20 / 10 / 2025 / Dia Do Bendito Maldito

de onde vem essas comemorações
que tentam preencher vazios
e recuperar memórias
relembrar ações
e homenagear quem as comete?
quem hoje em dia ainda considera um poeta
alguém que deva merecer menção honrosa
diante de tanta gente que opera coisas reais
como teclados que acionam números
decretam a vida ou a morte ou a morte em vida?
na avalanche de necessidades óbvias
e outras inventadas mais atraentes e insinceras
o que levaria a uma pessoa elogiar
um ser que desvia pensamentos para além
do querer sobreviver?
bendizer um intruso que transcende as horas
que não caminha com as hordas
pária entre os vivos
renegado entre os mortos?
as coisas são o que são
mas o que são as coisas que não são?
quem busca saber o que não é
ainda que seja mais belamente imperfeito?
por que a matemática da existência residiria na datação
do nascimento o dia da formatura o do casamento
do infarto do infausto da morte marcada?
quem vai mais adiante ou mais profundamente
para o que não postulamos como matéria digna
de nota e notação?
por que há malditos que procuram a benção
no que não é possível ou explicável
a falta em vez da sensaboria de estar em homeostase?
o poeta é um bendito –– aquele maldito disfarçado de anjo ––
demônio onde busca a dor da palavra ausente
contra a paz do verbo inatacável
poesia está em tudo e prová-la
é um veneno insidioso que questiona idades
e corporações
grupos do bom senso e defensores da exiguidade
seja firme mate para defender sua estupidez
resista à exploração de sua grandeza
não o queremos questionador mas conformista
mais do que acumulador um estoquista
tudo o que ganhar o fará perder a sensibilidade
porém será plenamente útil
não diga sim às diferenças e às muitas identidades
permaneça na linha reta do que é torto e abissal
queira a felicidade da ignorância e da dubiedade
rejeite totalmente a multiplicidade
compre a esperança em cada algo que adquira
sinta-se simplificado moldado e pacificado
mesmo que não se perceba pacífico
não atormente a sua alma com dúvidas
não veja a beleza da flor
não almeje a libertação da dor
apenas porque nada está bem não queira saber
olhe no espelho e se diga lindo feito dorian gray
recolha seu retrato antigo para que engane
a si mesmo que com o novo filtro está melhor
filtre toda a palavra que lhe cause hesitação
incerteza ou estranheza
viva à espera da nova estação
cada vez menos desejada porque a velhice
de espírito lhe abateu aparou arestas
e finalmente ambicionará a morte como o maior bem
não leia até o final estas linhas escritas
por um bendito maldito que apenas quer lhe causar o mal
da insatisfação que nunca será saciada.

21 / 09 / 2025 / Paulo Freire*

Por ocasião do aniversário de Paulo Freire, em 21 de Setembro de 2021, publiquei no Facebook um texto que repercutiu de uma maneira que me fez entender o quão profundo era o buraco escuro em que nos metemos ao eleger um sujeito despreparado e mal-intencionado para o Executivo do Governo Federal. Aliás, melhor dizendo, a eleição talvez tenha sido consequência da personalidade de País de espírito escravista que nunca deixou de existir e encontrou ressonância no discurso do sujeito eleito. Vamos ao texto:

“Feliz aniversário do pensar e do pensador! Cem anos deveria ser tempo suficiente para celebrarmos o pensamento que nos libertaria dos grilhões da ignorância imposta se tivéssemos feito a lição de casa. Para percebermos a diferença entre o que é um pensamento sólido e outro baseado em mitologia. Mas somos um povo que foi sendo deixado na ignorância, apesar de termos um dos maiores pensadores sobre a educação entre nossos filhos. Atacar o pensamento e o pensador é a tática fácil e perniciosa de quem está satisfeito com o que temos hoje — um País rico de gente pobre material e mentalmente, que elege salvadores da pátria sem pensamento crítico, estruturado e em permanente reestruturação. Pensar não nos livra das dores de viver. De certa maneira, as evidencia. Porém, sem sabermos da doença não há como curá-la. Interessados em deixar que a nação continue enferma para se arvorarem de médicos é de interesse de muitos, em todas as vertentes. Não estarei aqui para ver um país melhor. Deixamos a nossos filhos um legado pesado. Salve, Mestre! A benção, Paulo Freire!”

A reação ao que está escrito acima foi intensa, em vários sentidos. Tanto a favor quanto contra. Os ataques ao maior educador brasileiro, reconhecido em todo mundo como um dos mais proeminentes, foi descomunal. Sem entender de início, percebi que pessoas que não faziam parte do meu círculo imediato de contato, começaram a reproduzir em comentários que percebi serem estruturas com a mesma linguagem e viés. Foi com essa experiência que identifiquei uma espécie de direcionamento estruturado para desvalidar as questões que envolviam a Educação e a Cultura. Tanto quanto se pode observar no que está acontecendo nos EUA atualmente, existe uma estratégia montada nos laboratórios da Extrema-Direita com sede exatamente naquele País, principalmente pelo grupo de Steve Bannon.

Durante o tempo do (des)governo do Ignominioso Miliciano, o Brasil serviu de campo de atuação desse movimento que renuncia às criações humanas no campo do Conhecimento, Pensamento e Cultura para aderir a uma política em que o populismo utiliza as mesmas estratégias criadas no bojo do Nazifascismo do Século passado. Cem anos passados desde então, ideias e sentimentos que estavam supostamente enterrados, ressurgiram após a ascensão do agora condenado por tentativa de Golpe de Estado. O seu grupo continua mobilizado para manter o “legado” de cunho retrógrado. Cumpre estarmos sempre atentos.

BEDA / Fernanda Young*

Em 2019* escrevi: “Precisamos sempre confirmar a beleza, mesmo que haja momentos que não a toquemos. Como o crepúsculo de hoje, após dias nublados, ainda que nos faça lembrar que nosso país esteja a arder em chamas. Para Fernanda Young.”

Parece que após os eventos inaugurados um ano antes, em que por uma série sortilégios e atividades subterrâneas ligadas às instituições comandadas por asseclas, ascendeu um movimento que jazia no esgoto da Sociedade brasileira e que eclodiu feito vulcão de dejetos ideológicos, vindos diretamente de nossa tradição de País a ser o último a declarar o fim da Escravidão, oficialmente.

Formas de aprisionar parte da população continuam em atividade e quaisquer iniciativas que visam desmontar o sistema escravista — agora mantido através de baixos salários — são atacados por todos os lados, incluindo setores supostamente independentes, em tese, como a imprensa “oficial”. Para os que escapam do que seja correto, restaria a prisão, mas ela é utilizada para encarcerar a população mais diretamente afetada pelo Sistema.

Na época do enunciado acima, a notícia do passamento de Fernanda Young me deixou um tanto abalado, aliado ao fato de estar cada vez mais surpreso ao perceber o quanto boa parte de nossa população tinha abraçado ideias tão antiquadas que deixariam George Orwell estupefato por ver as suas previsões serem demonstradas, ao estilo de 1984, de forma tão canhestra. Pessoas como Young, sensíveis, inteligentes, antenadas, sofreram muito durante o tempo que o Ignominioso Miliciano percorreu a vida brasileira com as suas ações de cunho fascista.

Mas a sua presença em liberdade continuou a estimular a propagação da ignorância como algo a ser elevada à condição de predicado a ser comemorado. E então, seguidores dessa tática de desmonte da sanidade como linguagem atraente para tantos, com a mentira como mantra comandante das estratégias de suporte, mais novos e preparados para atender às expectativas daqueles que preferem “tiro, porrada e bomba” em vez de argumentos cabíveis para a intermediação de conflitos, se sobressaem. Temos percebido esse fenômeno acontecer ao observar os novos candidatos às próximas eleições municipais de 2024.

Fernanda Young não merecia ver o que aconteceu após o dia 25 de Agosto de 2019, dia de sua partida. Talvez tenha sido o único benefício de vermos uma das vozes mais incisivas da nossa geração nos deixar órfãos de seu talento.

Vilões*

O texto abaixo é de 2013. Poderia ter sido escrito atualmente. Eu o denominei de “Vilões”. Até então, eu não havia atentado para a origem do termo “vilão”. Vilões eram os habitantes das vilas que cercavam os castelos, compostos de pessoas mal vistas por quem ficava protegido entre as muralhas. Ou seja, nas vilas viviam os trabalhadores mais simples ou mesmo sem função, os despossuídos de bens, caçadores, colhedores, agricultores. Quase similarmente aos favelados dos dias de hoje, vistos da mesma forma por aqueles que dominam a maior parte da riqueza, encastelados em seus condomínios.

Que saudade de quando os nossos piores vilões eram tão melhores dos que hoje vicejam em nosso noticiário! Eles estão no cotidiano de três dias do Congresso Nacional e no trabalho full-time dos ladrões do nosso erário! Nos assaltos dos pés-de-chinelo, que mesmo assim, já estão armados com um berro de numeração raspada e na ação na surdina dos sofisticados hackers da web. Nas notas de rodapé de pais que matam os filhos, quando não são os filhos que decidem fazê-lo primeiro. É claro que sempre houve crimes na História do homem! Desde o Gênesis, convivemos com a nossa maldita herança! Somos filhos de Caim! Mas a nossa santa inocência contrabalançava um pouco o mal que grassava pelos campos onde os lírios floresciam. Enfim, parece que na verdade, estou com saudade de mim mesmo… Percebo que viver na ignorância chega a ser uma benção!

Na imagem, os vilões Pinguim, Charada, Mulher Gato e Coringa da série da TV, Batman, do final do Anos 60.

A Revelação*

Os misteriosos caminhos da Sabedoria são normalmente tortuosos. Não é por outro motivo que a maioria das pessoas prefira permanecer no caminho reto da ignorância. Além do que, não são poucas as ocasiões em que a ignorância demonstra ser uma benção…

Por que saber demais se, ao final de tudo, acabamos por descobrir que quase nada sabemos? Enquanto isso, na busca da Sabedoria, o homem “inventa” a roda e a pólvora, atravessa os mares e funda civilizações, desenvolve a comunicação e se isola com seus “telefones espertos”, cura doenças e descobre como matar eficientemente…

Vez ou outra, nos deparamos com a ilusória sensação da onisciência ou o real ônus da Ciência… e com revelações, como esta que vi na parte detrás de um banco de ônibus. Não sei se pela urgência em escrever ou pela trepidação comum à nossas ruas irregulares, ela me parece quase indecifrável na parte final. Gostaria que alguém me ajudasse a desvendar: “O mal do homem é sempre agir…”?…

*Neste texto de 2015, postado no Facebook, a resposta mais plausível tem a ver com uma frase mais longa. Foi dada pelo companheiro escritor-poeta Joaquim Antônio: “Se conselho fosse bom, não se dava, vendia. O mal do homem é viver na judaria”. Nesse caso, seria agir como Judas Iscariotes, apóstolo traidor de Jesus. O que é incrível é que esse discípulo apenas estava cumprindo as linhas traçadas antes. Alguns defendem que ele queria que O Nazareno usasse seu poder para expulsar os Romanos da Judéia, ou seja, seria uma ação política. De qualquer maneira, passados mais de dois mil anos, os impérios surgem, erguem-se e desaparecem e os vendilhões do Templo-Terra negociam tudo no balcão de negócios – conselhos, florestas, solos, mares e espaço – não apenas por trinta Talentos, mas por qualquer quantia.