03 / 12 / 2025 / Carta Ao Velho Que Sempre Fui

Eu nasci velho. Banguela, meu sorriso de menino era de quem suspeitava que as coisas aconteceriam como se fosse uma reprise. Eu, quando comecei a crescer, encarava como se vivesse um dèjá-vu diário. Não era incomum que me imaginasse revisitando situações já vividas. Quando novo, já havia decidido não me casar. Não queria participar de um jogo de cartas marcadas, mesmo porque nunca fui bom em carteado. Aliás, pouco aprendi a viver e a jogar. Cheguei à vida adulta totalmente despreparado para viver sob as regras de um homem maduro. Aliás, quando me vejo em situações de adulto mais velho, como aquele que estou a me tornar, percebo que sou mais sensato do que os que jogam sob as regras do Sistema. A medida é não passar por cima das pessoas para me sentir melhor, como é comum acontecer frequentemente. Tanto no trânsito, quanto nos espaços que frequento como cidadão. Ser homem deveria ser uma vantagem neste mundo, mas como me envergonho muitas vezes de pertencer a esse gênero, tento passar despercebido como tal. É claro que sendo alguém que não se permite deixar de ver as degradações de nosso País, protesto, escrevo textos, converso a respeito, me coloco como antípoda desse processo degradante sob o qual vivemos. Mesmo que soubesse que dificilmente as circunstâncias mudassem radicalmente — estudante de História desde sempre — já tive esperança de que mudássemos de rumo, mas o animal humano não consegue deixar de ser autodestrutivo. É bem possível que essa capacidade nos leve à extinção. O pior é carregar conosco todos os outros seres que compartilham o planeta como residência. Eu sei que podemos desejar nos matar. Já passeei por essa trilha. Sei o quanto podemos visitar a escuridão e o desejo (mas já não mais) de cessar tanta dor.

Registro de 2019, com a presença de Cheetara.

16 / 02 / 2025 / O Jogo Do Amor*

Em *2015, escrevi o texto abaixo que versa sobre o amor romântico. Em 2023, escrevi um texto mais maduro, chamado Amor & Ser, que amplia a discussão sobre o eterno tema sobre os vários tipos de amores.

“Amar é como se fora um jogo. Normalmente, entre dois jogadores apenas. Porém esta é uma imposição por quem nunca percebeu que o jogo do amor é incriado e não apresenta regras formais. Pessoalmente, creio que o desejo de amar seja tão grande, deseja-se tanto participar do jogo, que ninguém sabe porque joga, como não sabe se ganhou ou perdeu quando acaba, já que muitas vezes, os participantes não percebem quando a partida acabou ou apenas se ilude que não, tentando prorrogá-la ad eternum.

Outras tantas vezes, os jogadores mal sabem quando a peleja começa. Outros, declaram que não estão participando da sempiterna peleja, tornando-se dessa forma, um jogador muito procurado, com passe muito valorizado. Se isso é uma arguta tática de jogo ou apenas inocência, o fato é que é comum esse craque marcar gols decisivos. Vencedores, quem o seriam? Como não há regramento, poderíamos dizer que não haja vencedores e vencidos. Mas na aparência, pode até haver, já que os próprios ‘atletas’ estipulam placares pessoais e serão justamente esses que se sentirão derrotados ou vencedores quando fizerem a auto avaliação. São o que chamaria de jogadores ‘profissionais’.

Eu, pessoalmente, acho que sempre ganhamos ao jogar. Como não há regras, podemos querer jogar (amar), quantas vezes quisermos, com uma companheira ou um companheiro, separadamente ou com muitos ao mesmo tempo (jogo perigoso!) ou com o mesmo ou a mesma a vida (campeonato) toda. Este é um jogo tanto ou mais perigoso quanto a outra modalidade. Para sentirmos que estamos jogando bem é necessário que nos reinventemos o tempo todo, buscando novas jogadas, estimulando a parceira ou o parceiro a melhorar o seu jogo, sabendo que mesmo que estejamos com a sensação de perda, será sempre possível revertermos a situação.

Melhor pensando, chego à conclusão (momentânea) que o sofrimento será uma boa medida de nossos ganhos e que se sentirá vencedor aquele que acumular maiores perdas, porque amou demais. Esse é o amador, para mim, o melhor jogador…”.

15 / 02 / 2025 / Um Jogo*

Eu trabalho com eventos. Volta e meia atuamos fora de São Paulo. Em *2016, escrevi, acerca de um episódio na estrada, no retorno de um deles:

“Na passagem da Rodovia Anhanguera (um bandeirante, portanto, violento, para a Bandeirantes (Anhanguera e todos os outros), faz-se uma leve curva, à direita. Ao emparelhar conosco, que estávamos a frente, um grande e pesado caminhão transportador de sementes (algumas delas se chocaram contra o nosso para-brisa) imprudentemente quase nos empurra para junto da murada… Ao nos aproximarmos, pudemos ler na sua traseira: “O jogo está apenas começando”. Quem encara a estrada da vida como um torneio, só tem a perder! E, enquanto joga, esse tipo vai acumulando vítimas (para quem joga, perdedores) pelo caminho. Perdemos todos nós…”.

BEDA / A Paixão Pelo Jogo*

Nesta mesma época, há um ano*, versei sobre a paixão pelo jogo que seria pouco tempo depois regulamentado, com as devidas taxações federais, além de prevenções quanto aos sites serem usados como meio de lavagem de dinheiro pelo crime organizado ou grupos terroristas. A Medida Provisória (MP) nº 1.182/2023 altera a Lei 13.756/18, a fim de regulamentar as chamadas apostas de quota fixa, também conhecido como “mercado de Bets”. Trata-se dos sistemas de apostas associados a eventos reais de temática esportiva. O que deu chance a que atletas fossem assediados para facilitarem resultados em competições do calendário profissional. Como trata-se de uma paixão (no que ela tem de mais doentia), apresenta aquela atração em que o perigo de perder, longe de afastar, atrai os seus apaixonados. Seja que dia for, incluindo os “dias santos”…

Desculpem-me se no Domingo de Páscoa, que para mim o mais importante é celebrar a Paixão de Cristo, venha a colocar algo que supostamente não tenha nada a ver com a data. É que ainda que venhamos a lembrar o verdadeiro motivo desta efeméride, muita gente não deixará de jogar em sites de apostas.

Vejo proliferar anúncios publicitários de jogos de apostas protagonizados por jogadores de futebol e até famosos de outras áreas de atuação. Em meados de 2018 versei sobre o fascínio do jogo como fenômeno nacional, em 82% Jogam. O agravante é que os atuais sites de jogos não são apenas entretenimento, mas lidam com apostas em dinheiro.

É uma espécie de retorno virtual do fenômeno dos Bingos (depois proibidos) que causou várias situações de desespero em famílias que viram seus membros mergulharem em vertigem no fundo do poço, as prejudicando gravemente no aspecto financeiro. E no bom relacionamento entre seus membros.

É sempre bom lembrar aos que se sentem atraídos pelas peças de propaganda que são veiculadas mostrando cenas de pessoas felizes ao ganharem na jogatina que, para haver lucro para os patrocinadores, para cada vencedor, deve haver muitos perdedores.

Foto por Pixabay em Pexels.com

Participação: Lunna Guedes Mariana Gouveia / Claudia Leonardi Roseli Pedroso / Bob F.

Sou Argentina Desde Criancinha

No final dos Anos 60, Dona Madalena e seus três filhos – entre eles, eu – fomos parar em Posadas, capital da Província de Missiones, Argentina. Lá, morava a minha avó paterna, Dona Dora Parodi, que abrigava o meu pai, ativista refugiado do Partido Comunista Paraguaio. No Brasil, estávamos em plena atividade da Operação Condor, que reunia os países dominados por ditaduras de Direita que, coordenados pelo Governo dos Estados Unidos da América, perseguiam, prendiam, torturavam e/ou matavam os seus opositores.

Eu tinha 5 para 6 anos e fui jogado com meus irmãos dois e quatro anos ao meio de uma realidade da qual guardo várias lembranças. Em São Paulo, apesar de pobres, tínhamos uma estrutura razoável. Em Missiones, no norte do país platino, no contexto da região da Tríplice Fronteira – também formado por Paraguai e Uruguai – começamos a utilizar expedientes que nos acostumaríamos mais tarde, quando voltamos para o Brasil: tomar banho de canequinha, usar água guardada em bacias, restrição alimentar. Mas isso é outra história…

Tive muito contato com os filhos de uma moça de origem indígena, assim como o meu pai. A passagem mais marcante ocorreu num Natal em que recebi um cofrinho de plástico em forma de Papai Noel. Hoje, eu sei que foi algo dado com muito carinho. Afinal, aquele pessoal mal tinha dinheiro para comer. Mas eu era uma criança e lá percebei o quanto el pibes eram muito valorizados. Mesmo as famílias mais humildes faziam festinhas para comemorarem os aniversários de seus filhos.

Ficamos cerca de oito meses por lá. Estudando, me dei conta que a nossa volta para cá coincidiu com o golpe militar na Argentina, em 1966, que instaurou um regime de exceção aos moldes do brasileiro, porém mais violento, em um estado de sítio permanente. Retornamos quando se iniciava a minha idade escolar. Na escola, falava espanhol, usava poncho como vestimenta no Inverno e me sentia olhado com desconfiada curiosidade pelos coleguinhas, como se fosse um bicho estranho. Mesmo novo, tinha adotado os cabelos compridos como marca. Ou seja, eu era um pequeno argentino em Sampa.

Esse laço com a Argentina foi se estreitando ao longo das viagens que fazia para visitar a minha avó, até seu falecimento. Inclusive, acabamos, minha irmã e eu, por sermos escolhidos como padriños de nuestro hijado, Luís Sosa, filho de uma amiga da família. Eu, jovem rapaz, caminhava pelas ruas de Posadas e me admirava ao ver en la calles, los niño jugando fútbol. Impressionado com o estilo de toques e deslocamentos rápidos do “toca y mi voy”, percebi a razão da dificuldade do meu São Paulo em vencer os times argentinos na Libertadores da América.

O País Argentina, institucional, tem os seus problemas, mas ao conhecer o povo, sei que merece um alívio no seu sofrimento. Assim como os brasileiros, açoitados pela péssima escolha de um governante que surfou na onda do Negacionismo e de medidas que demonstraram que boa parte de sua população possui uma postura elitista, totalmente avessa à nossa formação multicultural e multirracial. É como se quiséssemos fugir de nossa gênese. Ao mesmo tempo que chamamos de “Menino” o maior ídolo no futebol, nota-se a nossa tendência em absolvê-lo por sua conduta ética dúbia. Enquanto Messi demonstra garra e vontade aos 35 anos, o outro, aos 30 se sente exaurido. Na minha ótica, isso tem mais a ver certa frustração vaidosa. A mesma que um garoto adota ao não querer mais brincar quando não consegue ganhar dos adversários.

Messi deixou de vencer quatro Copas do Mundo. Isso o impediu de tentar novamente? Não! Com certeza, as decepções o tornaram mais aguerrido. Deixar de torcer pelo time do país vizinho de nuestros hermanos argentinos, demonstraria apenas que somos um povo ressentido que, ao não vencer, prefere que o irmão também perca.

Do outro lado, enfrentará um time oriundo de um país com tradição colonial, mas que incorporou ao seu time jogadores de origens diversas, como o craque Mbappé, filho de um camaronês e uma argelina – africanos – o que ajudou a dinamizar o futebol francês. É como se houvesse um processo que aliou a técnica de atletas de origem imigrante com o apuro tático europeu.  Aliás, mais da metade da equipe francesa era composta por descendentes de países colonizados ao final do jogo contra Marrocos. Eu acredito imensamente na assimilação cultural como saída para a convivência entre os povos. Seja pelo Esporte, pela Arte, pela criatividade, enfim.

Ainda que na Argentina o perfil racial seja menos ou quase nada misturado, como um ou outro de origem originária, torcerei pela agremiação sul-americana. Porém, como aconteceu quando a seleção brasileira jogou, não investirei minha emoção fátua na vitória de qualquer um dos dois. Serei um privilegiado expectador do drama. Ao final de tudo, tudo é uma questão de mérito prático – quem fizer mais gols, vencerá – e a minha vida não mudará por causa disso.