Eu conheci um outro Tarcísio. Tinha como sobrenome Meira, e apresentava a curiosidade de descender do Alferes Joaquim José da Silva Xavier, o Mártir da Inconfidência Mineira, Tiradentes. Portanto, um verdadeiro patriota que ousou lutar pela separação do País de Portugal. Sua atuação lhe rendeu a forca, após o que o seu corpo foi esquartejado e colocado em pontos espalhados pelo Rio de Janeiro como exemplo para tentar impedir quaisquer outras tentativas de separar a rica Colônia da Metrópole.
O outro Tarcísio me impressionou pela primeira vez quando eu era bem garoto e assisti pela TV PB de 14″ à novela Irmãos Coragem, de Janete Clair, em 1970, pela Rede Globo. O garimpeiro João lutava contra a dominação de um Coronel — título genérico de quem detinha o poder sobre determinada região agindo como déspota.
O outro Tarcísio, já um galã consolidado, enveredou pela atuação de um sujeito bruto, violento e sem escrúpulos, em Grande Sertões: Veredas — pela Rede Globo, em 1985. No clássico de Guimarães Rosa adaptado para a televisão, Tarcísio era Hermógenes, líder de um bando de jagunços que põe fim a vida deDiadorim, personagem defendido por Bruna Lombardi. Fiquei impressionado com a transformação do homem bonito de herói em vilão. O outro Tarcísio também foi intérprete de D. Pedro, que se tornou o primeiro imperador do Brasil, após a proclamação da Independência de Portugal.
Moldado em mais de 60 anos de carreira em teatro, cinema e televisão para os grandes protagonistas de tramas para o bem ou para o mal, Tarcísio conseguiu trilhar um caminho de grandeza. Faleceu dois meses antes de completar 86 anos, em 2021. Já, então, havia entrado em cena um um segundo e piorado Tarcísio, ator da vida real, como Ministro de Infraestrutura do governo anterior. Não duvido que deva seu nome ao bom Tarcísio. Coisa de mãe que admirava o primeiro.
Em 2024, o atual Tarcísio participou como capitão do envio das tropas brasileiras para assegurar as novas eleições para presidente desde a queda de Jean-Bertrand Aristide e garantir a segurança dos civis nesse processo de transição. Porém, os relatos de violência de todos os níveis contra a população, incluindo as sexuais, pautou esse período. As forças de paz da ONU foram comandadas pelo General de Divisão brasileiro Augusto Heleno Ribeiro Pereira. O General Heleno atualmente está preso por participar de uma trama que deveria impedir a posse de Luís Inácio da Silva como Presidente eleito.
Foi através de Heleno que o Tarcísio ganhou a simpatia do ex-Presidente e com o seu apoio chegou ao Governo do estado de São Paulo. Talvez ainda considerando que estejamos no Haiti — como na linda letra de Caetano Veloso, Haiti — utiliza as suas forças policiais para executar aqueles que vivem nos padrões do País no qual esteve em 2004. Apenas a repetição de um padrão de quem escolheu o caminho errado de atuação — um Hermógenes contra a maioria da sua própria população — em suposto benefício para a elite estuporada deste Estado.
Fila de vacinação em Duque de Caxias, RJ, com espera de cinco horas e consequente aglomeração (Fonte: O Globo)
Nosso país está diante da enorme possibilidade de viver uma terceira onda de casos de Covid-19, que já partirá de um nível alto de ocorrências. E não será porque queiramos imitar o que já aconteceu na Europa, mas porque parece que o nosso espírito “macunaímico” nos impede de que sejamos prevenidos ou suficientemente articulados para adotarmos estratégias de sobrevivência saudável. Essa seria uma boa desculpa. Macunaíma é um herói sem caráter, não que seja intrinsecamente mau. Ele se parece mais com uma criança recém nascida que, por estar ainda em formação, aparenta ter nenhum caráter. Dessa maneira, se exime de culpa, já que assim como um incapaz, não é responsável jurídica e civilmente por qualquer falta. “Não é minha culpa, é de outros!” — é a desculpa usual da criança peralta que comete alguma traquinagem.
Quando vemos uma situação se repetir sucessivamente estabelece-se um padrão. Quando se trata de uma conjuntura importante e potencialmente letal, é nosso dever nos defendermos. Diz-se popularmente que a pessoa inteligente aprende com os próprios erros, a pessoa sábia aprende com os erros dos outros. Quando advertimos aos jovens que não ajam de tal e tal maneira porque sabemos que o resultado não será bom — “meu filho, vai dar ‘ruim’!” —é comum a resposta ser: “pai, mãe, aconteceu com vocês, não acontecerá comigo” ou “eu não sou vocês, deixem eu viver a minha vida!”. O fato é que quando alguém quer fazer algo, quando o desejo se faz imperativo, não há nada que impeça — o bom senso, os possíveis efeitos perniciosos para si ou as consequências desastrosas para os outros — simples assim.
Se falamos de crianças que podem aprender a se comportar com o tempo ou de jovens em processo de amadurecimento é uma coisa. Quando versamos sobre adultos com vontade de fazer o mal e poder de materializá-lo é outra. Antes, o atual Governo FederalBrasileiro era reconhecido apenas como incompetente nas áreas de atuação governamental básicas, mas para quem soube identificar o perigo que o bando representava muito tempo antes de ter sido colocado na posição que ocupa, tem consciência de que havia um projeto de destruição do país, em suas diversas áreas. O que me espanta é a desfaçatez com que o plano é posto em prática e o fato de ainda arregimentar apoiadores — pessoas de “bem”. De uma parte, com a defesa comprada à soldo junto aos representantes do povo no parlamento. De outra, com a anuência de quem fecha os olhos para o mal e absolve de antemão, não importando o resultado, todos os atos e omissões do Ignominioso e seus asseclas. É como se pudéssemos compreender embrionariamente o que se desenvolveu na Alemanha nos anos anteriores à Segunda Guerra Mundial, assim como a compreensão cabal do que Hannah Arendt quis dizer com a expressão “banalização do mal”.
Que uma porcentagem de cidadãos colabore com um projeto genocida não é inédito na História mundial. Já vimos isso acontecer antes. Mas nunca imaginei, nem em meus piores pesadelos, que isso viesse a ter sucesso no Brasil. Dentro do desgoverno brasileiro há pessoas que seguem a “cartilha da destruição” criada por um louco influente entre os filhos-numerais-cardinais do Ignominioso e que estrutura todas as tomadas de decisões levadas avante durante a Pandemia—Olavo de Carvalho. Parece o enredo de um filme de terror distópico se não tivéssemos protagonizando a trama como simples coadjuvantes, tendo como resultado final o cheiro putrefato de quase meio milhão de mortos.
A falta de controle na gestão da crise sanitária causada pela SARS-COV-2, as idas e vindas (propositais) quanto aos rumos a serem tomados no combate à Pandemia: a falta de medidas preventivas eficazes, como o distanciamento social e o uso de máscara, substituído pela propaganda de remédios sem efeitos corroborados por estudos científicos sérios — cloroquina e ivermectina —, além da falta do suporte de um auxílio emergencial razoável; a criminosa protelação do uso de testes de Covid-19 até ocorrer o término do prazo de validade; a recusa em anunciar o número de vitimados pela doença, tanto infectados quanto mortos, o que impediria seu controle eficaz; a omissão quanto a compra de vacinas antecipadamente, sem respostas aos produtores dos imunizantes; o ataque aos prefeitos e governadores que promoveram ações preventivas; a troca de ministros da saúde como se fossem jogadores de futebol machucados e a adoção da ideia estapafúrdia de “imunidade de rebanho” que viria a “dar certo” somente quando morressem milhões de brasileiros. Tudo isso se houvesse apenas um tipo do vírus causador da doença. Contudo, eis que o vírus parece ser mais “inteligente” do que homens que se auto intitulam como tais e criam variantes que são mais letais do que as anteriores. Como a brasileiríssima amazonense e a indiana, diagnosticada em tripulantes de um navio malaio que aportou esta semana no Nordeste e que já foi detectada em outros pontos do País.
Se estivéssemos em processo de vacinação em massa, com pelo menos um milhão de imunizados todos os dias, teríamos como esperar que o Brasil voltasse a ter uma vida quase normal até o final do ano, como prometeu o atual perna-de-pau no time do ministério da doença. Considerando o ritmo vacinal de hoje, terminaremos de imunizar os adultos somente em 2023. Mas o Ignominioso, num movimento que alguns interpretam como cortina de fumaça, mas que para mim é de incendiário, voltou a ofender o principal fornecedor de imunizantes do mundo, fazendo com que a China atrasasse o envio de insumos —IFAs — para a fabricação da Coronavac (Butantã) e da AstraZeneca (FioCruz) como uma espécie de advertência diplomática, anunciando que destinará apenas um terço do programado.
O objetivo óbvio da quadrilha no poder é o de evitar o protagonismo de um inimigo político, não importando quantas vidas sejam perdidas por causa disso. Com a interrupção dos insumos, vivemos uma espécie de apagão, um hiato na vacinação que tem como resultado o avanço das variantes em todas as regiões. O que é um desastre para o País, veio a calhar para o desenvolvimento da “política” de fazer “passar a boiada” — decretos que desmantelam gradativamente projetos sociais e conquistas justas obtidas pela sociedade civil organizada — além de promulgar a destruição do meio ambiente. Devemos ficar atentos quando os milicianos filhos e pai se contorcem ao ser citado o Rio de Janeiro como um dos locais em que se dá a malversação de fundos ligados ao Ministério da Saúde. A “famiglia” atua diretamente na região. E como dizem os americanos “follow the money” e poderemos encontrar o lado B da corrupção. Acabamos por conviver com dois tipos de vírus que penetram no corpo da nação e nos destroem de dentro para fora.
Porém, há algo que o Ignominioso não poderá evitar e que, com o tempo, provocará a sua ruína e a nossa redenção — algo ao qual chamo de “Efeito Dallas”. Dallas foi uma série americana que durou de 1978 a 1991. Era centrada nas tramas espúrias em torno de uma grande e rica família texana — os Ewings— que lidava com petróleo e gado. Com o tempo, o enredo trouxe para o centro a personagem de J.R., cujos esquemas e negócios obscuros se tornaram a marca registada do seriado. Sucesso no mundo todo, os governantes albaneses, promotores de uma República fechada em si mesma, controlada com mão-de-ferro por Enver Hoxha, decidiu que a produção americana era um bom exemplo da decadência moral capitalista e permitiu que fosse exibida no país. Para além das veleidades cometidas pelas personagens em nome do deus dinheiro, o povo albanês percebeu que, apesar das diferenças socioeconômicas, mesmo os empregados tinham casas razoavelmente confortáveis, aparelhadas com eletrodomésticos e automóveis na garagem.
A defasagem entre os estilos de vida na América e na Albânia deu ao povo albanês a consciência de haver uma outra possibilidade de viver menos austera. Um triunfo inesperado do Capitalismo, apesar dos esforços em demonstrar a decadência moral do “american way of life”. Isso ajudou na mudança do regime, principalmente depois da morte de Hoxha, em 1992. No Brasil, o “Efeito Dallas” está em andamento e, paulatinamente, mostrará a discrepância entre a política negacionista do Governo Federal e a de países como os Estados Unidos, de Biden, defensor da vacinação massiva de seus cidadãos. Graças a isso, os Estados Unidos estão reabrindo a economia e voltando ao estágio anterior de convivência social. Mais do que as negações dos governistas em seus depoimentos na CPI do Senado sobre as ações e omissões do Ignominioso e sua gangue, por comparação acabará por ser demonstrada a atuação danosa ao longo desse processo angustiante para as nossas famílias, através da contaminação monstruosa da ideologia assassina ora implementada. Espero que sobrevivamos para ver surgir um amanhecer menos tenebroso em futuro próximo.
O meu pai teve várias profissões em sua vida. Foi feirante — se considerarmos uma banquinha com produtos de higiene uma “barraca de feira” —, torneiro mecânico, marceneiro, pesquisador do IBOPE, almoxarife e porteiro num jornal de economia, na Martins Fontes. Às vezes, eu ia encontrá-lo para vê-lo, já que ele já não morava mais conosco e a mulher que estava com ele não gostava de nossa presença, assim como a minha mãe não gostava que fôssemos à casa deles. O que eu mais gostava é que o Sr. Ortega me entregava quase sempre um exemplar do Jornal da Tarde. Além das páginas de esportes, adorava as de cultura e as crônicas de Lourenço Diaféria.
O jornal acabou por enfrentar problemas financeiros, deixou de publicar em papel e hoje apresenta somente a edição eletrônica. Na época, um jovem que tentava entender o mundo, fiquei intrigado porque uma publicação especializada no setor financeiro não tenha conseguido contornar os efeitos econômicos das sucessivas crises pelas quais passamos. Para se ver que o Brasil não é para amadores ou nem mesmo profissionais. Hoje, eu sei que era o início um processo de modificação no setor de comunicação impresso, que apesar de ainda não haver a concorrência massiva da Internet, decaía por uma razão óbvia para mim: a leitura de modo geral decaiu na mesma proporção da decadência do ensino, em movimento iniciado na Ditadura como projeto de desmonte da educação.
Na época, tanto professores quanto alunos eram encarados como entes que causavam extrema desconfiança. Afinal, o aprendizado requer que pensemos, pensar requer questionar, questionar requer filosofar, especular, contestar o status quo e os esquemas pré-estabelecidos. Nada é mais desesperador para o conservador que, como diz a Lunna Guedes, é um ser preguiçoso, do que ocorrer a revolução dos costumes, a transformação dos tempos, a contestação das classes dominantes, a busca da mudança dos parâmetros políticos. O arejamento do ambiente social para torná-lo mais saudável, tentar encontrar soluções para a diminuição do imenso desnivelamento socioeconômico da população brasileira.
Como bem nos fez ver o atual Ministro da Economia, o Sr. Paulo Guedes, ao objetar a chegada do filho do porteiro ao ensino superior através dos programas públicos de incentivo à educação como o FIES, isso é uma temeridade para pessoas que, com ele e o chefe dele, formam a quadri… a equipe de (des)governantes então no poder federal. Ao educar o filho do porteiro, como eles terão ao seu dispor outros porteiros que, ainda que recebam um baixo salário, possam servir aos deleites dos eleitos: abrir e fechar portas, carregar as suas sacolas de grife, receber as suas correspondências, controlar a circulação de pessoas indesejáveis, recepcionar amigos, distinguir e fazer mesuras aos cidadãos de primeira classe e cuidar de sua segurança?
No início dos anos 80, eu entrei na FFLCH-USP, no curso de História, prestando vestibular. O filho do porteiro então só tinha dois passes para ir e dois para voltar da Zona Norte até a Cidade Universitária, na Zona Sul— quatro horas entre ida e volta — e um dinheirinho para comer alguma coisa. Eu levava iogurte, maçã e comprava um salgado na lanchonete. Havia o “bandejão”, mas eu preferia economizar para poder tirar cópias dos textos necessários para fazer o curso, já que comprar livros era impensável, devido ao alto custo. Fiquei seis anos frequentando a Cidade Universitária, participei como figurante de “Feliz Ano Velho”, com Malu Mader e Marcos Breda, além da belíssima Eva Wilma; iniciei um curso de Italiano com os alunos de Letras; bati com gosto nos adversários, como médio volante do time de futebol da História (muito fraco); escrevi para o jornal do grêmio da faculdade, fui censurado por usar a palavra “tesão” em um poema (amar como um artesão, com arte e tesão…); escrevi muitos trabalhos literalmente nas coxas (tirei uma das melhores notas de Egiptologia num texto escrito durante o percurso de ônibus); e decidi deixar o curso para começar o de Português, na mesma FFLCH_USP, fazendo um outro vestibular, no qual passei.
O filho do porteiro estava feliz por poder ter contato com a Literatura de uma forma mais intensa. No entanto, “engravidei”. Tudo mudou. Tive que abandonar a faculdade para poder trabalhar integralmente. Eu já trabalhava com eventos, mas como empregado de uma banda. Dois anos depois, eu e o Humberto, montamos a Ortega Luz & Som. Voltei a fazer faculdade apenas aos 47 para 48 anos — bacharelado em Educação Física— quatro anos em que reencontrei o prazer de estudar, apesar de dormir pouco. Vivi a mesma situação da maioria dos estudantes que precisam fazer os seus cursos e trabalhar para financiar os seus estudos. Fiquei muitas vezes no negativo. O que me movia era poder ter uma opção de trabalho, mas a minha pequena empresa ganhou musculatura e atuar como “personal” ou professor de Educação Física em uma escola foi ficando em segundo plano, principalmente por perceber que a falta de atividade na profissão causa uma defasagem às vezes intransponível. Essa é uma outra questão que os que legislam sobre a educação não entendem — estudar é um processo permanente.
O conhecimento exige esforço e demanda recursos. O aprimoramento é fundamental para que o educador possa fornecer subsídios atraentes para que seus alunos prosperarem no aprendizado. O estímulo para quem professa o ensino como missão (me perdoe, Professora Marta Scarpato, que odeia esse termo) deve se dar em uma estrutura adequada, recursos midiáticos, compatíveis com os tempos atuais e a capacitação constante. E, é mais do que claro, salário não apenas digno, mas muitíssimo sobrevalorizado ao que se apresenta hoje. Porém, em se apresentando uma plataforma de governo que adota o Regime Militar como modelo, ou seja, de desmonte da educação, isso não acontecerá. Piorará. É um ciclo vicioso e viciado, pustulento e infectante de doenças do século passado. Isso não é conservadorismo. É putrefação.