03 / 11 / 2025 / Blogvember / Deslizar De Alegria Nos Cortes Que O Silêncio Impõe

caminho por ruas calmas de uma primavera indecisa
como são todas primaveras
não é a toa que nasci em outubro
a estação parece mimetizar a minha personalidade em desatino
ou sou eu a imitar suas preferências titubeantes
entre chover ou queimar as cabeças dos transeuntes
com o sol a pino
passo por casas antigas que imitam um tempo passadiço
por algum motivo lembro de minha mãe
deslizo de alegria nos cortes de alegria que o silêncio impõe
numa época que o novo deus é chamado de inteligência artificial
numa delas um velho casal se surpreende por sua cachorrinha vir em minha direção
abanando o rabo como se me conhecesse de outra vida
perguntou a ela (não a mim) se já me conhecia
respondi que talvez tenha reconhecido a minha aura
massageei o seu pescoço de pelo cor de cobre com um carinho paternal
fui pai de outros tantos durante toda a minha vida
que não duvido que ela seja a reencarnação de um deles
mais à frente passo por um jardim composto com requintes de simplicidade
duas rolinhas se posicionam descansando da faina de trazer alimento para os filhotes
parei para observá-las se deixaram fotografar
registrei como quem escreve uma cena de uma tarde que arrefece
entre o tudo e o nada
direciono o meu olhar escolho a composição da página
eternizo o verso e reverso do casal de poesia alada…

Participação: Lunna Guedes / Mariana Gouveia

23 / 04 / 2025 / BEDA / Dia Do Livro*

Hoje é o Dia Mundial do Livro. Se bem que modernamente possa ser acessado por equipamentos eletrônicos — como computadores, tablets, celulares e, mais especificamente, ebooks — o objeto livro, por si só, é algo simples. Primitivamente, são páginas de papel unidas umas às outras que expressam mensagens imagéticas e ideias por imagens e/ou palavras. A estas últimas as quais me filio como escritor, rendo as minhas homenagens. Principalmente neste momento que há um projeto para taxação de publicações literárias por considerá-las elitistas. E se isso acontece é porque o investimento na Educação tem declinado gradativamente. É como se fosse o paradigma do biscoito ao contrário: como a Educação é elitista, os livros — instrumentos fundamentais do ensino — também devem ser. Considerando que a leitura é um dos eficazes expedientes para o desenvolvimento do aprendizado e do conhecimento, a formulação do projeto deveria ser o oposto.

É o empobrecimento da Educação como projeto de separar os bem-educados dos que irão servi-los. No livro que tenho à mão na foto — a coletânea de setes escritores com sete textos cada, chamada Sete Pecados — há um texto meu chamado Governante Supremo, em que o referido personagem odiava a Literatura. Seu projeto secreto é o de tornar a todos equalizados a um nível menor de inteligência. Em certa passagem, está expresso: “Ao contrário do que se propagava de que uma imagem valesse por mil palavras, intimamente sabia que uma só palavra poderia equivaler a mil interpretações diferentes, se o leitor tiver capacidade de interpretação aprimorada. Como evitar que uma comunicação simples ou ordem direta não fosse corrompida por pensamentos espúrios quando se escrevesse ou lesse a palavra ‘amor’, por exemplo?”

*Texto de 2021, por ocasião do desgoverno do Ignominioso Miliciano.

1º / 04 / 2025 / BEDA / Inteligências & Mentiras

Há muita controvérsia a respeito da Inteligência como algo mensurável — usam-se métodos para identificar pessoas mais e menos inteligentes através de testes como Q.I., por exemplo. Pelas experiências comportamentais percebeu-se que ser “inteligente” não era suficiente para desenvolver relações saudáveis de convivência. Começou-se falar sobre Inteligência Emocional, que seria a aptidão de alguém que mesmo sem ser capaz de solucionar problemas intricados, consegue lidar com situações complexas no contexto social. Assim como a Inteligência Prática, que se dá quando as pessoas conseguem ter habilidades que as qualificam para a realização de tarefas cotidianas pertinentes.

Quaisquer dessas Inteligências podem ser desenvolvidas através de estudo aplicado e/ou treinamento, supostamente. Requerem condições básicas como um bom ambiente (equilibrado) de aprendizado, aplicação, força de vontade para estudar para que um ser humano alcance alguma excelência. Porém, com o advento da Inteligência Artificial, encontramos a situação inédita de que um processador de dados produzidos por seres humanos que mimetizam o seu comportamento em respostas dadas quando consultados. Não é difícil acontecer de haver desenvolvimento de um vínculo emocional entre a pessoa que utiliza a I.A. e o aplicativo. Até é difícil deixar de “humanizarmos” algoritmos e sequências de signos estimulados por nós a responder sobre nossas demandas.

Quando encontramos aparelhos como Alexa que “conversa” com seu interlocutor, tendemos a estabelecer parâmetros de afeição com algo tão presente como seria um amigo em momentos de solidão. Em “Ela”, de 2013, a personagem Theodore, um escritor solitário, leva ao patamar de envolvimento amoroso a sua relação com o sistema operacional, sendo “virtualmente” correspondido. A afetividade entre as pessoas parece estar se aproximando de uma zona cinzenta em que a desconfiança, a insinceridade, a precariedade da verdade como baliza dos relacionamentos, em que as emoções são distorcidas, os sentimentos são extremados e as paixões são doentias.

Correu o Mundo que a A.I. do X, ao ser questionado sobre o principal divulgador de “desinformações” — eufemismo para “mentira” — ao que Grok respondeu que o seu criador, Elon Musk, é o maior “mentiroso” do X, através de aferições de seus seguidores. O que talvez possa até ser uma espécie de “boa propaganda” de sua capacidade de isenção. Para aquele que foi acusado será mais uma chance de ganhar muito dinheiro. A sua exponencial inteligência para operar dentro do Sistema que é, basicamente, a utilização de todas as ferramentas possíveis para o enriquecimento de quem o manipula, o torna admirado por quem reza por essa cartilha opressiva.

Aliás, a sentença de Goebbels de que “uma mentira dita mil vezes se torna uma verdade” acaba por ser a norma do comportamento de muitas pessoas através da facilidade de conexão ao mundo virtual, acessado por qualquer um que esteja conectado à imensa rede da Internet. Versões de muitas verdades tornam a apreensão da realidade um tanto fugidia por boa parte das pessoas que, de certa maneira, já carregam convicções que assemelham ao àquela falsidade. Adotando aquela verdade, que já faz parte de sua compreensão de mundo, ainda que não tenham provas óbvias.

Tânia*

Tânia e eu, em 2018, completamos mais de 30 anos de mútuo “conhecimento”. Quando convivemos com alguém por tanto tempo, talvez possamos identificar certas características básicas e dizer: essa é fulana. No caso dela, eu diria que ainda se conseguisse elencar todas as suas capacidades, talvez não fossem esses os dados pelos quais ela gostaria de ser reconhecida como ser humano. Apesar de sabê-la capaz de várias ações, em várias frentes, algo me diz que os cursos que fez e competências nas diversas áreas de atuação não é o reconhecimento que quer.

Mulher do interior do Rio, soube enfrentar São Paulo e desvendá-la, a ponto de talvez conhecê-la melhor do que eu, que nasci aqui. Conseguiu avançar em proficiência e qualidade em sua atividade na área da Saúde, comprovada e certificada. Chegou a atuar no órgão máximo regional de sua profissão e continua a trabalhar, agora nacionalmente, para a melhoria das condições de trabalho de seus pares. Mas ainda acho que não seja por isso que gostaria de ser lembrada.

Sendo uma mulher de opiniões fortes, que não se escusa de colocar o que pensa, encontrou oposição e refutação às suas colocações. Combateu o bom combate de ideias sempre com clareza de posicionamentos e inteligência. Mostrou aptidão para saber conciliar as partes envolvidas em vários embates e não foge à luta quando é chamada para tal, defendendo quem com ela estiver ao lado. Por isso talvez seja rememorada, porém não creio seja apenas por isso que seu nome ecoará por ouvidos de combatentes futuros.

Ao acompanhá-la de perto por todos esses anos de convívio íntimo, percebi que ela tem mudado a perspectiva com a qual visualizava a vida, antes. Garotinha impedida de ter cachorros por seu pai, hoje se compadece por cada cãozinho que vê ao relento, perdido por aí. Começou a se aproximar de nossas amigas plantas e tem percebido cada vez mais fortemente que elas retribuem em energia o amor que a elas devota. Suas conversas têm sido cada vez mais frequentes. Mãe abnegada, com a mesma facilidade que briga com as nossas meninas — Romy, Ingrid e Lívia — se desdobra para realizar como puder suas necessidades e desejos. Acho que mora definitivamente nos seus corações.

Por fim, o que poderia dizer este seu companheiro de jornada em mais da metade de nossas vidas senão que nosso amor tem evoluído para formas simples/complexas de manifestação. Pode ser o mimo mínimo, apenas para agradar ou o esforço sem medida para fazer concretizar um sonho maior, como deixar nossa casa um lugar aprazível para recebermos amigos e amigos das filhas. Ainda temos arranca-rabos e terminamos muitas vezes como lagartixas que se recolhem no mesmo ninho, a espera que nossas partes perdidas voltem a crescer mais fortes. Enquanto tivermos essa dinâmica entrópica que criamos para sermos inteiros numa relação una, seremos um casal que se importa um com o outro.

Tenho certeza que é pelo amor que a Tânia tem espalhado pelo mundo ao cuidar, como Enfermeira, daqueles que sofrem, os curando ou, minimamente, aliviando suas dores, que terá o seu nome reconhecido. Pelo amor dos nossos amigos cachorros que receberam abrigo, alimento e carinho em sua casa, muitos que depois foram para outros lares e os que estão conosco que receberá lambidas eternas em seu coração. Pelo amor que devotou a quem está próximo, tão próximos que já não sabem viver sem ela em suas vidas.

*Texto de 2018, por ocasião de seu aniversário, a 24 de Novembro.

BEDA / Juventude

Seu nome é Jovem, nasceu assim
Desde sempre, impulsiva, contagiante
Caminhou pela linha tênue da controvérsia
Cristã e sinuosa, em mente e corpo
Ultrapassou os limites territoriais
Não se baseia por regras normais
Invade a cabeça de desavisados
E as transtornam ainda que sejam alertados
Se entregam à sua arte e poder
À sanha de misteriosa fêmea
Avança com a serenidade de predadora
Dona de si, da matilha a voz
Que espera o chamado em que falta a fala
Reverberando os uivos em escala
Causando a mudez com a qual cala
Quem se vê abatido por seu perfil de algoz
Não percebe sua inteligência e ardil
O faro para enredar a presa
Que alegremente se deixa abater
Que entrega o endereço e a oferta
Tudo para vê-la descoberta
Em meio às curvas e movimentos
Mal percebem que a sua maior força
Que devora dores, entrega prazeres
Os seus olhos devoradores…

Foto por Andrew em Pexels.com

Poema constante de BEDA: Blog Every Day August

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