um deles. Outro completou que tomariam todas as medidas de segurança possíveis, com a utilização de equipamentos elétricos de primeira e iluminação de última geração – Importada! – finalizou.

– Então, está bem! Com o material que escolheram, o preço cai pela metade.

– Ótimo! Pode providenciar o serviço! Temos pressa! Precisamos reinaugurar a casa logo no início do ano, quando os estudantes, que constituem a maior parte de nosso público, voltarem às aulas!

– Estará pronto no prazo! Apenas não sei se dará tempo para a liberação do alvará!

– Não precisa se preocupar com isso, meu amigo! Temos um acordo com o pessoal da prefeitura. Somos amigos, inclusive, do prefeito. Ajudamos muito na campanha para a reeleição.

– E os bombeiros?

– Tranquilo, meu amigo! Costumo dar passe livre para vários soldados da corporação. É muito comum termos também policiais, delegados, além dos soldados do batalhão da cidade frequentando o nosso salão. Caso aconteça algum fato estranho, teremos o lugar mais seguro do mundo!

Mesmo já tendo observado que não havia saídas laterais, Waldo perguntou, por desencargo de coincidência:

– Outras portas, além daquela pela qual entramos?

– Não, meu amigo! O brasileiro, se puder, não paga nem o enterro da mãe! Não podemos dar a oportunidade de que saiam sem pagar! Ainda que colocássemos seguranças para vigiar essa saída, teríamos uma despesa extra, desnecessária! Além do que sempre haverá a chance de alguém molhar a mão dos caras para saírem sem pagar a comanda…

Duas coisas incomodavam a Waldo naquele momento: primeiro, o fato daquele senhor chamá-lo de “amigo”; segundo, pelo que vira na tabela de preços a frente de um dos bares, os valores eram abusivos. Vasilhas de refrigerantes, águas e energéticos custavam quatro a cinco vezes mais que o preço normal de compra em supermercados. Fora os coquetéis e outras bebidas a base de álcool, em que a imaginação para instituir os valores era ampla e irrestrita. Isso incentivaria a tentativa de não pagamento da comanda. Em contrapartida, justificaria arriscar a vida das pessoas ao não disponibilizar saídas de emergência? De qualquer forma, pensou, aquele serviço seria grande e renderia um bom dinheiro. E ele faria da melhor forma possível, como bom profissional que era.

Logo após acertar o contrato, ele saiu à luz do dia, se sentindo aliviado por ter saído daquele ambiente opressor. Um sentimento de angústia chegou a assaltá-lo momentaneamente. Ainda trazia, vívida na lembrança, a descrição das câmaras de gás feitas pelo autor de um livro sobre o Holocausto que lera recentemente. Criadas pelo engenho humano para executar o maior número de pessoas com o menor custo e em menor tempo possível, a sua construção era extremamente simples. Uma caixa, como aquela, em que hordas de crianças, homens e mulheres se dirigiam a uma armadilha, com a promessa de um banho redentor, que restituiria um pouco da humanidade perdida. Marcas de unhas resistiram à passagem do tempo, entalhadas na parede. Mais um pouco, Waldo deixou esses pensamentos de lado e convenceu-se de que deveria acatar o que os contratantes mandavam. Ele, por seu turno, apenas estaria cumprindo ordens…

*O incêndio na Boate Kiss ocorreu a 27 de Janeiro de 2013. Nessa mesma data, 68 anos antes, em 1945, o Exército Vermelho libertou Auschwitz, o maior e mais terrível campo de extermínio dos nazistas. Em suas câmaras de gás e crematórios foram mortas pelo menos um milhão de pessoas. Esse dia é considerado o Dia Internacional em Memória das Vítimas do Holocausto.

B.E.D.A. — Blog Every Day August

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