Ela veio como um vento forte…
Mudou os objetos da casa de posição,
destelhou a minha cobertura,
demoliu as minhas barreiras,
derrubou a minha proteção…
Mudou o meu endereço de lugar
e transformou a minha identidade…
No entanto,
em vez de continuar
o seu caminho de ventania,
ficou a redemoinhar por minha vida,
a redefinir as minhas certezas…
Com ela, em verdade,
concluo que nada é certo,
que caminho pelo sentido incerto…
Que todas as imoralidades
me são lícitas…
Eu, que sempre preferi o banho
tranquilo do mar
e as carícias da brisa,
agora danço guiado pelo furacão,
mergulho nas ondas revoltas
e surfo na tempestade…
Eu, que sempre quis o gosto plano
da maçã
e os planos retos
de Buda,
hoje me refestelo de carne
e misturo com prazer carnal
os meus fluídos aos da Filha de Iansã…
Eu a amo,
mas não me esqueço
que um dia
pagarei
o
preço…
Etiqueta: Iansã
Filhos Da Tempestade
O Cristão e a Filha de Iansã
se encontraram em repartição pública.
Em comum, contas atrasadas,
vidas rasuradas,
documentos sem rubrica…
Na sala de espera,
sentados lado a lado,
confidenciaram reclamações –
“maldito governo”,
“febre terçã”,
“longo inverno”…
Sentiram mútua simpatia,
revelaram planos para o futuro,
fizeram confidências,
trocaram telefones…
Tiveram um segundo,
um terceiro,
um quarto,
vários quartos
em encontros…
Sempre furtivos…
Sempre breves…
Segundos era quanto parecia durar
o tempo que dispunham…
A paixão uniu os dois corpos,
acima das crenças
e das certezas…
Quando se confessaram amantes,
intensificaram a fé
em Jesus e em Olurum.
Ela, em devoção pelo bem querer.
Ele, em penitência pelo amor proibido.
A Filha de Iansã nunca dançou tanto no terreiro.
No templo,
o Cristão nunca cantou tão intensamente os hinos devocionais.
Acostumado aos rompantes da índole tempestuosa,
o marido dela aprovou o seu duradouro bom humor.
Acostumada à temperança sexual,
a mulher dele agradeceu ao Senhor
o fogo redivivo de início de casamento.
Até que, um dia, discutiram pesadamente…
Não foi por causa das entidades da Natureza
ou pelo mandamento contumaz de algum versículo da Bíblia.
Mas ciúme e sensação de incompletude,
por não se pertencerem completamente…
Em troca de mensagens,
ele passou por cima de seu habitual comedimento
e se declarou perdidamente apaixonado..
Ela, ao querer puni-lo,
agiu com a frieza de vento junino.
Disse, simplesmente: “Obrigada!”…
Com o peito dilacerado,
ele respondeu: “Por nada! Adeus!”…
Os corações empedernidos,
talvez por vontade de Deus,
não voltaram a se encontrar…
A Filha de Iansã não voltou ao terreiro…
O Cristão abandonou o templo…
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