A intenção do retrato de três por quatro centímetros seria o de poder identificar alguém por seus traços fisionômicos em documentos oficiais – Registro Geral, Passaporte, Carteira Nacional de Habilitação, classista, clubista, empresarial e outros fins. Ultimamente, o reconhecimento fisionômico tem sido usado para liberar certas funções no aparelho celular. Herdado da Burocracia, a identidade 3X4 visaria emparedar quem quer que fosse sob parâmetros predeterminados. Para os que podem abrir mão dessa solicitação, chega a causar certa contrariedade. Para quem está fora das políticas públicas voltadas para as populações carentes, representaria uma maneira de ser reconhecido como cidadão e receber alguma assistência.
Aos longo dos anos, os retratos de identidade usados para as várias identificações setoriais, acabam por contar um pouco de nossa história pessoal. É comum, pelo que eu ouço dizer por aí, não ser do gosto pessoal as imagens frontais do rosto, forjadas à força pela imposição de seriedade, sem sorriso e com o olhar catatônico, dignos de uma identificação oficial. Mesmo essa “encenação” não deixa de carregar certo interesse “arqueológico” pessoal. Tentei garimpar as imagens dos documentos e percebi que vários dos quais me lembrava, se perderam. Ficaram na memória, inacessíveis (por enquanto) pela tecnologia disponível. para os que tenho à mão, fiz um retrato dos retratos. Assim como todas as histórias, são vias de segunda mão.
A minha mãe fazia questão de registrar os filhotes. Tinha medo que se pelava de nos perder. Histórias de crianças “roubadas” não faltavam. Ou para serem vendidas para fins diversos – desde adoção forçada até outros propósitos tenebrosos. O meu pai era de origem paraguaia. O país de origem foi controlada durante décadas pelo ditador Alfredo Stroessner que, diziam nas penumbras dos porões, que viveu se banhando do sangue de criancinhas para continuar vivo. Por muitos anos, era assim que eram justificados o sumiço de meninos e meninas pelas periferias de Assunção. No Brasil, era comum atribuírem aos adoradores do Diabo, o sacrifício de crianças. O fantástico a costurar a mentalidade do povo.
Pela época da emissão da minha primeira identidade, eu vivia uma fase mais tempestuosa do que o normal. Adolescente, estava mudando de parâmetros para entender a Realidade “real”. Estava me tornando vegetariano e sentia que o mundo era um teatro com personagens que mal sabiam os papéis que interpretavam. Eu tentava sobreviver em meio à incompreensão dos outros quanto às minhas opções de vida. A cara amarrada da foto, era a que carregava exteriormente. Meses depois, devido ao choque alimentar advindo do vegetarianismo, fiquei tão magro que a foto de Reservista era a de um “aidético”, acunha que cheguei a ouvir nos Anos 80, época do início da chamada “peste gay” – apenas para historiar mais uma locução preconceituosa do povo brasileiro.
Um salto no Tempo e revelo esta foto que foi tirada digitalmente para a feitura de minha Carteira de Estudante para passar nas catracas da Faculdade de Educação Física na UNIP, onde comecei o curso de Licenciatura, depois Bacharelado. Iniciei nas turmas de meio de ano, em 2009, junto a uma maioria de garotos e garotas que buscavam uma profissão ligada á atividade física em suas várias vertentes – academia, esportiva, como personal trainer – entre outras possibilidades. A minha intenção era a de compreender o meu corpo após o advento da Diabetes, em 2007. A eventualidade de uma futura profissão era remota, mais havia. Fui incentivado pela Tânia, que considerava que estava sofrendo uma espécie de “síndrome do ninho vazio”, depois que as “minhas meninas” iniciaram a despedida do ninho.
Esta é a “facetta” que apresento na minha atual carteira de Registro Geral. De dez anos antes, creio ter sido a que destaca a fase mais interessante em termos de realizações pessoais e profissionais. Os meus anos cinquenta compreendeu a formatura em Educação Física, a entrada na Scenarium como escritor e minha afirmação profissional com a Ortega Luz & Som. Um pouco antes de completar os sessenta, sobreveio o 2020 pandêmico. Teria várias situações inéditas a enfrentar. Histórias não faltam…
Esta foto é a que está na minha Cédula de Identidade Profissional do Conselho Federal de Educação Física, expedida em 2014. Comecei a raspar a cabeça por vários motivos. O mais óbvio, a questão da praticidade, já que não tinha tempo para nada, incluindo o de tentar tornar apresentável o cabelo cheio de redemoinhos e falhas devido à calvície galopante. Mais tarde, devido à desproteção capilar, comecei a usar chapéus, boinas e bonés. Proteção contra o frio ou o sol, acabou por se incorporar á minha imagem usual.
A imagem acima é a da Credencial Plena do SESC. Há outras depois dessa, mas apenas digitais, enviadas via a Internet. Presa a um cartão, é a última. Mostra o provecto senhor com um sorrisinho bacana de quem não precisa provar nada a ninguém a não ser a si mesmo. De 2017, demonstra que o branco tomou conta do corpo e da alma. Mal sabia eu que ainda o mundo nos mostraria que nunca devemos deitar sobre os louros, que a Realidade não nos deixa de surpreender.
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