10 / 01 / 2025 / Retribuição

Quando construímos a casa onde moramos, decidimos preservar duas mangueiras ainda em fase de crescimento, apesar de já estarem já um tanto altas, não tanto quanto hoje. Para isso, para ocuparmos uma área maior na parte de cima da casa, avançamos cerca de um metro, com o uso de “mãos francesas” para isso. Eu já intuía que as plantas fossem seres sencientes, mas quando li “A Vida Secreta Das Plantas“, obtive corroboração através de experimentos realizadas por quem escreveu o livro, dois botânicos: Peter Tompkins e Christopher Bird (que sobrenome incrível!).

Com o tempo e o alargamento de seu tronco principal, fomos adaptando o piso do quintal, assim como realizamos podas necessárias para que se desenvolvesse bem. Como resposta, está firme e forte, de copa ampla, onde abriga pássaros e até morcegos, e toda a mini fauna decorrente dessa estrutura. A produção deste ano está sendo bastante frutífera, para ficar num lugar comum. Não apenas nós a consumimos, mas para quem doamos aqui e ali para quem deseja. Essa retribuição me deixa bem comigo mesmo, o que já é um agrado a mais nessa minha batalha para construir a minha relação benigna com o mundo.

Nessa última imagem, uma manga caída no jardim central, está mordida ou roída por um dos moradores e/ou frequentadores da “nossa” mangueira.

O Lenhador*

Ontem e hoje, utilizei uma serra à motor que alugamos para podar duas de nossas árvores uma goiabeira e uma mangueira. Para a primeira, até tive que subir na laje da minha irmã. Na segunda, foi mais simples, pois acessei a varanda. Detalhes à parte, afora ser uma ação trabalhosa, tanto pelo peso do motor, quanto pela resistência de alguns galhos mais grossos, a cada um que caía era um perdão que pedia.

A necessidade da poda se dá por duas motivações: para impedir que entulhassem a calha de folhas, flores e eventualmente frutas, que juntas estão junto a coberturas; a outra, para que produzam mais e melhor. A mangueira está instalada em sua posição desde antes da nossa casa. De fato, a casa foi construída de maneira que não a prejudicasse. Ainda assim, nessa situação me imaginava um sujeito armado e perigoso, infligindo o mal à vida. Não ajudou em nada essa minha impressão, ao encontrarmos pequenos frutos presos a alguns dos galhos. Em pleno inverno, parece que não apenas a floração se adiantou, mas também a frutificação.

Por dois dias, feri, cortei, arranquei, serrei… Deixei marcas à força. Realmente, devo estar em uma fase muito sensível, para me sentir assim, malfadado. De toda forma, apesar de tudo, espero ser perdoado…

*Texto de Julho de 2021

Posfácio: Infelizmente, a goiabeira, de uns 25 anos, já atacada por formigas, acabou morrendo há um ano. Podá-la também tinha a intenção de melhorar a sua produção, cada vez mais escassa. A mangueira, de uns 35 anos, continua forte e linda.

Predadores

Caladas,
mudas
de mangueiras emergem no jardim
expostas a céu aberto.
Entre folhas, restos de caroços
postos ali para fertilizarem o solo,
não se contentam
em apenas terem sido o coração
de belas e apetitosas frutas.
Avidamente consumidas
por seres “superiores”,
querem voltar em vida nova
e função.
Seres em desenvolvimento,
ressuscitados do desprezo,
consubstanciam a ordem natural —
vida-morte-vida —
porém terão interditados os seus trajetos,
serão arrancados daquele retângulo.
Inesperados, não são aspirados
seus crescimentos.
Nem elas teriam condições de sobreviver
e nem nós, que dominamos aquele lugar,
de termos o jardim que desejamos.
Nesses momentos,
em que escolhemos entre a vida e a morte
de todo um ecossistema —
troncos, caules, folhas, flores, frutos, insetos, pássaros —
sinto-me o pior dos predadores…