Eu nunca desejei matar ninguém. Mas sou culpado por pertencer ao gênero que tem matado mulheres por serem mulheres, principalmente àquelas que ousam serem emancipadas do comando do homem. Eu sempre achei estranho o uso de expressões como sexo oposto ou frágil, acostumado que fui ao ver mulheres serem fortes o suficiente para criarem filhos sozinhas, muitas vezes longe do auxílio masculino.
Não deixou de acontecer que muitas comunidades tivessem a mulher erigindo o Matriarcado em oposição ao Patriarcado. Mas o fato de o homem normalmente possuir maior força física o colocou como protetor das primeiras comunidades humanas, lhe dando o “direito” de ser o “chefe” do núcleo familiar na maioria das sociedades humanas.
Essa proeminência ao longo dos séculos gerou um sistema baseado mais na força motriz do que na inteligência. Mas também essa “reserva de mercado” precisava ser protegida da participação feminina. Dessa maneira foi interditado que mulheres aprendessem as letras, que estudassem ou que tivessem ideias originais. E quando as tinham, muitas delas foram surrupiadas pelos machos da espécie.
Quando algumas começaram a renunciar participar como reprodutoras numa sociedade que as viam apenas como tal, o sistema apregoou leis religiosas que preconizavam a condenação a alienação, ao ostracismo ou degredo social. E é claro que era “ele”, o “deus” que assim designava através de seus seguidores masculinos.
Como já explanou Contardo Calligaris, as sociedades humanas foram fundadas no ódio à mulher, muitas vezes associadas ao mal. Como está registrado nas escrituras enviadas diretamente aos homens. Se conscientemente se isolassem, vivessem distantes ou fossem autônomas, eram tachadas como bruxas, seres degenerados.
O que vivemos atualmente — uma espécie de pandemia de tentativas ou consumação de feminicídios — é quase como um retorno ao obscurantismo da Idade Média. Tenho por mim que a trajetória política de um certo personagem que veio a se tornar governante no Brasil deu ensejo a que muitos homens assumissem suas tortuosas posturas retrógradas, já que havia chegado ao poder um representante de suas ideias e preconceitos.
Nos últimos anos, houve um crescimento exponencial de crimes contra mais da metade da população humana, representada pelas fêmeas da espécie. A outra metade que a assassina não deixa de criar formas diferentes de torturá-las, humilhá-las e executá-las à luz do dia. Não tem como apagar da página da História que descemos ao mais baixo nível civilizatório neste quadrante. Um quarto deste novo século está se encerrando demonstrando que é sempre possível retrocedermos à barbárie humana mais primitiva desta era sombria.
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