Hoje, não presenciarei este poente… El Niño nublou o dia (tudo é culpa do El Niño desde sempre!) e a nebulosidade impedirá a visão do Sol boiando feito uma bolinha dourada nas águas avermelhadas do sangue da tarde que está a morrer… A não ser, é claro, que tenhamos uma terceira estação climática desde que se inaugurou a manhã…
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12 / 08 / 2025 / BEDA / Veio À Luz
veio à terrena luz…
foi difícil durou horas…
a porta não se abria
criaram um outro caminho
chegou chorou nos fez sorrir
dias depois novas possibilidades
novos olhares
algumas dores
o serzinho de boca pequena
desejante de vida plena
se amamenta da mama da mamãe
conexão com a existência
que será difícil árdua complicada
mas ela é voraz abocanha o mundo
profícua em imaginação luta
se desloca para o antigo mundo
caminha como se lá tivesse nascido
faz amigos sangue antigo
o mesmo que lhe traz perigos
mas não deixa de alcançar abrigos
leoa na estepe do viver
se recusa a morrer
mas se isso acontecer
não deixará de a si mesmo vencer
em conversa com as luzes
percebeu que estará em paz com seu novo corpo
de frequências fugazes
sem consistência e espessura
apenas alma pura
viajante pelo universo
finalmente liberta e aberta
para a Vida desperta…
12 / 05 / 2025 / Um Menino*
Conheci um menino que, por volta dos oito ou nove anos, recebeu a informação, por coleguinhas mais velhos, que a maneira mais comum de fazer amor com uma mulher, seria frente a frente. A principal preocupação do menino passou a consistir no fato de que teria que fazer algo tão íntimo olhando nos olhos da pessoa que viesse a namorar.
Aquela possível futura situação realmente o deixou estarrecido. Percebeu que não teria condições psicológicas de realizar aquela proeza. Seria tão fácil, pensou, se fosse apenas como os cachorros fazem, que era o modo que conhecia, pelo que via nas ruas…
Aliás, olhar nos olhos de outra pessoa era a coisa mais difícil de sua vida. Como igualmente enrubescia com a ideia de que alguém estivesse o observando. Tentou sempre ficar nos fundos ou nos cantos das salas de aula que frequentou. Essa atitude o favoreceu como um observador dos movimentos humanos e passou a sentir prazer em desenvolver esse talento materializando-o no papel. Tentava passar despercebido de todos, mas cedo percebeu que algumas de suas habilidades, passava a posicioná-lo no centro das atenções. Logo, passou a disfarçá-las, para melhor se esconder.
Lidar com as meninas, então, era o pior dos mundos. Elas o fascinavam ao mesmo tempo em que o deixavam paralisado. Gostava tanto delas, que preferia colocá-las na segurança de um pedestal, idealizadas como modelos de perfeição. O menino lembrou-se de quando começou a se apaixonar, à mesma época da descoberta sobre o intercurso frontal entre as espécies.
Primeiro, se apaixonou pela menina mais bonita da escola, depois pela mais desengonçada que, no entanto, gostava de seu melhor amigo. Aliviado por não ser o alvo daquela paixão, serviu alegremente de pombo-correio entre os dois. Mais um pouco, percebia que dava preferência às meninas comprometidas. Isso, o impedia de vir a querer se aproximar delas com intenções amorosas, já que seguia a rígida etiqueta da amizade entre os homens – “poderá até cobiçar a namoradinha do próximo, mas nunca deverá convidá-la para sair”.
No decorrer dos anos, o menino que conheci conseguiu, paulatinamente, mas com muito esforço e sofrimento, superar a sua mórbida timidez. Casou, teve filhas, mas apesar disso, nunca chegou a entender inteiramente as mulheres, mesmo as tendo constantemente por perto. Ou até por isso mesmo… Em suma, elas continuavam a fasciná-lo enormemente.
Se ele me pedisse um aconselhamento e se ele não estivesse tão longe no tempo, pediria covardemente que nunca se aproximasse das meninas, nunca se envolvesse emocionalmente, nunca se apaixonasse completamente por elas. Porém, advertiria também que ele perderia o melhor da viagem. Os altos e baixos do relevo, as curvas perigosas da estrada e a paisagem sempre inesperada. Diria ainda que podemos morrer por elas, no entanto é por elas que devemos viver.
*Texto de 2020
04 / 05 / 2025 / A Decaída
Flor solta de um ramalhete,
cortada de sua origem,
a trouxe para casa
e a pus em um pequeno vaso
com água…
Ainda que por alguns dias,
a bela decaída passeou
o seu poder sedutor pelos recintos…
Antes de juntar os seus átomos
decompostos aos outros
que a esperavam,
a coloquei para ver o sol a decair,
para que percebesse que tudo
ao nosso redor
vive o seu ciclo…
Por fim, a flor cumpriu o seu destino:
a de inspirar e morrer…
11 / 04 / 2025 / BEDA / Meus Bons Pecados*
Sou humano, portanto, carrego pecadilhos, pecados e pecadaços, exceto inveja. Por algum motivo obscuro, não invejo ninguém. Até tento, mas não consigo. Talvez porque seja soberbo demais para admitir. Vaidoso de meus predicados humanos, também não sou avaro quanto a demonstrar em várias circunstâncias e momentos a minha ira. Guloso, abocanho tudo ao meu redor, egoisticamente, como se pertencesse a mim. Preguiçosamente, curioso, espalho olhares que se disfarçam de tímidos, mas são vorazes, a desejarem comer-abarcar toda forma de vida. Creio, mesmo, que se aventurasse me adentrar em cada ser que se move, absorveria a energia que produzem – vampiro de almas, corpos e sexos que sou. Falacioso, por luxúria minto que amo apenas para possuir sem intenção de ficar. Abelha ou beija-flor de flores indefesas, alcanço com a minha boca todos os centros. Mas, no fundo, sou capaz de matar apenas para morrer de amor nos braços dela – somente…
*Texto de 2019




