Durante muitos anos usamos Kombis como meio de transporte dos nossos equipamentos de som e luz. Meu irmão e eu nos afeiçoamos a elas, apesar de sua difícil dirigibilidade. Esta, na imagem acima, é a Tigresa, mas já tivemos a Gertrudes, a Bailarina, a Tímida… nomes gerados por algum detalhe ou outro como a placa, o “jeito” ou o “comportamento” da Kombi. Sim, porque de certa maneira, elas tinham “personalidades” diferentes. Parece algo meio fantasioso, mas apenas quem teve uma Kombi, sabe do que estou falando. Enfim, esse modelo de veículo participou da vida do brasileiro de tal maneira que quem conviveu com ela, ficou marcado por sua existência e convivência atribulada, mas sempre saudosa. Identificada com a capacidade de sobreviver ao tempo com resistência e denodo, a data de hoje se refere ao primeiro dia de sua fabricação em 1957, na Fábrica da Volkswagen em São Bernardo do Campo-SP.
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Projeto Fotográfico 6 On 6 / Geometrias / Aparências
De início, Geometria é a parte da matemática que estuda rigorosamente o espaço e as formas (figuras e corpos) que nele podem estar. Porém, as suas variadas expressões nos induzem que usar o termo Geometrias não seja contraditório, mas complementar – analítica, plana, descritiva, cotada, elementar, euclidiana, não-euclidiana, espacial ou a de n dimensões. De maneira generalizante, a maioria das pessoas pouco dá importância às questões geométricas, apesar de seus corpos viverem num determinado espaço geometricamente quantificado.
Essa desconexão não as impede de continuar respirando, mas dá bem a dimensão da ignorância que graça entre nós no sentido de entendermos como pouco estamos ligados à beleza matemática da Vida. Todos nós praticamos ações intermediadas pelos elementos geométricos. Apesar de não possuir definição, dão base para eles a reta, o ponto, o plano e o espaço. São noções primitivas de funcionalidade. Dado tantos fatores que estabelecem a nossa vivência em continentes e mares, florestas e montanhas, a vibração vital é modulada através dos corpos incongruentes dos seres vivos geometricamente espalhados pela superfície da Terra – figura arredondada, apesar de opiniões ao contrário –, um dos muitos planetas presentes no Espaço infinito, entre estrelas, galáxias e buracos negros.
Dentre as questões matemáticas mais impressionantes que conheço estão a dos números fractais. São conhecidos como fractais as formas geométricas que se repetem infinitamente em diferentes tamanhos. Ou seja, ao observar-se um fractal em diferentes escalas, é possível perceber o mesmo padrão, ainda que tenha tamanhos diferentes. Esses padrões matemáticos infinitos são apelidados de “impressão digital de Deus”. Os fractais estão ligados a áreas da Física e da Matemática, chamadas Sistemas Dinâmicos e Teoria do Caos, porque suas equações são usadas para descrever fenômenos que, apesar de parecerem aleatórios, obedecem a certas regras – como o fluxo dos rios, o formato de uma montanha ou a formação dos galhos de uma árvore.
São Paulo contém tantas formas geométricas que poderia representar o exemplo típico de confusão visual que mais assusta do que acolhe. Para quem a ama, é atraente e desafiadora. Nesta imagem, colhida em dia de chuva, pela manhã, o caminho em linha reta sempre poderá ser obstruído por uma bela visão… ou por hordas de seres humanos deitados embaixo de alguma marquise, cobertos por panos puídos.
“Longe das cercas embandeiradas que separam quintais, no cume calmo do meu olho que vê, assenta a sombra sonora de um disco voador…”. Eu me mudei para esta região em 1969. No alto dos morros, apenas o verde imperava onde atualmente se observa construções de tijolos aparentes em sua maior parte. São como quadrados e retângulos alinhados em áreas em declive. Engenhos da arte da sobrevivência. Essa região pertencia a uma antiga fazenda loteada em terrenos de 250m², em média. Isso, na parte “plana” do vale, onde podemos ver as casas desta rua, na várzea do Rio Guaraú que em tempos idos inundava a região.
Essa é a Gertrudes, nossa Kombi (em registro de 2013) que, nos anos iniciais do Século XXI, serviu para transportar a nós e aos equipamentos da pequena empresa de locação de equipamentos de som que meu irmão e eu temos para as mais diversas localizações, dentro do Estado e para além da fronteira. Em Portugal, as Kombis são chamadas de Pães de Forma. Basicamente, é um veículo em forma retangular, nada anatômico do ponto de vista do conforto, mas tão funcional que a chamamos de “coração de mãe”, pois tudo cabe nela, se bem posicionado. Um enigma em termos matemáticos… como se fosse um universo paralelo.
O círculo de fogo “lá em cima” gera a energia que nos aquece. Sem o Sol, nenhuma forma de vida neste planeta existiria. A Terra está na distância exata para que não desfaçamos em pó ou nos enregelemos a ponto de sermos estilhaçados feito pedações de vidro. No céu, as nuvens navegam ao sabor do vento, se formam e se desformam ao “gosto” da pressão atmosférica. Carregam partículas que podem se precipitar em forma de gotas d’água. Tudo é forma, aparência, ainda que gasosa ou aquosa.
O Homem não inventou a roda. Apenas descobriu como utilizá-la para se locomover mais rapidamente e para carregar maiores pesos com o auxílio de animais como bois e cavalos, revolucionando a Civilização. Segundo Platão, a roda já existia no Mundo das Ideias, também chamada de Teoria das Formas. Mais cedo ou mais tarde, seria natural que se materializasse. A forma circular é utilizada para vários fins, desde arquitetônicos até mecânicos, além de comparecer como elemento essencial em vários esportes na forma da bola. Neste registro feito em movimento desde as Marginais do Rio Tietê, sugere mais uma pintura do que uma foto de uma roda gigante. Uma das maiores do Brasil, está localizada no Parque Villa Lobos, sendo uma atração turística recente na capital paulista.
Participam:
Mariana Gouveia / Roseli Pedroso / Suzana Martins / Lunna Guedes
Kombis Ou Pães De Forma
“Eu e a outra em minha vida — a velha Matilde — que nos trouxe até o alto da Aldeia da Serra, em evento da Ortega Luz & Som“: foi a legenda que coloquei para identificar esta imagem, de 2013. Kombis tem tido uma participação importante durante toda a minha vida. Produzida de 1950 até 2013, muitas delas continuam circulando por aí. Meu irmão e eu temos duas, utilizadas em nossas atividades profissionais — a feia Tímida e a linda Tigresa.
Quem conhece esta última não deixa de admirar a sua elegância felina. Sim, essas carrocerias parecem todas iguais, mas a depender do ano de fabricação, conservação e “personalidade”, são diferentes. As denominações em outros países se diferenciam igualmente. São conhecidas como Hippie Bus, Hippie Van, Volkswagen Bus, Volkswagen Campmobile, Volkswagen Microbus, Volkswagen Samba, Volkswagen Transporter, Volkswagen Westfalia e Volkswagen Pão de Forma, em Portugal, o meu preferido. Justamente porque a Kombi está diretamente ligada ao meu ganha-pão.
Quando garoto, foi a Gertrudes (a qual em empurrei muito) que papai dirigia que carregava os recicláveis que coletávamos nas ruas. O Sr. Ortega preferia se deslocar para os bairros mais sofisticados porque o lixo era bem melhor em variedade e quantidade. Foi lá que angariei uma parte de minha biblioteca, além de vinis, revistas raras, álbuns de figurinhas e brinquedos. Mas eram os livros que me faziam “perder tempo” quando separava o que seria vendido ou não. O prejuízo não foi pouco. Aprendi a valorizar aqueles objetos com capas duras (ou nem tanto), títulos e páginas como se fossem seres vivos. Mesmo rasurados, os preservava da aniquilação.
Na Ortega Luz & Som, depois de anos utilizando a locação de transporte alheio — normalmente caminhões — para o deslocamento de nosso equipamento, compramos a nossa primeira Kombi — Bailarina. Peruas (outro nome pela qual é conhecida no Brasil) tem a tendência de apresentarem folga na direção. Quem não consegue “pegar a manha” em sua condução, pode até bater. E a Bailarina fazia jus ao nome. Inquieta, apenas o Humberto conseguia manobrá-la. Matilde, a da foto, chegou depois de cinco anos e ficou conosco outros cinco.
Com a chegada da Tigresa, após breve convivência das duas, ficamos apenas com a última. Porém, como fomos multados por ser de passageiros, imprópria para transporte de equipamentos, adquirimos a Tímida, que como o nome indica, além de fechada (furgão), demorou a engrenar em nosso relacionamento mecânico-pessoal. Porque, da mesma forma que nos devolve em eficiência e praticidade, também pode dar dor de cabeça quando enguiça. Ao mesmo tempo, suas peças são facilmente encontradas (a depender da idade) e não são complicadas de serem consertadas.
Para mim, a personalidade da Kombi é feminina — robusta, confiável, corajosa e, quando preciso, impetuosa. Mesmo quando está mecanicamente no limite, sempre entrega o serviço. Apenas uma vez, chegou e saiu do local do evento em cima de um guincho. A exceção que confirmou a regra. Tudo isso, vivencio e continuo a vivenciar sendo passageiro. Não dirijo. Creio que não tenha a habilidade para tal, como a maioria das pessoas pareça acreditar ter. Do alto de uma Kombi, vejo as barbaridades que os motoristas, na condução de suas extensões existências em forma de motor e cheiro de combustível, cometem. Por enquanto, conseguimos chegar e voltar a bordo de nosso veículo preferido. E não vejo (ou não quero ver) o prazo final para que esse relacionamento venha a terminar.
Fora De Órbita*
Ao cruzar a cidade para ir trabalhar, tenho reparado que tem aumentado o número de pessoas com alterações no humor (para pior) e outras tantas decididamente fora de órbita. A variedade de manifestações exacerbadas com desvios de comportamento aos ditos “normais” tem se mostrado bastante amplas e muito peculiares.
Vejo o catador de papel que veste uma espécie de fralda e empurra um carrinho sem rodas, a fazer manobras imaginárias na rua. Tem o malabarista do semáforo que tenta, sem muito sucesso, equilibrar uma chapa arredondada na cabeça. Ou aquele outro que, travestido em um fictício guarda de trânsito em molambos, enquadra os infratores, a anotar em seu bloco de nuvem e caneta de graveto os pecados dos motoristas. Do meu lado, enquanto aguardo a abertura de outro semáforo, ouço e me assusto com o grito lancinante de um sujeito em andrajos que, com dicção perfeita, vocifera: “Por que é que você voltou?”…
Com este último, me reconheço… Porque já vivi tantas histórias de amor em minha imaginação e sofri tanto com os (m)eu(s) personagens, que senti a sua dor… “Por que é que você voltou?”… Mais adiante, passamos por outro maluco no qual também me vejo porque usa um veículo igual ao nosso — uma Kombi — e trabalha transportando objetos assim como transportamos os nossos equipamentos de som e luz. Tanto quanto ele, vivemos na loucura de manter a vida a circular, de acordo com o que “Sistema” (esse algo sem rosto) nos impõe… Enquanto isso, exercito o meu olhar…
*Texto de 2015








