#Blogvember / O Tempo

meu kairós em transcendência vida e morte (Obdulio Nuñes Ortega)

Saturno ou Cronos, na mitologia grega, devora um dos seus filhos, é uma alegoria da passagem inexorável do Tempo.

Por mais que especulemos sobre a sua natureza física, mecânica, para o comum dos homens o Tempo não existe fora da nossa percepção no final das contas. E dá-lhe fazer contas de mais e de menos para mensurar o quanto vivemos, a estabelecer tabelas com as quais programamos as nossas agendas de encontros e desencontros, trabalho, vacância, lazer, nascer, permanecer e morrer. Efemérides que falham em designar a qualidade do momento que vivemos, o minuto que passa ou Kairós.

Ontem, me reuni com pessoas que se moveram para estar juntas de vários pontos da cidade. Fizemos algo que quase nunca tenho a disponibilidade para fazer: conversar. Falamos sobre assuntos sérios, outros nem tanto. Discutimos sobre o clima, as chuvas, as secas – de territórios e de mentes – o frio e o aquecimento. Este é um mundo que está morrendo. Já ouvi dizer que os entendidos em mudanças climatológicos calculam que em três anos, veremos caravanas de pessoas se movendo para as áreas menos inóspitas em termos climáticos. Projetaram que a continuação do processo que ora se desenvolve resultará, em 2050, em várias faixas das áreas junto aos Oceanos inundadas, engrossando os números dos refugiados do clima. Questão de Tempo.

É triste perceber que as minhas visões juvenis de cataclismas mundiais esteja perto de se realizar. Eu sempre fui muito imaginativo, mas não era isso que gostaria que as minhas filhas venham a vivenciar num futuro próximo. Os meus textos de garoto amante de escritores de ficção científica – Julio Verne, Isaac Asimov, H.G.Wells, Jack Finney – primavam pela revolta da Natureza frente ao continuado ataque dos seres humanos. Eu me tornei abstêmio de carne buscando minimizar os efeitos de minha presença como típico predador pertencente ao topo da cadeia alimentar por isso, também. Não são poucas as vezes que penso em voltar a essa fase que durou dez anos. Não resolverá a questão, mas talvez diminua a minha culpa…

Previsões se baseiam na soma de sequência de fatos passados com a repetição de fatos presentes, resultando em consequências práticas. A experiência da Humanidade na Terra me induz a imaginar que no atual andamento dos eventos, chegaremos a um colapso global em menos tempo do que se esperava. O atual sistema de produção que desenvolvemos ao longo dos séculos, empreendeu um aceleramento que está precipitando em descontrole sistemático. É como se víssemos Cronos devorando os seus filhos. Não terei condições de experimentar o meu Kairós em transcendência de vida, mas sim de morte…

Participam: Mariana Gouveia / Lunna Guedes

Arte (Ou Artifício) X Vida

A discussão da vez entre os intelectuais à esquerda e à direita diz respeito ao comercial da Wolksvagen veiculado a partir do mês de junho deste sagrado ano de 2023. Através da Inteligência Artificial, Elis Regina aparece rediviva cantando com a sua filha, Maria Rita. Quanto ao tema, aqui farei o papel de Advogado do Diabo, que consiste em contrapor os dois lados de maneira imparcial (ou quase).

Tirante o fato de que o filme publicitário teve a autorização da família da eterna cantora para ser produzido e publicizado, o efeito causado em uns e outros do público que o assistiu, variou da emoção em rever a sua cantora favorita atuante à indignação por “conspurcar” a imagem de Elis vendendo um produto, neste caso, veículos da fábrica alemã. Algo que, supõem, jamais seria feito por ela. Lembrando ao apoio dado ao Golpe de Estado de 1964 pela montadora.

Há outras razões. A Wolksvagen participou do movimento nazista na Alemanha e nunca deveria ser perdoada por isso. Creio que são os mesmos que escrevem em computadores desenvolvidos com a grande participação da IBM na sua formulação. Para quem não sabe, “a IBM, por meio de suas máquinas Hollerith e de sistemas de cartões perfurados, equipou a máquina burocrática que o regime nazista desenvolveu para prender e matar milhões de pessoas”.

Outro dado é que o uso da IA, através de Deep Fake – em que o rosto de alguém é “colado” a de outra – como ferramenta para o desenvolvimento da peça publicitária, roubando a identidade original. Nada que o Cinema não tenha utilizado desde o início para a criação das ilusões nas quais embarcamos com emoção. Ou premiando atores que se transmutam em personagens históricos. Ou usado como expediente para colocar um candidato à Governador numa cena de sexo e desaboná-lo. Comentário lateral, para certos grupos, isso o ajudou a ser eleito. Como também não é inédito o uso de filtros para mascarar defeitos físicos em fotos.

Outra questão levantada pelos quem reprovaram a propaganda é que a letra da bela canção de BelchiorComo Nossos Pais – era de posicionamento ideológico contrário ao status quo e que não deveria ser usada para vender algum produto. Deixaram de levar em consideração que o contraditório compositor (como qualquer grande artista o é) “se vendia” para continuar vivendo através de seus shows e discos e, portanto, estava inserido no Sistema contra qual proclamava.

Na letra da música há uma passagem quanto à vinda do “Novo”: “Você me pergunta pela minha paixão / Digo que estou encantado / Com uma nova invenção / Eu vou ficar nesta cidade / Não vou voltar pro sertão / Pois vejo vir vindo no vento / Cheiro de nova estação / Eu sei de tudo na ferida viva / Do meu coração…”. É uma composição complexa quanto ao entendimento do que queria expressar.

Ele usava muitas imagens em contraposições aparentemente opostas – o que muito me influenciou –, criando perspectivas que demonstram o quanto vivia o sentimento discrepante do poeta que queria expor o que pensava em contraponto ao meio que explorava a sua arte. Para o Marxismo é uma típica situação conflitante quanto aos mecanismos produtivos e as relações de produção.

Como prestador de serviço em sonorização e iluminação, fui chamado a participar de um projeto em que Belchior faria vários shows num circuito universitário, onde mantinha muito prestígio. Infelizmente, ele já não estava em um bom estado psicológico. Ele ou a assessoria pessoal dele, não concordou com o projeto. Não é difícil de entender o porquê de no final da vida ter despirocado.

Voltando à peça publicitária, eu me lembro de, ainda garoto, ter visto uma propaganda numa revista da bicicleta Monark. Nela, aparece uma bela moça com uma rosa desenhada no rosto, ao estilo do movimento Hippie. Fiquei indignado por terem utilizado um movimento contracultural para vender um objeto de consumo. Com o tempo, vim a perceber que o Sistema utiliza do surgimento de caminhos alternativos a ele para fortificá-lo. É quase como se fosse uma condição sine qua non de sua constituição encampá-los, ao mesmo tempo que aplacam a sua força original.

Para quem me acompanhou até aqui, talvez acredite que eu não apenas perdoo como louvo esse processo como ideal. Não, ao contrário, eu sou um inconformado com os caminhos que a Humanidade encontrou para chegar até este momento e que a levará consequentemente à extinção. A minha filosofia é utópica – o Anarquismo – ao qual muitos tentaram implantar com violência, a ponto dele se tornar sinónimo dela. O meu modelo de Anarquia propõe que o ser humano tenha consciência plena do uso da Liberdade em observância precípua do respeito ao outro. Mas não deixo de observar que as forças que se erguem contra o que acontece dificilmente serão suficientes para reverter o desenvolvimento de tempos sombrios à frente.

O último lance nesse jogo entre permissão e permissividade artística foi o acionamento do CONAR Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária – por fãs de Elis, posicionados aqui como consumidores que vem a questionar se é ético ou não utilizar IA com o objetivo da propaganda, apontando questões sobre o “respeito à personalidade e existência da artista, e veracidade”. Questionam ainda que na propaganda da Volkswagen, há a possibilidade de causar confusão entre ficção e realidade para algumas pessoas, principalmente crianças e adolescentes. Creio que este último argumento não condiz com o costume da nova geração ao uso dos efeitos especiais virtuais.

Os Jogos Eletrônicos estão entre os de maior aceitação entre os jovens. Para eles, a realidade simulada é cotidiana e perfeitamente aceitável. De fato, desejável. Quanto mais “real”, maior preferência. Visionário, Belchior antecipou com as polarizações encontradas em “Como Nossos Pais”, o cumprimento do futuro: “É você que ama o passado / E que não vê / Que o novo sempre vem”. Para depois arrematar: “Nós ainda somos os mesmos / E vivemos / Ainda somos os mesmos / E vivemos como os nossos pais”. Nossos filhos, não mais.

O que constato é que estamos vivendo mais anos, mas com menor tempo de vivência real. Prevejo que a polarização entre as várias questões aqui levantadas deixarão de ter razão de ser. Serão sem sentido porque estaremos muito mais pobres em riqueza cultural.

BEDA / Humanos*

A minha luta constante, interna, é contra a Vaidade (mental, não física) e o Egoísmo. Inveja, presumo não ter. Pelo simples fato de que eu, sendo eu, não posso desejar ter o que o outro tem, na aparência, sem saber o que outro vive profundamente. E eu prezo muito a minha profundidade, muitas vezes indecifrável para mim mesmo.

Eu, sendo um mistério em meu âmago, quero continuar a me descobrir. Em conversa informal com a Romy, me dei conta de uma coisa muito simples e que, por isso mesmo, me era quase invisível: se desejo o Bem para a Humanidade, devo necessariamente desejar o meu próprio bem. Não devo considerar a isso como Egoísmo, mas como Altruísmo. E desejar o bem-estar do próximo em mim mesmo, o ser mais próximo de mim, é só o começo.

Se eu não estiver bem, não há como compartilhar o bem-estar. Se estou sofrendo, não há como enxergar a Paz para além do imediatismo limitado pela dor a ser superada. Para amar ao próximo como a mim mesmo devo, antes de tudo, amar a mim mesmo e, em mim, a minha humanidade. Que todos tenhamos um dia melhor. Que todos possamos nos valorizarmos individualmente e nos amarmos coletivamente. E humanamente…

*Texto de 2021. O discorrido acima parece ser de uma obviedade “ululante”, como diria Nelson Rodrigues, mas preocupado em que estava em vencer o meu alheamento a muitas situações cotidianas, incluindo pessoas, me feria o tempo todo, aceitando o sofrimento de bom grado, como se fosse uma punição bem vinda. Mais um sintoma de Vaidade, eu diria. A recomendação feita por Jesus de Nazaré aos seus seguidores — “ame ao próximo como a si mesmo” — relativamente pouco tempo antes me pareceu evidenciar que a primeira parte da sentença só teria valor se eu me amasse de modo a espelhar e espalhar esse Amor para outro, compreendido como partícipe da minha jornada rumo ao autoconhecimento.

Participam: Danielle SV / Suzana Martins / Lucas Armelim / Mariana Gouveia / Lunna Guedes / Alê Helga / Dose de Poesia / Claudia Leonardi / Roseli Pedroso

Vilões*

Pinguim, Charada, Mulher-Gato e Coringa, vilões da série psicodélica Batman, dos Anos 60.

Vilões – o termo que dá nome a este texto pode ser usado para designar àqueles que buscam prejudicar outros através de ações vis, desqualificadas. Mas basicamente, a origem diz respeito aos moradores de vilas na Idade Média, normalmente habitadas por quem não era nobre – os chamados plebeus. Enquanto isso, a Nobreza passou a ser associada às boas ações – ou nobres. Ou seja, o vilão, pobre e desvalido, era considerado um sujeito à margem das boas práticas da sociedade, então e até hoje, dividida em castas.

Tudo piora quando, depois de tantas revoluções que buscaram tornar a Sociedade mais igualitária, a Humanidade ainda carrega, em seu âmago, essa herança atávica de um desequilíbrio persistente e que encontra defensores tenazes. São pessoas que não aceitam mudanças que estabeleçam um padrão de equanimidade entre os participantes de nosso concerto social. Pleno de diversidades não atendidas em suas demandas, boa parte dos brasileiros não conseguem vê-las representadas. Vivemos nos últimos quatro anos a assunção de ideias que flertam com o fascismo antidemocrático que engloba vários aspectos de um ideário que defende a ação violenta para manter um status quo retrógado, na restauração de um passado rígido em que os privilégios eram postos como direitos naturais. Estranhamente, muitos que servem às “elites” e são por elas explorados, estão na linha de frente de sua manutenção.

Eu me lembro dos “vilões” das minhas séries favoritas que buscavam fraudar as leis para obter dinheiro ou poder com atitudes que beiravam o humor. É quase uma saudade de quando esses piores vilões eram tão melhores dos que hoje vicejam em nosso noticiário. Eles estão no mandato de três dias por semana no Congresso Nacional e no trabalho full-time dos ladrões do nosso erário. Nos assaltos dos pés-de-chinelo, armados com um “berro” de numeração raspada e na ação na surdina dos sofisticados hackers da Web.

Novo campo de atuação que tem penetração em todos os níveis sociais, a Internet propaga discursos de ódio contra as diferenças e os diferentes em todos os campos. Como as notícias que mostram crimes encontram guarida em boa parte da população, são populares as notas de pais que matam os filhos, quando não são os filhos que decidem fazê-lo primeiro. A divulgação de assaltos e sequestros violentos e a perniciosa epidemia de feminicídios – subproduto da queda progressiva do poder do macho patriarcal na sociedade moderna – apresentando uma reação desproporcional: a execução de suas companheiras e de outras mulheres que desafiam sua integridade psicológica de menino mimado.

É claro que sempre houve crimes na História do Homem. Desde o Gênesis, convivemos com a nossa maldita herança – somos filhos de Caim – assassino de seu irmão, Abel. Mas a nossa santa inocência contrabalançava um pouco o mal que grassava pelos campos onde os lírios floresciam. Parece que, na verdade, sinto saudade de minha própria inocência. Perceber como o ser humano opera com desenvoltura no uso da maldade, me faz ver que viver na ignorância chega quase a ser uma benção…

*Derivado de um texto de 2013.

Guerreiro*

Imagem montada, mas impossível?

Um amigo, Marcelo Porto, fez uma colagem com a minha foto do perfil do Facebook, em que me coloca vestido com um uniforme de soldado, armado até os dentes. Era uma brincadeira entre amigos, mas aquela imagem me deixou pensando sobre a circunstância em que eu, um antibelicista, poderia pegar em armas para lutar por alguma causa ou se haveria uma guerra justa em que poderia matar meu adversário por ele representar algo no qual eu não acreditasse como modelo de vida.

No Instagram, postei a foto com os seguintes dizeres: “Existe guerra justa, na qual enfrentamos o inimigo com um sorriso no rosto?”… Evidentemente, quase todos os relatos em que alguém luta em qualquer guerra, a sensação de perda, mesmo quando acredita na causa, surge em algum momento. Afinal, precisamos anular a humanidade do adversário para poder continuar lutando. Nesse processo, anulamos o nosso próprio sentimento de superioridade. Poucos se comprazem em matar por matar, torturar por torturar, queimar casas, campos cultivados e jardins com o frisson de um ato sexual ou sentimento de enlevação. Essas pessoas são até “preciosas” em um confronto de campo pelo estrago que faz ao inimigo.

Alguns países cresceram quando voltaram a sua produção para a máquina de guerra e exemplos não faltam na História. Já se disse que o nacionalismo é o refúgio do canalha e muitos dos governantes dessas nações utilizaram o subterfúgio do nacionalismo para invadir outras nações e cometer as maiores atrocidades possíveis. Em muitos desses casos, abraçamos a causa por nossa família, nossos vizinhos, nosso estilo de vida, mesmo sem aceitá-lo como o ideal.

Quando criança brincava de luta entre índio e cowboy e sempre preferia adotar o arco e flecha em oposição ao rifle e ao revólver – todos imaginários. Questão de simpatia pelo mais fraco em termos de armamento. Mais tarde, percebi que na Antiguidade, sem a preponderância de armas de fogo, um soldado bem-preparado poderia valer até por três ou quatro opositores, fazendo com que prevalecesse a qualidade sobre a quantidade, como na Batalha de Maratona, em 490 a.C., em que os Gregos venceram os Persas na proporção de 10 por 1, contra.

Na Segunda Guerra Mundial, ficou claro que se o Nazi-Fascismo a vencesse se instalaria um tempo de terror inigualável em todo o mundo. No entanto, seria aquela uma guerra justa a ser lutada? Perguntado sobre isso, se o preceito da não-violência que propalava venceria Hitler e seus seguidores, Ghandi, um dos meus inspiradores, disse que sim, venceria, mas não sem muita morte e sofrimento. No entanto, ciente de todo o horror que gerava, eu, um antibelicista, pegaria em armas para derrotar um inimigo tão atroz. Nesse caso, essa montagem faria sentido…

*Texto de 2013