Vivo quase o final da minha quinta década. Estou, como nunca antes na minha vida, me sentindo em plenitude. Não que tenha tanto fôlego quanto antes, porém nunca tive, como agora, consciência de minhas limitações. Além de certeza de minhas possibilidades… Sei que sou falível. Por isso, me cuido mais e cuido mais de quem está a minha volta. Tento não deixar nada ao acaso. A não ser quando sinto que é o acaso que deva comandar a trama. Como disse alguém deste sertão, “a felicidade se acha nas horinhas de descuido”… Então, antes de voltar para a realidade do sonho, sem cuidado, saltei para a precariedade da vida real. Só não esperava que o mergulho nessas águas sem termo fosse tão profundo, que talvez não possa retornar…
Reabasteço-me de minha porção…
Envolto em pele,
mergulho em meio translúcido
que sou eu – aquoso.
Dos antigos, elemento fluídico,
separado do tempo sem fim
onde me abrigo,
vou de um ponto ao outro,
através de mim…
Sou lunar…
Pode ser a última lua.
A última vez que atua.
Pode ser a sua última noite.
A derradeira hora do açoite.
O último abraço e o colo quente.
O último suspiro e o beijo ardente.
A última chance de perdoar.
A última oportunidade de amar…
Sou um trevo…
Nasci comum –
um trevo de três folhas.
Num caminho feito de escolhas –
concebi ser ínfimo,
verdejar plantinha em pedra dura,
viver da luz que sobrar
e, apesar de menor,
fazer sombra,
escurecer de vida o claro chão…
Sou o mar…
Em tempos restritivos ao caminhar, paro.
Vagueio o meu olhar em direção ao oriente.
Testemunho vagas-ondas em direção à areia –
sucessivos abraços da água salgada.
Oceano de represados sentimentos
pisados-fixados no mar em movimento.
Salgo o doce e o bom,
a vida e o dom
de existir.
Sou pintor…
Corto a minha orelha, mas não deixo de ouvir
o silêncio penetrante que absorve meu ser só…
Como se fora a tela branca-nada,
ainda que pinte o horizonte
em cores e dores.
A ruminar sóis e girassóis,
campos e procelas,
paraliso a mão e músculos.
Amadureço,
em pinceladas,
a morte em crepúsculos.
Sou o humano de um cão…
Converso com o meu humano.
Sem saber falar a minha língua, ele sorri.
Ou pede que me cale.
Nunca sei quando o que digo
é importante ou inoportuno.
Eu o amo tanto!
Morro quando parte.
Revivo quando chega.
Saudade eterna
em plena presença.