como se entrasse num labirinto dei de me perder nos olhos dela parece que me tragavam para dentro de um mundo novo perdido em antigas tramas de atração fatal embarcado em nau amarrado ao mastro central ouvia como que um canto de sereia em calmo mar da boca que movia os lábios como se fossem ondas de luz das águas profundas de seu olhar meu coração batia como se montado em corcovo de indomável cavalo selvagem em campos de pleno sol bastava ver bater os cílios de seus olhos em miragem de morte como se buscasse sugar a minha seiva de depauperada árvore que tomba como se tivesse cortados caule e ramagem forças naturais que se avultam em poder e vingança ao mundo que tenta destruir a vida que palpita no meu peito de homem velho parte daqueles que sangram o sangue de escuro vermelho marcando o chão da estrada na caminhada da terra de perdido brilho…
Éramos dois perdidos numa cidade suja. Nossos caminhos se encontraram –– bailarina-cerebrina e espectador-expectador… Meus olhos a perseguirem seus passos nas esquinas-palcos. Eu, um solitário, cercado de pessoas e afazeres, fui beijado por ela em dia de Carnaval diante da porta do trabalho. Ela brandiu o seu leque, fantasiada de espanhola; eu, um espanhol fantasiado de ninguém, o roubei… Apaixonado, atrapalhado, alucinado, amargurado, assustado, me recusava a olhá-la nos olhos fugidios-furta-cores –– sabia que neles me perderia para sempre… Ela me amou como sempre me conhecesse; eu, como se nunca devesse tê-la encontrado –– pecado em forma de mulher –– cristão-penitente a me sentir condenado… Este-eu-pobre-ridículo-homem-tempo-seco, enquanto ela era tempestade –– raios e trovões em dia claro de Sol –– visão oscilante feito miragem de oásis no deserto; nunca soube ou quis amá-la como deveria e ela gostaria. Preferi fugir para um lugar onde sentia frio e dor, mais confortável do que é amar –– ser enganado por meus sentidos –– nunca ter certeza de onde estava ou se caminhava ou se flutuava ou se estava a cair indefinidamente numa fossa abissal… Consegui sobreviver à vida por ela ofertada. Preferi passear comigo mesmo em confortável-estável-imutável-roda-gigante num eterno domingo no parque da morte… Nos deixamos por mensagens-rompantes-soluços-choros de criança, sem adeus ou carta de despedida…
Neste jogo de imagens que é a vida, o nosso corpo é apenas uma miragem que se desvanece entre outras… Todos os anos nos deparamos com as mesmas datas a se repetirem na folhinha, na agenda da bolsa, no calendário do celular, em marcas de nossa pele… Costumam variar os dias da semana, mais velhos, o Sol nos recebe cotidianamente. Os espelhos insistem nos mostrar diferentes versões de quem imaginamos ser… Que importa? Espelhos foram feitos para serem quebrados e nós, para sermos amados, ainda que não nos reconheçamos…
*Poema erigido de cacos de palavras ao longo dos anos 10 do terceiro milênio.
O meu irmão e eu, somos locadores de equipamentos de sonorização e iluminação para a realização de eventos. O nosso trabalho envolve certas circunstâncias especiais e uma delas é o de tentarmos agir o mais seriamente possível em uma atividade que dá embasamento para a celebração da alegria e a descontração… dos outros. Como sempre digo, trabalhamos onde os outros se divertem. Desde a política do “Panem et circenses”, ao tempo do Império Romano, que buscava distrair o povo para os problemas sociais de então com um expediente que, de alguma maneira, o deixava sua liberdade à mercê dos poderosos, percebe-se que celebrar é uma poderosa maneira de dar vazão à alegria por estarmos vivos, comemorar um diploma, uma conquista profissional ou social, o aniversário, lançamento de produtos, casamento, congregar, etc.
Expressar alegria em público faz parte da história das civilizações e é uma característica humana ímpar, em todos rincões do planeta. Nós, da montagem da estrutura de base, chegamos antes e saímos depois. Enfrentamos acessos dificultados por condições precárias que vão desde à restrições de livre circulação por motivos de segurança ou conformação material, como corredores estreitos e escadarias íngremes — normalmente improvisações arquitetônicas de projetos que não contemplam os serviços como fundamentais — ainda que sejam. Assim como restrições implementadas por clubes, buffets e similares em que somos tratados como invasores e não colaboradores.
Para ganharmos o nosso pão, trabalhamos como os feirantes e os trabalhadores de circo — outras tradições de origem antiga — ou somos comparáveis aos povos nômades. Armamos o nosso acampamento, permanecemos por algum tempo em determinado lugar e, logo após o término do que viemos fazer, vamos embora. Afora registros como filmagem e fotos, quase não deixamos prova de que participamos de um evento real. Comparecemos como pano de fundo ou uma lembrança — substância de apelo tão fluido quanto pessoal. No final, quando desmontamos o acampamento e carregamos os equipamentos de nosso uso, resta-nos relaxar pelo trabalho bem feito e poder apreciar paisagens como a que registro aqui, observada junto à Represa de Guarapiranga, onde havíamos acabado de realizar uma festa de formatura.
Era um sábado, entrava o horário de verão e senti, naquele momento, que presenciava uma imagem como se fora o alvorecer do mundo. A ilusão seria mais completa se torres feitas pelas mãos dos homens não interferissem na ilusão da miragem.