Renascer

Em 2011…

Cinco anos antes, eu estava a elaborar o meu TCC para o bacharelado do Curso de Educação Física, na UNIP de São Paulo. Tinha como título “Atividade Física Na Terceira Idade“. À época, escrevi: “A atividade física, mesmo depois de muito tempo sem ser praticada, pode apresentar resultados incríveis na recuperação do tônus muscular e condições orgânicas do indivíduo. Esse tema, inclusive, será um dos pilares sobre quais desenvolverei o meu TCC. O subtítulo dele será “Renascer antes de morrer“, considerando que, para mim, a morte não é ponto final de nossa existência (mas como essa tese depende de crença, obviamente não entrará em discussão). No entanto, mesmo para quem acredita na dicotomia Vida-Morte, podemos experimentar o renascimento muitas vezes durante a passagem pela Terra. Outra lição que fica, com o vídeo aqui veiculado, é que é sempre muito difícil o exercício da crença em si mesma… porém, ao final de tudo, vale muito a pena”.

Eu iniciei o curso em meados de 2009, dois anos depois de ter passado por uma crise muita séria de Diabetes que quase fez com que eu não estivesse aqui para contar histórias. Com o incentivo dado por minha família, incluindo o meu irmão e sócio, Humberto, que segurou as pontas na nosso negócio, principalmente por ocasião do estágio, entrega de relatórios, feitura de trabalhos e provas, o concluí em 2013. Tinha a minha mãe como inspiração, mulher guerreira que se transportou para outra dimensão em 2010. Na apresentação do TCC, tirei a nota máxima. Não foi uma vitória sobre mim mesmo tão retumbante quanto a espetacular recuperação apresentada no vídeo, porém também enfrentei situações que testaram os meus limites. E que viesse outros desafios!

Depois de concluído o curso, cheguei a cogitar trabalhar na área, talvez como personal trainer, voltado para as pessoas inativas ou acima dos 50 anos. Porém, seria muito estranho que eu receitasse quase que exclusivamente a caminhada monitorada como exercício físico como base para a obtenção de um corpo com uma boa capacidade aeróbia, orgânica e fisiológica, com uma consequente qualidade de vida equilibrada, como percebi ser suficiente para manter a homeostase em alto nível de rendimento físico. Apenas para não parecer algo tão simples realço que complementaria o programa de atividades físicas com musculação.

Eu curto musculação, gosto de fazer movimentar os meus grupos musculares nessa luta de resistência contra a gravidade. Como em tudo ao meu redor — também percebo um viés filosófico nessa batalha do nosso corpo contra os pesos e a atração gravitacional exercida pela mãe Terra. Agora, o que me deixa ferrado — para ficar no campo dos ferros — é o oferecimento de substâncias milagrosas que anunciam a aquisição de músculos do tamanho de um Hércules, “sem se matar na academia ou fazer dieta”. Eu SEI que praticamente somos o que comemos e que a obtenção de um resultado sem esforço não é digno de ser chamado de conquista. Considerando o fato que apenas tento manter uma boa forma, eu me ofendo com essa tentativa de me seduzir com facilidades sem mérito.

Superação

BEDA / Scenarium / O Outro

A apresentação pública que faço de mim é a de alguém que se identifica com a defesa do humanismo voltado para a transcendência, visando a proteção do ecossistema e o respeito aos outros seres que convivem conosco na biosfera. Fora dessa perspectiva, quem defende ideias diferentes me ofende profundamente. Cheguei a me imaginar como um antípoda ao que preconizei acima como exercício de compreensão daquele que se me opõe. Em tese, conseguiria fazê-lo. Eu os encontro em meu círculo familiar, entre colegas de trabalho e nas minhas redes sociais.

Estabeleci como elemento de desordem o “outro”. Conquanto o meu ponto elementar de desequilíbrio seja eu mesmo, quis alcançar àquele que me desorganiza externamente. Dizer simplesmente que “o inferno são os outros” não seria suficiente. Eu me pus a identificar quais falas e atitudes do outro quebram a minha homeostase. Ainda que passeasse por zonas sombrias do meu ser, ao olhar para o abismo tenho certeza de que voltaria à minha posição inicial. Suposição incrível para alguém que refuta por entendê-las como indício de loucura.

Seria mais fácil criar uma personagem que se colocasse como porta-bandeira do obscurantismo, do desconhecimento, da misoginia, da homofobia e do racismo; que fosse elitista, antidemocrática e entendesse o poder econômico como hegemônico, colocando-o acima da necessidade de atendimento às demandas sociais. Mas na vida real essa personagem já existe. Na verdade, foi eleita como representante incondicional de pelo menos um terço da população que se amolda ao que seja conveniente no momento ou que simplesmente acompanha a manada — do país onde nasci e vivo. Percebi que defender o indefensável seria impossível. Ir contra as diretrizes que considero o melhor para a maioria das pessoas e para mim, me paralisou.

Tenho frescas em meus ouvidos as últimas notícias do atual desgoverno — o fogo a se alastrar por grande parte do território brasileiro; a mortandade pela Covid19 de centena de milhar das pessoas menos protegidas pelo Estado; o desmonte da estrutura que manteve os índices sociais razoavelmente estáveis nos últimos anos, a exemplo do SUS e dos projetos de inclusão; o ataque direto à cultura, como o feito à Cinemateca Brasileira onde todos os funcionários especializados na preservação do importante acervo audiovisual nacional foram demitidos. Como é que conseguiria me colocar no lugar de alguém que defende práticas tão perniciosas, de viés fascista; que promulga por decreto o genocídio do brasileiro comum e o etnocídio que solapa a identidade cultural indígena?

Quando surgiu o movimento de extrema direita que assumiu o comando administrativo do Brasil, eu me surpreendi com a quantidade de defensores dessa visão de mundo que se opunha brutalmente à minha. Artistas com os quais trabalhava (principalmente, músicos) não deveriam se colocar em sentido inverso ao que era propagado pelo candidato? Assumiriam a faceta que propunha retrocessos políticos e agitariam bandeiras retrógradas em termos sociais?

Ser esse outro não é apenas olhar para o abismo, mas mergulhar na lama primordial da qual foi gerada a vida eu me tornaria uma ameba. Não teria de onde retornar, a não ser depois de milhões de anos de evolução. Prefiro morrer para esta vida a reviver por inteiro o drama de nosso desenvolvimento: voltar a ser um primata que lutará pela vida na floresta; até vir a encontrar o monólito que me tornará o primeiro ser humano; inventar os instrumentos de sobrevivência da espécie; participar da luta pelos espaços; instaurar grupos homogêneos como plataforma de expressão coletiva; desenvolver civilizações; guerrear contra os inimigos; trucidar oposições; formar países; escravizar povos e estabelecer ideologias hegemônicas como forma de dominação do outro…

Será que não podemos aprender com o que já vivemos em nossa história e deixarmos de praticar ações perniciosas contra nós mesmos e contra os outros seres com os quais coabitamos? Ou estamos condenados a reviver todos os dias mesmos dolorosos ciclos até o final dos tempos — um déjà vu em moto contínuo?

Quase peço ao sol que antecipe em bilhões de anos a explosão que extinguirá os planetas ao seu redor, incluindo a nossa pequenina Terra. Porém, sei que é egoísmo da minha parte. Quem sabe as novas gerações modifiquem o nosso percurso atual e transformem Gaia em um planeta redentor?

Cena de 2001 – Uma Odisseia No Espaço – encontro do monólito pelos macacos.

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Lunna Guedes