… que jamais repousam ousam surgir nos momentos menos esperados porque sou desejo o tempo todo vibro à flor da pele caso quisesse não desejaria morrer bastaria sou apaixonado sou libido sou querer sou aquele que gostaria de beijar a boca avulsa colo barriga a vulva passear com as mãos nuas em toque suaves e profundos viajar com os dedos por tempos e templos visitar outros mundos consubstanciar salivas e sumos feitos unções aprisionar corações e libertar pulsões correr para o quarto escuro e conhecer a claridade a clareza a certeza de que vivemos pela epiderme até invadirmos e sermos invadidos seremos encontrados perdidos…
No fulgor do instante em que os mundos se separam e entramos em outra dimensão…
No momento do prazer flamejante, de corpos que se fundem e afundam no mar cósmico do gozo em ação… Na aceitação de que somos ingentes, a deitarmos entre estrelas que dançam, exclamas: “Pareces um deus!”…
Então, me sinto São entre os sãos… Espalmo minhas mãos contra a sola de teus pés –– beijo a flor de lótus e entoo preces…
Te sinto uma deusa… Não! Mais do que isso… Te sinto maior que tudo… Te sinto Mulher!
Quando frequento a Avenida Paulista como visitante, fico na expectativa de que me revele alguns dos segredos por trás de cada parede. Não será os mesmos segredos de antes, porque por esta artéria de São Paulo passa sempre sangue novo. Não sei se lá estive antes de 1980, quando fui funcionário do primeiro McDonald’s de São Paulo – se tornando o meu primeiro e único emprego de carteira assinada. Aquela era a segunda unidade do Mac no Brasil. A primeira, do Rio de Janeiro, logo foi suplantada em movimentação financeira pela loja da Paulista e eu, que recebera a promessa de revezamento nas várias funções dentro da loja para entender todo o processo – com eventual progressão de carreira, fiquei restrito a uma só função. Foi o preço pago pela eficiência – que consistia em fornecer os ingredientes para os setores de finalização: carregar e descascar batatas (hoje, elas já vem cortadas), entrar nos frigoríficos – New York e Chicago – para pegar pães, latas de morango e chocolate para o Milk-Shake, carnes embaladas, xaropes de refrigerantes e outros itens. Cheguei a fazer sozinho todo o fornecimento. Decidi dar adeus àquele moedor de carne. O mais estranho de tudo aquilo é que eu era vegetariano desde os 17 anos. Prestes a completar 19, não via mais nenhum propósito naquilo, nem como experiência humana.
Paulista, construída pelas mãos de milhões – foto registrada em 2015.
Voltei a trabalhar na Paulista numa função totalmente informal. Passei a vender ingressos de peças de teatro através de um programa mensal. Mantinha o meu ponto em frente ao Teatro Gazeta– no qual viria trabalhar algumas vezes no futuro – acompanhando a movimentação intensa de estudantes do Curso Objetivo, frequentadores do cinema, do teatro e da Fundação Cásper Líbero. Apesar de não ter horário fixo, permanecia por oito horas na barraquinha. Ao final, eu a desmontava e a colocava num canto da entrada da portaria da Fundação, com o consentimento do pessoal. Cheguei a ser entrevistado o momento violento pelo qual passávamos, início dos Anos 90, por uma repórter sobre o tema. Logo fui deixado de lado, quando respondi: “a violência começa em casa…”. Não era essa a resposta que ela queria ouvir.
Pôr-do-sol, visão ao oeste da Paulista, num agosto de 2015.
Nos últimos 35 anos, em minha atividade de locador de equipamentos de sonorização e iluminação para eventos ao vivo, passei a trabalhar em vários pontos da mais paulista das avenidas e adjacências. Num velho casarão dos Anos 10 do Século XX realizamos uma “rave”, festividades em hotéis das alamedas abaixo, cerimônias em edifícios comerciais (como o da FIESP) e residenciais, SESC, bailes em clubes, diversos shows em outros espaços e ao ar livre. Pude conhecer a Paulista em todos os suas fases e facetas. Luzes e sombras. Percorri por caminhos por dentro do solo e pela superfície, assim como milhões de seres subterrâneos. Na Paulista, olhamos para frente, para o lado, para baixo e para cima. Sempre encontraremos algo que nos moverá do Presente para o Passado que nem sei se é o meu ou da consciência coletiva dos que viveram e morreram nesta via de várias mãos, construída por milhões de mãos.
Visão para o alto e além, ao final de mais um evento na madrugada, em 2018.
Outra lembrança que me pertence diz respeito a outra empreitada que me define – escrever. Nas imediações da Paulista, mais propriamente na Alameda Campinas, tive os meus primeiros contatos com aquele ser ainda a ser desvendado, uma outra sagitariana na minha vida, Lunna Guedes. Foi lá que pude privar de sua convivência, conversamos sobre projetos futuros, o planejamento na participação em lançamento de coletâneas pela Scenarium. Como La Lunna é dada a humores, em determinado momento mudamos para uma paralela da mesma Paulista– onde lancei Rua 2–, mais perto do Paraíso. Mas escrever fica longe desse mítico lugar – o bíblico – ainda mais que conversamos bastante com a Serpente no selo.
não acredito em almas gêmeas desdenho de quem queira encontrar iguais em outros sou pelo confronto de corpos e ideias de fluxos e refluxos de pensamentos díspares cresço quando me encaram de frente batem nos meus preconceitos reformulam meus preceitos invadem minhas fortalezas derrubando minhas defesas me devorando por dentro enquanto quero comer estranhas entranhas entranhadas confesso não percebi o momento de nossas mãos algemadas fujo quase sempre de entregas sem tréguas me debato feito peixe que deseja respirar água mas o que aconteceu conosco me deixou confuso já não sei quem sou em você e você em mim beijo a sua boca cor de carmim e em vezes de palavras evoluo em gemidos enquanto salivas se bebem bêbados de paixão abraço seu corpo o meu corpo invado a mim em si refuto planos de permanência absoluta luto enquanto planto a minha bandeira em território invadido enquanto me incorpora calma e resoluta anuncio o luto por minha morte renasço melhor quando digo sim…
Eu não tenho escrito tanto quanto gostaria, ainda que os temas passem diante dos meus olhos em todos os sentidos, como citadinos caminhantes nos amplos calçadões do Centrão. Eu já testemunhei cachorros mais conscientes de seu destino do que algumas pessoas. Entre elas, estaria eu. Aos outros, os observo, os absorvo, mas não os testifico em tela ou papel. Tenho me dedicado mais a realizar projetos caseiros, a montar e desmontar coisas, fazer exercícios de permanência material, erguer um jardim, pintar ou destruir uma parede. Leio esparsamente. Quando paro diante do computador, comento aqui e ali nas redes sociais. No ano passado, tomei estranhas decisões, como enviar saudações de aniversários a todos que nasceram em outubro — mês do meu aniversário — depois de ficar um tempão sem prestar atenção a isso. Foram desafios inúteis, mas inescapáveis, sob o risco da sensação que sofreria uma pesada represália (seria do deus Zuckerberg?): delírio pandêmico?… De toda a forma, estou preso a meus pés e minhas mãos não me libertam…
BAMBINO
A minha mãe foi para um lugar distante chamado Bahia. Ela me deixou com o meu avô. Eu gosto dele, mas além de mim, ele tem que cuidar das outras filhas e netas. Na casa de minha mãe, eu era tratado como um rei. Na verdade, lá, sou chamado de “Princeso”. Será que isso se deve ao fato de eu ter sido castrado? Ou por que sou delicado e assustado? Quando vim para cá, vomitei quatro vezes no carro. O meu avô ficou comigo o tempo todo com um saco para que não sujasse o banco. Ao chegar, ainda vomitei mais uma vez. Mas agora estou bem, mas parece que quem não está é ele. Eu o vejo triste, caminhando de um lugar ao outro, sem se demorar em cada canto. Muitas vezes, quando para, sem muito entusiasmo, fica diante de um objeto estranho, dando dedilhadas espaçadas. Antes, ficava um tempão batucando naquilo. Quando terminava, apresentava um sorriso no rosto…
Quanto ao medo de andar de carro, minhas tias e ele, os ouvi tentando interpretar a razão desse meu sintoma. Especularam que seria pelo fato de ter sido abandonado pelo antigo cuidador, que me deixou na estrada, após eu ter dado um passeio que achava que fosse para o parque. Eu não sei… esqueci. Assim como é uma lembrança vaga o canil em que estava ter sido atacado por uma onça… Malditos gatos!