Longo Mal Súbito*

Genival Jesus Santos (Arquivo pessoal)

ronco de motores rodovia movimentada
motoqueiro fantasma sem capacete
deve ser parado pária da sociedade
calção chinelos camiseta pobre
desce do cavalo se posiciona com respeito
aqui é autoridade autoritarismo
práticas de tempos passados
por chefes no poder incensados
não reclama não fala se cala
continua sem voz além das muitas na sua cabeça
tomo remédio olha as cartelas
não queremos saber você é fora da lei
eu só quero respeito não cometi crime nenhum
está sem capacete nós estamos protegidos com os nossos
somos senhores da vida e da morte
você deve aprender e quem nos observa também
fica assolado no chão nossas botas na sua canga
vamos aplicar a nossa sentença
culpado por ser brasileiro
sem rumo
sem ganho
sem profissão
para ganhar o pão
um verme como tantos outros
porque essa tortura?
queria voltar para a casa
vai para a nossa casa ambulante
receberá a lição estamos em guerra
contra quem nos interpõe
representamos o topo do poder
nunca mais repetirá a ousadia de contestar
mataram mais de vinte no Rio
um a mais ou a menos
não sou bandido sou trabalhador
tenho família filhos pai mãe primos
todos tem
ratos que se multiplicam
olha a nossa viatura
a chamamos de carro de dedetização
eliminamos pragas as degustamos com pimenta
me tirem daqui
me desamarrem
abram a caçamba
não sou lixo sequer indigente
sou gente
ah! meus filhos mulher não estou aguentando
me perdoem
não consigo respirar
estou deixando a escuridão
vou para um lugar sem luz
e sem resposta
mesmo sendo de Santos Jesus
até quando?

Umbaúba, Sergipe, em 26 de Maio de 2022 – dois anos depois da morte George Floyd em outro Hemisfério e outro “não consigo respirar”…

*Poema produzido em 2022, sob os auspícios de tempos obscuros.

BEDA / Humanos*

A minha luta constante, interna, é contra a Vaidade (mental, não física) e o Egoísmo. Inveja, presumo não ter. Pelo simples fato de que eu, sendo eu, não posso desejar ter o que o outro tem, na aparência, sem saber o que outro vive profundamente. E eu prezo muito a minha profundidade, muitas vezes indecifrável para mim mesmo.

Eu, sendo um mistério em meu âmago, quero continuar a me descobrir. Em conversa informal com a Romy, me dei conta de uma coisa muito simples e que, por isso mesmo, me era quase invisível: se desejo o Bem para a Humanidade, devo necessariamente desejar o meu próprio bem. Não devo considerar a isso como Egoísmo, mas como Altruísmo. E desejar o bem-estar do próximo em mim mesmo, o ser mais próximo de mim, é só o começo.

Se eu não estiver bem, não há como compartilhar o bem-estar. Se estou sofrendo, não há como enxergar a Paz para além do imediatismo limitado pela dor a ser superada. Para amar ao próximo como a mim mesmo devo, antes de tudo, amar a mim mesmo e, em mim, a minha humanidade. Que todos tenhamos um dia melhor. Que todos possamos nos valorizarmos individualmente e nos amarmos coletivamente. E humanamente…

*Texto de 2021. O discorrido acima parece ser de uma obviedade “ululante”, como diria Nelson Rodrigues, mas preocupado em que estava em vencer o meu alheamento a muitas situações cotidianas, incluindo pessoas, me feria o tempo todo, aceitando o sofrimento de bom grado, como se fosse uma punição bem vinda. Mais um sintoma de Vaidade, eu diria. A recomendação feita por Jesus de Nazaré aos seus seguidores — “ame ao próximo como a si mesmo” — relativamente pouco tempo antes me pareceu evidenciar que a primeira parte da sentença só teria valor se eu me amasse de modo a espelhar e espalhar esse Amor para outro, compreendido como partícipe da minha jornada rumo ao autoconhecimento.

Participam: Danielle SV / Suzana Martins / Lucas Armelim / Mariana Gouveia / Lunna Guedes / Alê Helga / Dose de Poesia / Claudia Leonardi / Roseli Pedroso

13:13*

Para aqueles que dizem ter fé, que se dizem cristãos, que têm esperança em Jesus – sinônimo de amor –, mas não suportam quando o amor se pronuncia seja de que forma for.

Para aqueles que preferem seguir ídolos com pés de barros, ignóbeis que se pronunciam em nome do Mestre.

Aquele que não busca Deus dentro de si, mas O coloca acima de todos, sem intimidade ou conexão, como algo inalcançável. Quando expressa que o Brasil está acima de tudo, esquece de informar qual país é este, mas sabemos que deseja um longe dos brasileiros comuns.

Claro favorecedor de brasileiros de perfis claramente identificáveis – senhores de engenhos em pleno Século XXI. Muitos vivem nas metrópoles, tantos outros, nos condomínios do Interior e os piores são os quase indigentes, que pagam aluguel, compram carros a prestações a perder de vista e defendem o status quo como se pertencessem à elite – a faixa mais atrasada em termos culturais. Aliás, a exemplo de uma frase supostamente dita por Herman Göring, chefe da Gestapo e braço direito do Führer (ídolo do Ignóbil Miliciano) – “Quando ouço alguém falar em Cultura, saco o meu revólver” – esses tipos tentam simplificar a expressão ao mínimo de sofisticação, copiam o que lhe parecem mais vistoso, com brilho excessivo e pouco valor.

Como já disse Isaac Asimov: “O anti-intelectualismo tem sido uma ameaça constante a se insinuar em nossa vida política e cultural, alimentado pela falsa noção de que a Democracia significa que ‘a minha ignorância é tão boa quanto o seu conhecimento'”.

É como se todo o progresso tecnológico que operou as mudanças que permitiram que imbecis se pronunciassem e ganhassem alcance seja, ao mesmo tempo, renegado como algo perigoso para os seus planos hegemônicos. Assim como as vacinas tomadas pelos mesmos que a atacam.

Mas, como na frase em destaque, maior é o amor e venceremos pelo amor!

*Texto-declaração de voto, escrito e publicado no Facebook em 28 de Outubro de 2022.

A Revelação*

Os misteriosos caminhos da Sabedoria são normalmente tortuosos. Não é por outro motivo que a maioria das pessoas prefira permanecer no caminho reto da ignorância. Além do que, não são poucas as ocasiões em que a ignorância demonstra ser uma benção…

Por que saber demais se, ao final de tudo, acabamos por descobrir que quase nada sabemos? Enquanto isso, na busca da Sabedoria, o homem “inventa” a roda e a pólvora, atravessa os mares e funda civilizações, desenvolve a comunicação e se isola com seus “telefones espertos”, cura doenças e descobre como matar eficientemente…

Vez ou outra, nos deparamos com a ilusória sensação da onisciência ou o real ônus da Ciência… e com revelações, como esta que vi na parte detrás de um banco de ônibus. Não sei se pela urgência em escrever ou pela trepidação comum à nossas ruas irregulares, ela me parece quase indecifrável na parte final. Gostaria que alguém me ajudasse a desvendar: “O mal do homem é sempre agir…”?…

*Neste texto de 2015, postado no Facebook, a resposta mais plausível tem a ver com uma frase mais longa. Foi dada pelo companheiro escritor-poeta Joaquim Antônio: “Se conselho fosse bom, não se dava, vendia. O mal do homem é viver na judaria”. Nesse caso, seria agir como Judas Iscariotes, apóstolo traidor de Jesus. O que é incrível é que esse discípulo apenas estava cumprindo as linhas traçadas antes. Alguns defendem que ele queria que O Nazareno usasse seu poder para expulsar os Romanos da Judéia, ou seja, seria uma ação política. De qualquer maneira, passados mais de dois mil anos, os impérios surgem, erguem-se e desaparecem e os vendilhões do Templo-Terra negociam tudo no balcão de negócios – conselhos, florestas, solos, mares e espaço – não apenas por trinta Talentos, mas por qualquer quantia.

Desvarios Vários E Variados

Lunna, cara mia,

sou daqueles que também envida esforços tremendos para manter a mente no Presente. Porém, tenho plena consciência de que o Passado nos atravessa hoje paralelamente ao agora, assim como o Futuro se mostra evidente neste momento que estamos vivendo. Como somos analfabetos na sua língua, mal conseguimos ler o que se apresenta evidente e que apenas logo mais ficará claro. Como observador da vida, é verdade que acerto muitas vezes o que ocorrerá, porque quando colocamos em movimentos certas forças, como num jogo de xadrez, quase inevitavelmente os resultados se apresentam após as peças ocuparem as suas posições. Mas isso não me traz satisfação. Ao contrário, já que temos jogadores de má índole em profusão. São manipuladores de todas as ordens que jogam sujo para obterem vitórias à custa de muito sofrimento.

Nós costumamos comemorar datas marcadas no Calendário nas quais as pessoas pautam as suas vidas. Seguem as festividades sinalizadas na folhinha sem saberem exatamente a razão dessas comemorações. Muitas carregam um simbolismo poderoso, ainda visíveis atualmente. Outras, tiveram seus significados desvirtuados e, mesmo assim, costumam-se soltar fogos em nome de abstrações. Conversamos na última ocasião que estivemos juntos que o dia de hoje me causava assombro quando garoto porque não entendia a intenção de ser saudado como o do nascimento do menino Jesus – sete dias antes do primeiro dia do ano – já que por ele o Calendário se iniciava. Até descobrir que a intenção era vinculá-lo aos antigos calendários pagãos ligados à agricultura e às estações.

O Natal – decretado no Solstício do Inverno no Hemisfério Norte – ganhou através dos tempos uma poderosa marca econômica. Eu, por exemplo, estou em atividade remunerada graças à essa ocasião de congraçamento permeada por recebimento de regalos. A minha mãe apreciava demais essa data e apenas após o seu passamento, comecei a trabalhar nas comemorações dos outros. Nunca mais montei presépios ou árvores de pinus artificiais. As minhas meninas preferem se reunir com os amigos e apenas no almoço do dia 25 nos permitimos estar juntos. Este ano, isso não ocorrerá. A minha sogra está doente e estaremos separados – elas, lá, eu, em Sampa. Quando for viajar para visitar Dona Floripes, elas estarão voltando por conta de compromissos profissionais. Por sorte, não carrego pejo por viver na contramão dessa sacralidade formal e sem sentido.

Agradeço imensamente por Hopper ter nos colocado em contato e ter me “desviado” de meu destino de escritor de si para si. Um sujeito que não estava entre os seus, emprestando momentos fugidios de conexão em salas escuras de cinema, teatros ou bibliotecas em que apenas compartilhava olhares atravessados entre prateleiras. A moça que se sentia no sótão, desvinculada de suas muitas identidades, colocou como propósito escrever e editar escritas. Assim procedendo, invadiu o caminho de incautos que se sentiram inseridos no contexto de um cenário em que livros são tratados como bens artesanais. Hoje, renascido, sei valorizar a natividade.

De seu escritor,

Obdulio.