08 / 03 / 2025 / 08 De Março

8 de Março é o dia em que foi instituído pela ONU aquele em que a mulher é reverenciada na busca de seus direitos e da conscientização quanto ao protagonismo de atuação na sociedade humana. Num país em que o número de mulheres que são executadas é galopante por serem mulheres com voz suficientemente forte para dizer “NÃO!”, isso é especialmente importante. Enquanto houver homenzinhos que não conseguem conviver com a rejeição de quem dizem amar, este dia tem que ser lembrado como de exaltação da dignidade feminina como ser humano.

A mulher tem a sua existência precarizada desde pequena num mundo voltado para reverenciar o homem como aquele que deve vir à frente de todas as atividades humanas, restando à mulher assisti-lo, cuidar dele e de sua prole. Quando surgem mulheres que preferem fugir a esses desígnios, são atacadas como objetos descartáveis, indignas por não obedecerem à palavra do Senhor –– um “homem” superior, obviamente. Eu vou num sentido totalmente contrário a esse. Este mundo está como está porque justamente seguimos a orientação de machos escrotos que assumem os postos de poder.

Não desconheço que há mulheres que abençoam o poder machista como algo natural, afinal como disse Simone de Beauvoir, “o opressor não seria tão forte se não tivesse cúmplices entre os próprios oprimidos”. Beauvoir também ressaltou que “não se nasce mulher, mas torna-se mulher”. E essa construção passa pela liberdade, que passa pela construção de seu desenvolvimento profissional, de que a mulher seja reconhecida pela capacidade técnica, intelectual e até física, para chegar ao sucesso.

Beauvoir também disse que “todas as vitórias ocultam uma abdicação”. Se essa abdicação seja o de desejar constituir uma família tradicional ou produzir descendência, mesmo que sem a assessoria (ou peso) de ter um companheiro ou companheira, é uma prerrogativa de cada mulher. Diriam que eu falo da boca para fora. Não, eu acredito na liberdade de escolha das minhas três filhas de que venham ou não ter filhos. Não me preocupo que o meu gene seja propagado para além de mim. Abdico dessa opção que surge como uma coerção social machista.

Quis e quero que a minha companheira e minhas filhas tenham a liberdade de serem o que quiserem, gostarem de quem quiserem, confio na eventual orientação que demos dentro de casa. Eu as quero fortes e independentes, porque lindas elas já são… outra imposição à mulher que deveria ser suficiente para que fosse aceita como uma mulher de sucesso. Infelizmente, é uma mulher de sucesso quem alcança uma idade avançada sem sofrer alguma violência, sobrevive a um casamento opressor ou possa caminhar por onde quiser sem medo.

Tenho como sonho que este mundo de homens perceba que só tem a ganhar se se deixar feminizar.

Foto: Comigo, na imagem, estão da esquerda para a direita — Romy, Lívia, Ingrid e Tânia.

Dia Do Homem

No dia 15 de Julho, há 12 anos, publiquei provocativamente no Facebook: “Salve o Dia do Homem! Minha homenagem a esse ser cada vez mais oprimido!”. Quis provocar uma discussão acerca de uma data comemorativa totalmente fora de propósito, já que no Brasil de então, o que continua acontecendo até hoje, todo dia, aliás, toda a hora é hora do homem. Tudo o que pensa, diz e faz é aceito muitas vezes sem contestação. Principalmente quando em confronto com o que pensa, diz e faz a mulher.

Aduzi nos comentários: “… sei de muitos homens que não se sentem confortáveis na nova condição que as representações modernas entre os gêneros assumiram na Sociedade atual. Com a ocasional inversão de papéis atribuídos a homens e mulheres, como os de comando, por exemplo, cada um dos gêneros tem que aprender a lidar com as novas situações que se apresentam. Mal podendo esconder o Machismo, homens se sentem oprimidos pelo sexo diverso (não gosto de ‘oposto’) nessas ocasiões”. Muitas mulheres não percebem que são vítimas, aceitando como inevitável a opressão. Pessoalmente, presenciei várias situações em casa que apenas mais tarde pude reconhecer o traço violento de meu pai com a minha mãe, principiando com o abuso psicológico, primeira etapa de um processo que pode acabar em fatalidade.

Como reação desproporcional aos novos parâmetros, o assassinato da mulher pelo homem transformou-se em epidemia comportamental. Ou, como quem lida com esse fato chama a atenção, a tipificação do Feminicídio gerou estatísticas que confirmaram esse tipo de violência como algo quase convencional, firmemente enraizado no Patriarcado e que já ocorria frequentemente antes. Um passo importante para diminuir o número de ocorrências, foi a promulgação da Lei 11.340, sancionada em 7 de agosto de 2006, que passou a ser chamada de Lei Maria da Penha, em homenagem à mulher cujo marido tentou matá-la duas vezes. Essa incrível mulher desde então se dedica à causa do combate à violência contra as mulheres.

Eu me identifico como homem, mas me identifico muito mais como Homem. Muitos de nós, de um modo e de outro, somos discriminados por assumirmos papéis não institucionalizados como eminentemente femininos. Mesmo as mulheres, algumas aplaudem ao saberem que faço tarefas caseiras; que cuidei das meninas enquanto a mãe delas fazia faculdade e trabalhava; que deixei de trabalhar para me dedicar a cuidar da mais velha, que apresenta um problema de saúde congênito. Outras, jocosamente, dizem que eu “tomei chá de calcinha” para me submeter a tal situação.

Como Homem, me identifico também com as outras espécies com as quais convivemos, muito oprimidas por nós todos reunidos numa Sociedade doente, abarcado por um Sistema espúrio – promotor de desequilíbrio nas relações humanas – acabando por gerar violência. Nesse contexto, quase chego a sentir compaixão pelo opressor, tão infeliz quanto àqueles que fazem sofrer. Enquanto não abrirmos os olhos para a necessidade de unirmos as nossas forças para interagirmos coletivamente para sobrevivência do planeta. Se assim não for, não chegaremos bem ao nosso destino. Morreremos todos, não sem antes levarmos nosso lar, a Terra, à extinção da Vida.

Foto por Kampus Production em Pexels.com

Homem-Calcinha*

“Sou um macho da espécie Homo sapiens. sou feliz sendo um macho, gosto de parecer másculo e amar como um homem. Está tristemente enganado quem acredita que o macho tem como prerrogativa oprimir a fêmea de sua espécie para se sentir funcional. E por me sentir tão bem e ciente da minha masculinidade, posso me dar ao prazer de cumprir tarefas que alguns não atribuiriam a um homem, como estender calcinhas no varal. Fiz isso hoje, antes de sair para trabalhar e, repentinamente, me senti muito bem, quase realizado… Tantos anos antes, quem as vestem atualmente, usavam fraldas…”.

Por outro lado, estou ciente que homens mal formados construíram essa estrutura que tanto mal causam não apenas às mulheres, como também aos próprios homens, ao criar barreiras ao acesso de ser um humano de maior amplitude. Sinto lágrimas vir aos olhos a cada feminicídeo que é noticiado. Pela dor de quem sofre e também por vergonha. Sim, choro por motivos graves e choro também pelas belezas delicadas que encontro pelo caminho. Sou um desgarrado dessa turba machista que insiste em perpetrar crimes hediondos em nome de uma distorção como a de acreditar que tem domínio legal e assegurado por antigas e anacrônicas escrituras sobre a mulher.

Sou daqueles que acredita no amor e em amar as diferenças. Não creio que a mulher pertença a um gênero oposto, mas complementar. Sabendo que são mais completas do que nós em todos os aspectos, menos naqueles em que prevalece a testosterona e a força física, compensada pela resistência de espírito.

Na verdade, só ganharemos se nos afeminarmos. Ganharemos em predicados como resiliência, olhar meticuloso, percepção aguçada, dedicação, competência e senso estético. Qual homem consegue, como muitas das mulheres o fazem, se desdobrarem em tantas atribuições como as que são designadas pela Sociedade Patriarcal a elas por “dever de nascença” e, apesar das barreiras, buscar em serem melhores pessoas? 

*Parágrafo de 2016

BEDA / Marido De Aluguel

O texto anterior acabou por me fazer refletir sobre o termo genérico de “dono de casa”, derivado do feminino “Dona de Casa“. Este, talvez tenha sido criado para dar um lustro de nobreza para designar uma atividade permanente, integral e desgastante de dar suporte à casa e atenção ao amo e à descendência. Merecia uma consideração mais profunda e sobre esse tema tratarei aqui. De forma correlata, a moderna atividade de “Marido de Aluguel” também suscita considerações nas quais não consigo deixar de perceber a ironia que carrega em todos os sentidos.

Eu vejo passar veículos com esse slogan que pressupõe a realização de tarefas que apenas o homem faria – conserto de torneiras danificadas, troca de chuveiros, restauro da fiação elétrica, colocação de parafusos e pregos, pintura, pequenas obras de alvenaria e, por aí, vai. Em casa, a Tânia realiza algumas dessas tarefas, filha de um homem que a ensinou, por exemplo, a erguer uma parede.

Eu não deixo de realizar outras tantas dessas atividades, mas não me sinto mais marido ou mais másculo por isso, como não me sinto mais feminino por lavar, estender e passar roupa, cozinhar, lavar panelas, talheres e louça, regar as plantas, cuidar dos bichos, varrer e passar um pano no chão ou arrumar a cama. Ajudante de minha mãe quando garoto, declarava a ela que queria me tornar um “homem total”. A pequena análise que faço diz respeito a como o Patriarcado exerce sobre nós, homens e mulheres uma dominação absurda.

Emprestando da matriz patriarcal determinadas formulações, fico a imaginar se o termo “Marido de Aluguel” não ensejaria interpretações dúbias e piadas de bar feitas por homens e mulheres que atuam sobre a égide do Patriarcado, que perpassa todas as ações sociais de adultos que não conseguem escapar ao seu domínio. Sempre se aventou entre os deveres da esposa o de atender sexualmente ao marido, assim como a do marido em “comparecer” ao ato como a comprovar a sua masculinidade. Em conversas de botequim a função do profissional poderá ser tratada mais extensivamente, bem como se dizia em tempos idos dos filhos gerados na visita de leiteiros ou padeiros.

O que para o homem significaria carregar a peja de marido enganado, para a mulher talvez fosse como uma válvula de escape da dominação machista imposta por casamentos arranjados, sem conexão de gostos ou pelo abandono em vida por um companheiro que a considera apenas a parideira de seus filhos e que muitas vezes instituíam lares ou relações paralelas. Num texto curto como este, que é mais provocativo do que elucidativo, as questões do nosso envolvimento com as consequências da máster cultural distorcida por milênios de abusos de um gênero por outro, simplesmente por carregar maior força física não são resolvidas, somente são testemunhadas.

E me incomodam…

Participam do BEDA:
Claudia Leonardi / Lunna Guedes / Mariana Gouveia / Darlene Regina

Língua E Dedo

O assunto é um tanto espinhoso. Transita pela linha fina que existe entre aceitarmos a força que o Patriarcado exerce sobre nós — provocando efeitos dos mais perniciosos — e de como não o reforçar em nossas falas e comportamento social. Volta e meia caímos em armadilhas. Mesmo quem sempre tentou se desvencilhar das amarras machistas como eu, me pego diversas vezes em contradição. Desde muito cedo percebi que o que era incensado como privilégio masculino, joga sobre nós consequências que prejudicam a todos. Tornamo-nos meio-homens enquanto tentamos rebaixar as mulheres ao nível de nossas precárias medidas.

Todos nós — de gêneros, personalidades, preferências e identidades diferentes — claudicamos na compreensão do processo que engendrou a construção de nossa Sociedade e vivemos a reproduzir as suas deficiências. Entre eles, o sexo está no centro de vários desvios que acabam por desenvolver personalidades que não conseguem escapar ao vórtice que o coloca não como uma força criativa e energética, mas como estigma e, em sua égide, termina por suscitar o mal ao semelhante com ofensas, humilhações, ataques físicos e até assassinatos.

A sexualidade — ação, formação e ciência — força original humana, carnal, mas não menos vibracional e espiritual, permeia as relações sociais dos adultos de tal maneira que mal percebemos quando está presente em algum assunto, por mais prosaico que seja. Após certa idade, dificilmente alguém escapa à sua influência. As religiões, com as suas interdições, que a tudo proíbem, contribuem para que ocorra o inevitável choque traumático, tornando o conhecimento saudável do corpo e seus processos vitais desde o surgimento da puberdade e antes, quase impossível.

O prazer e a vivência benéfica da libido são transformados em pecado e findam por ser imputados como transgressões. Chefes religiosos conclamam a orações e pagamentos de penitências para alcançarmos a redenção, enquanto ocultamos o nosso desejo tão profundamente que quando irrompe o faz feito um vulcão, jorrando lava quente ao seu redor. Alguém sempre acaba magoado-queimado. Ou quase todos nós. Sou daqueles que entende o sexo como um elemento de transcendência. Apesar da química — em uma interpretação elástica — interferir nos encontros entre os corpos, a dimensão venerável do sexo para mim é evidente.

Contudo, não serei eu a erigir uma base filosófica que resolva as contradições ou instaure uma nova forma de ver o mundo. Seria uma embromação. Tudo já foi dito sobre o sexo no decorrer de milhares de anos de civilizações e culturas. Porém, são escolhidas justamente as regras que cerceiam essa pulsão vital. Filosoficamente, busco analisar certas questões relacionadas ao nosso comportamento sexual tentando destrinchar o que há por trás de certos “mandamentos” repetidos desde tratados até em rodas de amigos. Como exemplo, discorro sobre uma frase que inicialmente demonstraria um aspecto machista, mas que busquei outra forma de contemplá-la.

Um amigo antigo vivia a dizer, enquanto a passagem do tempo impedia que vivenciasse as proezas sexuais que protagonizou na juventude: “enquanto eu tiver língua e dedo, nenhuma mulher me mete medo”. Durante muito tempo o teor um tanto chulo da frase suprimia outra vertente ao qual cotejei indícios menos evidentes do que aparentava.

Primeiro, trata-se de um homem e uma mulher numa relação sexual. No entanto, poderíamos ampliar essas ações para outros agentes de diferentes identidades — o uso de artifícios e apetrechos que ultrapassam a simplicidade do contato entre as genitálias. Quando o sujeito revela que usaria língua e dedo para ajudar uma mulher a chegar ao orgasmo, compreende que na falta de um pênis inflado, ainda que simbolicamente representasse a sua masculinidade, ele não temerá o encontro.  

O que nos leva a questão — o homem teme à mulher ou à opinião que tenha sobre ele? Por amar a uma mulher, um homem se propõe a satisfazê-la, levá-la ao máximo do prazer, ainda que não possa ter uma ereção. Receia que a bem-amada entenda isso como falta de desejo. Teme que seja ridicularizado por não ficar de “pau duro” para ela. Uma mulher magoada, ao querer humilhar um homem, poderia vir chamá-lo de broxa. Nesse caso, ela se serve de uma ofensa de fundo machista, por mais que o Machismo seja a origem de inúmeros casos de abusos sofridos por ela. E será por causa do Machismo que o homem sofrerá quando não vier a responder às demandas e falhas intrínsecas à sua humanidade.

A formulação da frase mostra um homem frágil que busca sobreviver ao temor de broxar e ser atacado por isso. Em um filme de AlmodóvarCarne Trêmula — o marido paraplégico age exatamente dentro desse contexto para dar prazer à sua esposa até que eventualmente isso não seja suficiente para ela. Porém, entram tantos outros fatores alheios ao relacionamento sexual que não será apenas por esse olhar que as relações caminham para um desfecho explosivo.

Eu comecei a minha vida sexual tarde. Relativamente pouco tempo depois, casado, com duas filhas e uma terceira a caminho, a minha esposa aventou a possibilidade de que eu fizesse vasectomia. Ela penou nas gestações e nos dois partos anteriores e não queria mais passar por isso novamente. Ao mesmo tempo, tinha receio que o uso de contraceptivos bagunçasse ainda mais seu equilíbrio hormonal um tanto precário. Também se lembrava que a falta de uso da camisinha em um momento de ardor resultou na gestação de nossa terceira filha. No parto da caçula, decidiu fazer a laqueadura.

Eu acompanhava com empatia os enjoos, os vômitos, o mal-estar, o sono entrecortado, mas por mais que me sensibilizasse, não sofria o que ela sofria. Contrapus que o padecimento pelas gestações era primordialmente dela e que tão jovem eu não tinha condições psicológicas de me tornar infértil. Concordamos nisso na época e até este momento que isso tenha sido o melhor a fazer. Confesso que mesmo que não passasse pela minha cabeça ter outros filhos consanguíneos, a ideia de não mais tê-los me angustiava. Especulo se a postura de manter a fertilidade não seriam ecos do Machismo a reverberarem em minha psique — a do macho que se apraz de ainda poder fecundar uma fêmea…