06 / 06 / 2025 / Projeto Fotográfico 6 On 6 On 06 / Minhas Leituras de Outono

O tempo urge. De tal maneira que ele nos atropela e 24 horas já não são suficientes para conseguir fazer tudo o que queremos, principalmente se somos pressionados por limitações temporais. É o caso deste “6 On 6“, em que acrescentei outro “On 6“, por estarmos no mês seis, o último do primeiro semestre de 2025. O tema remeteria aos textos e livros que eu tenho lido nesta estação do ano em que a temperatura começa a baixar, mas que os sinais de sua chegada haviam se antecipado, com a queda das folhas das árvores já em meados do último Verão. Esse atropelo temporal, também ocorre no Clima, cada vez mais instável e imprevisível. Mesmo a edição deste coletivo faço um dia depois, como se fosse parte do processo. Estava ocupado com o meu trabalho e não houve como publicá-lo na data correta, ontem. Para arrematar esta introdução, pensei em relatar as minhas leituras de livros, mas como tenho me dedicado a “pescar” os meus próprios textos em publicações no mar das redes sociais ao longo dos anos, decidi colocar parte delas, ainda que sejam pequenas notas, para ilustrar o projeto fotográfico. São pequenos capítulos de minha trajetória como escritor-repórter do meu tempo.

Bem me quer?

O medo de não ser querido
impede que eu faça à margarida 
a pergunta decisiva: “bem me quer?…
Ou mal me quer?”…
Ainda que o amor me diga “sim!” ou “não!,
jazerá, 
a branca flor,
tristemente despetalada
ao chão…

Há, dentro de mim, uma briga
Momentos em que o meu coração grita
Esperneia dentro do peito
Com o pulmão se atrita
Rebela-se contra os órgãos que abastece de sangue
Veja se pode?

Autoritário, tenta impor as suas certezas
Rumar contra as correntezas
Chega a sugerir que sonhe a mente
Mente que aguentará outras aventuras
Que não sofrerá com outra aversão
Confia na sua característica demente
A da mente que se engana facilmente

Porque sabe que ela não se exprime 
Para além dos sentidos
Aprecia pela visão
Enternece-se pelo som
Subjuga-se pelo toque
Submete-se pelo gosto
É uma mente limitada
Ao mundo que apreende pelas demandas do corpo

Onde está a minha alma, que não toma o controle?
Por que não assume a posição de senhora?
No conjunto, creio que saibamos a resposta
Buscamos todos
Ainda que pela experiência sensorial
Pelas vidas afora
Encontrar outra alma perdida
De mim, para mim
Amém!

LONGO MAL SÚBITO

Ronco de motores rodovia movimentada
motoqueiro fantasma sem capacete
deve ser parado pária da sociedade
calção chinelos camiseta pobre
desce do cavalo se posiciona com respeito
aqui é autoridade autoritarismo
práticas de tempos passados
por chefes no poder incensados
não reclama não fala se cala
continua sem voz além das muitas na sua cabeça
tomo remédio olha as cartelas
não queremos saber você é fora da lei
eu só quero respeito não cometi crime nenhum
está sem capacete nós estamos protegidos com os nossos
somos senhores da vida e da morte
você deve aprender e quem nos observa também
fica assolado no chão nossas botas na sua canga
vamos aplicar a nossa sentença
culpado por ser brasileiro sem rumo sem ganho
sem profissão
para ganhar o pão
um verme como tantos outros
porque essa tortura?
queria voltar para a casa
vai para a nossa casa ambulante
receberá a lição estamos em guerra
contra quem nos interpõe
representamos o topo do poder
nunca mais repetirá a ousadia de contestar
mataram mais de vinte no Rio
um a mais ou a menos
não sou bandido sou trabalhador
tenho família filhos pai mãe primos
todos tem
ratos que se multiplicam
olha a nossa viatura
a chamamos de carro de dedetização
eliminamos pragas as degustamos com pimenta
me tirem daqui
me desamarrem
abram a caçamba
não sou lixo sequer indigente
sou gente
ah! meus filhos mulher não estou aguentando
me perdoem
não consigo respirar
estou deixando a escuridão
vou para um lugar sem Luz
e sem resposta
mesmo sendo de Santos Jesus
até quando?

Umbaúba, Sergipe, em 26 de Maio de 2022 – dois anos depois da morte de George Floyd, em outro Hemisfério e outro “não consigo respirar”.

Imagem de 20 anos antes…

UM DIA DEPOIS (10 de Agosto de 2020)

Um dia depois do Dia dos Pais,
o que mudou no País?
Para tantos pais, filhos e famílias,
o segundo domingo de agosto não foi comemorado.
Pais não receberam seus filhos,
filhos não abraçaram quem os gerou
cuidou,
trabalhou,
viveu por…
Muitos, estavam vivos, mas distantes
e distanciados, por força do isolamento
ou pela desavença e litígio.
Eu, mesmo,
passei os últimos anos de meu pai,
alienado da sua presença.
Outros, partiram pela doença do descaso.
Cem mil vezes pranteados.
Há ainda os que estão acamados,
entubados,
estratificados.
Todos, marcados
por estatísticas macabras.
Eu pude estar com as minhas filhas.
Percebi o quanto sou agraciado
por ser beijado,
abraçado,
por me sentir amado,
entrelaçado
pelo enredo familiar.
A minha alegria carregava um travo.
Em domingos sequenciais,
vivemos dentro de uma bolha boçalizada,
em ilhas isoladas,
de mar que se nega a aprofundar.
É como se o oceano não fosse salgado,
suas águas não quebrassem em ondas ao chegarem às praias,
não se permitisse abrigar sereias,
miríades de outros seres,
tesouros naufragados
e continentes perdidos — raso de vida, mistérios e poesia.
Contudo, se aproveitam da crença no fantástico
e renegam a profundidade da Ciência.
Existimos em realidade paralela,
afirmando nossa indecência.
Negamos o conhecimento e festejamos a morte.
Entre plantas — coqueiros e bambuzais —
o supremo mandatário deglute a nossa humanidade.
À caminho da segunda centena de milhar,
o chefe do jogo do bicho medonho continua sem paradeiro.
Quem o impedirá o testa de ferro insubordinado de continuar a jogar?
Há remédio
para evitar que muitos mais pais e filhos
estejam separados no próximo Dia dos Pais
,
por arte e obra da desconsideração por brasileiros,
por arte e obra da estultice de eleitores brasileiros?

Ao varrer esta plataforma, encontrei marcas que não havia percebido antes. Como faz alguns anos que foi feita, fiquei me perguntando quem teria deixado este registro para a posteridade. Lembrei das amigas que nos deixaram fisicamente. Não deve ter sido a Penélope, labradora que tinha o corpo e o coração grandes demais. Talvez fosse da Dorô, tão doce e amada por ter crescido junto com as crianças humanas. Ou da Frida, as de olhos de avelãs, quieta ilusionista, que surgia do nada em algum ponto da casa. Da Domitila, que ainda está conosco, também não, pelo tamanho maior do que está marcado. Enfim, o que sei é que daquele patamar as marcas poderão sumir um dia por alguma reforma no piso. Do meu coração, enquanto eu existir, jamais! 


Natural (Outubro de 2021)

Nascido há 60 anos em terra, no centro de São Paulo, na maternidade de mesmo nome (hoje demolida), sob Libra, signo do Ar, é na Água que me sinto em meu elemento. Adorei saltar, flutuar em queda, atravessar o azul, mas ao mergulhar é que me percebo um com a Natureza

Em 2019, escrevi:
“Quem tem cachorros (na verdade, são eles que têm a nós), não deveria usar roupa preta. Ou não se importar com demonstrações de carinho. Pelo amor, nunca pelo contrário, só a favor…

Participam:
Claudia Leonardi
 /  Mariana Gouveia / Lunna GuedesRoseli Pedroso / Silvana Lopes

Projeto Fotográfico 6 On 6 / Sobre Os Meus Eus

Muitos, sou.
A cada idade, fui alguns.
Caminhei pela luz da escuridão
e pelas manchas escuras do Sol.
Naveguei por mares azuis
e ares transcendentais.
Viajei por mim e pelo sim.
Passei por vãos e nãos.
Fui profundo e raso.
Nunca deixei de ser nós.
Ainda que todos sós…


Quando tiro os óculos, me vejo bem melhor pessoa. É o caso de miopia seletiva… e o ocaso da culpa.
Marcos do tempo
Riscas de sombra
Riscos de sobra
Marcas ao cento
Resta homenagear
A testemunha solar…
Esta imagem reflete bem o meu olhar de reverência desmesurada ao que vi em meu entorno durante a minha estada em Paraty, no começo de Outubro de 2021, por ocasião da comemoração dos meus 60 anos. 
Sob luzes externas — a natural e a artificial —, em busca da luz interior. No fone de ouvido, “Cajuína“. 

Os Pataxó são um povo indígena brasileiro de língua da família maxakali, do tronco macro-jê. Em sua totalidade, os índios conhecidos sob o etnônimo englobante Pataxó Hãhãhãe abarcam, hoje, as etnias Baenã, Pataxó Hãhãhãe, Kamakã, Tupinambá, Kariri-Sapuyá e Gueren. Apesar de se expressarem na língua portuguesa, alguns grupos conservam seu idioma original, a língua Patxôhã. Praticam o “Xamanismo” e o Cristianismo. Vivem no sul da Bahia e em 2010, totalizavam 13.588 pessoas, segundo dados do Instituto Brasileiro De Geografia E Estatística. A Ingrid trouxe da região onde os portugueses desembarcaram pela primeira vez em Pindorama esse colar de contas. A minha ascendência indígena me permite usá-lo para além de objeto decorativo, por carregar vários significados. Para mim, é como voltar para a kijeme.

O homem e a cidade…

Participam: Roseli Pedroso / Suzana Martins / Mariana Gouveia / Lunna Guedes

Tatuei

Um projeto sobre o qual matutava há algum tempo era o de me tatuar. Não via impedimento pela questão da idade, acostumado que estou a vivenciar situações que ocorrem tardiamente em minha vida. O que me impedia antes era que não encontrava a motivação devida para isso. O que me convenceu foi justamente a passagem do tempo que, além das cicatrizes eventuais, tatua seus sinais em nosso corpo a cada tique-taque do relógio. Queria que fossem referências imagéticas de passagens particularmente caras a mim. Passei a última quarta-feira na Freuas Tatoo Mansion sendo tatuado pelo traço delicado de Mônica Kaori.

Uma das tatuagens diz respeito a uma orquídea que demorou dez anos para florescer. A planta foi dada à Tânia por minha mãe. Ela a colocou pendurada na velha mangueira e, ao seu tempo, veio a mostrar toda a sua beleza. Registrei em foto e coloquei a imagem na capa do Facebook. Eu a nomeei de Flor de Madalena. Em uma pesquisa de imagem, encontrei similaridade com exemplares de Cattleya forbesii, talvez um híbrido.

Flor de Madalena, logo após ser tatuada

A segunda foi uma releitura de um tema recorrente de Vincent Van Gogh – os girassóis. A série Sun Flowers foi feita pelo pintor holandês para demonstrar que era possível criar variações de texturas da mesma cor, sem perder a eloquência do tema. Colocou dois desses quadros no quarto de Paul Gauguin, que morou com ele na Casa Amarela. Gauguin, impressionado, os considerou “completamente Vicent”, ficando com uma das cinco edições feitas pelo amigo. Uma delas foi queimada num incêndio na Segunda Guerra.

Vincent é marcante em minha vida porque quando vi as suas reproduções pela primeira vez, fiz um viagem para seu planeta, um que apenas lembrava a Terra. Mas era um outro, mais belo e tocante, ainda que vários de seus personagens fossem trabalhadores apresentados na faina cotidiana de sua realidade imediata. Ou talvez por isso mesmo. O amor por Van Gogh também atingiu a Lívia, minha caçula, que pediu para a mãe comprar uma reprodução de Sun Flowers ainda bem nova. Como referência, tatuou também um girassol na panturrilha da perna direita.

Releitura de Sun Flowers, logo após ser tatuada

No caso das minhas tatuagens, dei liberdade para a Mônica, uma jovem que gosta de desafios, criar em cima das imagens que passei. Com a Flor de Madalena destacou um dos ramos e o fez percorrer o meu antebraço frontal, entre desenhos das veias e o relevo dos promontórios musculares.

Flor de Madalena original

Quanto à reprodução de Vincent, por sua iniciativa a releitura ganhou uma perspectiva a la Piet Mondrian, outro holandês, do movimento neoplasticista, do início do Século XX, caracterizado por figuras geométricas. Acresce-se que sendo em variações de uma única cor – mais escura – a releitura ganha relevância por voltar à ideia central de quando os vasos com doze girassóis foram produzidos.

Reprodução de Sun Flowers

Nesse jogo de referências cruzadas, a série Sun Flowers foi realizada exatamente 100 anos antes do período de maior mudança na minha vida, agosto de 1988 – época em que comecei namorar a Tânia –, e início de 1989, quando nos casamos. À partir daquele mesmo ano, geramos girassóis humanos, que se voltaram para a luz do Sol e se tornaram pessoas luminosas – Romy, Ingrid e Lívia – pioneiras no quesito tatuagens na família. Que, por sinal, tem a minha mãe como um dos pontos de origem, a Madalena da flor. Com o meu olhar um tanto viajador, vejo reproduzir um ciclo de linhas visíveis e invisíveis que desenham o nosso caminho neste planeta…

BEDA / A Outra, Devassa E Proibida

OUTRA - DEVASSA - PROIBIDA

Na época de seu lançamento, no rádio antigo do carro antigo, ouvia uma partida de futebol quando, em uma das chamadas publicitárias, ouvi o anúncio d’”A Outra”, outra cerveja com nome sugestivo, a escancarar a vida “Devassa” e “Proibida” dos brasileiros. Nomeações do gênero feminino voltado para o mercado dos consumidores de cerveja, ainda dominado em sua maior parte por homens.
Em determinado momento de nossa atual conjuntura, os publicitários perceberam que poderiam associar, sem remorsos, nomes adjetivados carregados da malícia digna da “Comédia da Vida Privada”, de Nelson Rodrigues. Não quero me estender quanto às denominações dadas pelos criadores, junto aos propagandistas, da longa lista de estranhas-engraçadas-reveladoras marcas de seus produtos. Vou me ater brevemente às cervejas que nomeei acima, que brincam com o lado oculto, porém óbvio da sociedade brasileira.
Quando podemos estar com uma devassa, sentir o gosto de uma coisa proibida, aparecer em público acompanhado da outra, senão na mesa de um bar? Eu, pessoalmente, não tenho o hábito de beber, sequer gosto de cerveja. Culpa do meu tio que, aos meus 5 ou 6 anos, me ofereceu chope em uma festa familiar. Não estava preparado para aquele amargor que atrai a tantos. Assim como é atraente passear pelo lado B, nem sempre amargo (apesar de velado) das relações humanas.

Estou a esperar o tempo em que daremos um passo à frente e algo parecido aconteça para a fatia de mercado que mais cresce nos últimos tempos – dirigido à mulher – seja igualmente agraciada com nomes insinuantes. Que venham o “Bem Dotado”, “O Amante” e o “Black Lover”…