Eu descortinei um padrão no caos. Revelou que nós, paulistanos, de fora ou daqui, somos repetitivos — edificamos as nossas casas em imperfeitas linhas retas. Quando erguemos a nossa imaginação do chão, será sempre em reta sobre reta, teto sobre teto, sempre mais alto, sempre mais raso. Mais do que seria conveniente, vemos ejacular por alguma antena de aço a simetria em distonia e a cor intrometida em berros pecaminosos. O elemento humano apenas constituirá a exceção à regra — o caminho é um papo reto! Vi demonstrado que a quadratura descobriu, por estas paragens, a sua cidadela.
Foto: autoral, da Avenida Paulista vista à partir de um apartamento de um edifício que avança um pouco sobre a calçada.
Querem sempre estabelecer para a beleza um padrão… Por que, se justamente a beleza pode estar na mistura das formas, na variedade das linhas, curvas, retas, círculos… na aparente confusão?…
Querem sempre estabelecer para a beleza, normas… Por que, se justamente o que é bonito, está na mistura das formas, na falta de padrão, na liberdade irrestrita de cores, na variedade das linhas, na fusão das curvas, de retas e círculos… na aparente confusão?…
Imagem: Parede de uma loja de artes plásticas, no centro de São Paulo
Estação Paulista, na Consolação. Estação Consolação, na Paulista.
“Sou paulistano. E antigo… a ponto de ter visto São Paulo sem Metrô. Quando surgiu o primeiro trecho, em 1974, um dos programas favoritos do morador desta cidade era percorrer a Linha Norte-Sul, como era conhecida (antes de se tornar Linha1 – Azul), por dentro dos túneis, apenas pelo prazer de saber-se dentro da terra. Tanto quanto assistir as decolagens e aterrissagens dos aviões no Aeroporto de Congonhas.
Trabalhei na primeira unidade do McDonalds da cidade, na Avenida Paulista, em 1980, quando as estações que se estabeleceriam na “mais paulista das avenidas” eram somente sonhos de prancheta. Para voltar para casa, na Zona Norte, saía às 23h30 do edifício perto da Gazeta e caminhava a pé até a Estação São Joaquim, a mais próxima do local, a tempo de chegar antes do fechamento de suas portas, à meia-noite.
A construção da malha metroviária tem sido uma história com manobras complicadas, com atrasos reincidentes e prazos não cumpridos. Alegam-se vários fatores, desde a topografia acidentada, composição do solo, desapropriações contestadas e dificuldade na dotação de verbas, sendo que o principal seja talvez a volubilidade do dinheiro, que insiste em ser mal-educado, para não dizer qualquer outra coisa que não possa não ser provado, apesar de provável.
Ainda que não consiga conhecer todas as linhas e estações, nunca me senti tão desorientado quanto há uma semana quando, por poucos minutos, me perdi na confluência das estações Paulista e Consolação. Antes que possam alegar sinais da chegada da idade, foi um erro de cálculo totalmente razoável, já que devido ao organograma um tanto desajeitado na construção do Metropolitano, a Estação Paulista sai na Rua da Consolação, enquanto a Estação Consolação desemboca na Avenida Paulista.
O estranho é que apenas nessa ocasião percebi essa troca de nomes das estações. Quando nomearam a Estação Consolação, mais antiga, de 1991, foi pela proximidade, quase esquina, com essa rua que, aliás é maior e mais larga que muitas avenidas em boa parte de seu trajeto, com duas pistas e quatro faixas cada. A inauguração da Estação Paulista só se deu em 2010. “Já que uma ocupava o lugar da outra, por que não retribuir a dádiva?” — Deve ter imaginado algum iluminado.
O fato é que deu um tilt (como no antigo fliperama) no HD do véio aqui e lá estava eu a tentar entrar na correnteza humana na contramão em pleno horário do rush. Tentei por duas ou três vezes. Piorou quando quis ajudar uma jovem mãe que carregava o seu neném no colo, ao levá-la ao elevador. Quando vi que nem conseguia apertar o botão, acabei fechado. Fingi que iria para o mesmo caminho, mas esse ato de solidariedade apenas me reconduziu ao ponto onde havia iniciado o meu último mergulho na procissão de corpos a caminhar com destino traçado, o que não era o meu caso. Finalmente, perguntei a dois seguranças que acabaram por me indicar a saída da Estação Paulista. Quando, com a luz do sol à esquerda, dou de cara com o trânsito intenso da Rua da Consolação, a 200 metros da esquina com a Paulista, atrasado para a minha reunião ali perto, mas que se provou ser mais longínquo que imaginei.
Como a pessoa que eu iria encontrar é daquelas que gostam de indicar até quantos passos deveria dar até onde marcamos, designou que, ao sair da Estação Consolação, eu deveria descer 50 metros à esquerda na Haddock Lobo, o que se provou errado quando, nas mensagens seguintes (às quais não li), passou o sentido contrário. De tudo isso, restou uma caminhada acelerada para cima e para baixo, tantas vezes quanto necessária para ativar a minha circulação sanguínea em dia de temperatura amena. Quando finalmente me foi passado o número do local (talvez por pena de minha esbaforida condição) consegui tomar o rumo certo, ainda que tivesse que atravessar a Paulista na faixa de segurança distante 100 metros para além da rua.
Fiquei a imaginar o que um forasteiro deve sofrer quando são fornecidas informações que acabam por atrapalhar mais do que ajudar para se localizar em um novo espaço. Igualmente, me solidarizei imediatamente com todos confusos que não sabem nem onde estão… e não somos poucos…”
O texto acima é de 2017. Naquele ano, assumi definitivamente que o meu senso de direção era falho. Depois de me perder nessa ocasião, outras vezes emergi em confusas incursões por outras vias públicas e estações de Metrô, como a Paraíso e a Santa Cruz, quase perto da China, de tão profunda. Quanto aos nomes, a explicação que me passaram é que são escolhidos de acordo com pontos notáveis pelos quais as linhas cruzam. Como a Estação Consolação fica próxima a essa rua, esse foi a nomeação mais adequada. Isso, antes da ampliação da Linha 2 – Verde. Ao meu ver, para ajudar na melhor identificação de ambas as estações, poderia haver a troca de nomes. Se a justificativa for a possível confusão que causaria, creio que seria apenas no início. Afinal, é comum nossos políticos alterarem pontos toponímicos com a maior facilidade quando querem homenagear a algum ilustre desconhecido ou um poderoso de ocasião.
Dezembro… luz do sol… calor… mês de festas… Preto no branco, quase não há o que comemorar, a não ser termos sobrevividos a um ano tão doloroso quanto um ferimento à faca. Em tempos em que cada termo ou imagem passa pelo escrutínio ideológico, essa metáfora, por mais inocente que pareça, indicaria pendores aleivosos. Pelo sim, pelo não, não precisa ser faca, então. Vamos dizer que tenha sido tão doloroso quanto o espancamento de um ser inocente com barra de ferro apenas para não tê-lo por perto. Este ano se encerra com dúvidas e incredulidade muito maiores do que quando começou. Fiz previsões para este ano da graça de Vinte Dezoito. Foram publicadas em uma das Revistas da Scenarium Plural – Livros Artesanais. Eu as reproduzirei aqui, até o seu final. Errei muito. Não queria acertar o que acertei.
Por hora, resta aludir às imagens em P&B – tema desta edição do “Projeto Fotográfico 6 On 6” – que consiste em postar seis imagens comentadas publicadas no sexto dia de cada mês, por autores convidados por Lunna Guedes. As fotos em preto e branco são, para mim, estranhamente mais atraentes que as coloridas. Talvez, uma influência direta do fato de ter assistido meus programas favoritos em TVs P&B até meados de 1982, quando minha mãe juntou o dinheiro que tinha e que não tinha para comprar uma TV Colorida para assistirmos a Copa da Espanha.
Ao passar pelo Museu da Diversidade, instalado na Estação República do Metrô de São Paulo, encontrei essas palavras em um dos vários quadros com dizeres espalhados pela parede externa do pequeno e expressivo espaço de resistência da liberdade de ser. Traduz de forma exemplar como somos manipulados para viver por padrões que engessam nossa expressão humana. E como nossos sentidos – físicos e infra-ultra-físicos – se entregam à estereótipos confortáveis e padronizados para interpretar o mundo que nos rodeia.
A luz do sol inclinada na hora do crepúsculo, banha o vale e sua casas. Entre elas, a minha, que se sente calorosamente atravessada. Como o personagem de “Beleza Americana”, que assiste o passeio de um saco plástico ao sabor do vento, eu me perco em devaneios para formar imagens que se diluem em linhas costuradas pela imaginação. O registro fotográfico apenas arranha na superfície a viagem para o tudo ou nada do que vislumbro…
A imagem acima é um atestado do que coloquei acima, sobre preferir tons mais sombreados em contraste com a brancura dos corpos. Neste caso, de cravos vermelhos. O que eventualmente tenha se perdido em cor, ganhou em consistência – peso seria uma boa palavra – quase como se as delicadas pétalas fossem revestidas de ferro.
Normalmente, voltamos de madrugada – eu, meu irmão e nosso auxiliar – dos eventos em trabalhamos na produção com nosso equipamento de som e luz – esta, idealmente colorida. Dia desses, quando choveu tanto em São Paulo que vários trechos da Marginal foram alagadas com as águas do Tietê, passamos transversalmente, a salvo por pontes do Corredor Norte-Sul. Registrei esta ilustração noturna que logo se configurou, como caçador de imagens, em uma das minhas favoritas desde sempre.
Este portão de uma residência aparentemente abandonada é quase um portal do tempo. Não posso ver construções como essa sem reconstruí-las como à época de seus esplendores funcionais. Esta, acima, se localiza no início da Francisco Matarazzo e não duvido que tenha feito parte do patrimônio do próprio Comendador, como quase tudo no vale que a avenida que carrega seu nome, percorre. Esse portal dá entrada a uma pequena vila bastante descaracterizada, com linhas mais retas-modernas-pobres do que as belas-esféricas-sinuosas do passado. As primeiras, preferi cortar da foto.
De início, não via vinculação entre as duas imagens que estão expostas lado a lado. No entanto, a primeira, originalmente em P&B, representa um auto-retrato sem tanto apuro técnico, pois desenhava bem espaçadamente naquela época, ao contrário de anos antes, quando cheguei a me imaginar desenhista e até, pintor. Nada impede que possa me tornar um, algum tempo adiante. A segunda, devido à falta de luz, sombreou naturalmente. Contribuí com um pouco mais de escuridão. No desenho, o queixo é menos largo e o nariz menor do que se tornaram. O rosto, mais preenchido em suas linhas. O olhar, é de espanto. Espanto que carrego até hoje, talvez com os olhos espremidos de quem pensa demais. Além do que relacionei em comum, nos dois registros, uso óculos. Ao contrário do que diz a música, eu nasci de óculos, ainda que tenha começado a usá-los apenas a partir dos 12 anos…