Embolei as ideias fiz um nó depois desatei (Nirlei Maria Oliveira)
Gosto de caminhar. Aclara as minhas ideias, estabelece um rumo, enquanto desando em pensamentos fugidios. Percebo o caminho para além das marcações de asfalto, guias, calçadas e buracos. Por vezes, enquanto passo, passam personagens. Dois deles que formavam um casal de idosos, saíam pelos portões de seu condomínio e encetaram os seus passos lentos e encurvados de presumíveis 80 anos.
Ao ultrapassá-los, os cumprimentei com um bom dia de reconhecimento, ainda que nunca os tivesse avistado antes. A senhorinha respondeu com a sua voz fraca, mas o senhor apresentou um tom forte e estável, de quem vivia os seus 50. Foi uma agradável conversa entre as idades. Porque não são apenas frases longas que perfazem um diálogo. Deu vontade de interceptá-los e saber sobre as suas histórias — união, filhos, netos — se os tinham.
Mas me lembrei de itens que faltavam em casa e mudei o rumo para o supermercado. Ao passar pela caixa, uma simpática moça me ofereceu um panetone, há dois meses do Natal. Respondi que não gostava de frutas cristalizadas (foi o menino que fui respondendo). Ela disse que também só gostava de chocotone.
O que ficou de saldo, além dos itens pelos quais paguei foi o de como as idades que vivemos se intrometem vez ou outra em nossa vida, sem mais nem menos. Atualmente, tolero panetones com frutas cristalizadas, mas o diabético tem a desculpa de não poder comê-los. Desandei em novos pensamentos. Embolei as ideias, fiz um nó depois e os desatei. Outra desandança…
Porém, nem sempre equaciono as minhas dúvidas, das mais simples às mais complexas. Muitas vezes, deixo permanecê-las numa caixa de mistérios, como se fossem brinquedos com os quais escolho brincar quando mais nada me acompanha — de pessoas a sentimentos, de emoções a ações. Vou lá, abro o repositório e os toco com a reverência de quem vive conexões misteriosas a serem desvendadas.
Em minhas andanças em busca de flores pelo caminho, tem sido comum passar por pombas mortas. Tão acostumados a ciscarem pelo asfalto, distraídas ou lentas, os carros as atropelam, desfazendo o acordo que anuncia: quando estes passam, aqueles ratos alados devem voar (George Constanza, em Seinfeld).
Domesticadas, a morte não se dá por predadores comuns, mas motorizados. Nós, que as atraímos com o nosso comportamento de “sujismundos”, estamos a abatendo esportivamente por atropelamentos. Aliás, este último parágrafo aconteceu sem mais nem menos, resultado de meus desandados raciocínios. Acidentes articulados pelo meu precário des… tino…
Participam: Lunna Guedes / Mariana Gouveia / Suzana Martins / Roseli Pedroso









