BEDA / Negar

Quando negamos algo devemos entender a razão de negarmos. Por que não nos convém? Não nos interessa? Não nos é lícito? Vai contra nossas convicções? De que natureza são essas convicções? Qual a origem de suas ideias? Foi você que, pessoalmente, as formulou? Ou foi outra pessoa na qual confia? Por que você confia nela? Essa pessoa demonstrou ter qualidades acima de qualquer suspeita? Ela lhe inspira respeito? Ela tem um histórico ilibado? Ou mesmo que não seja ilibado você poderá contrapor que ninguém seja confiável ela diz o que você quer ouvir e seus atos demonstram que os resultados propostos alcançaram ou alcançarão êxito? Ou por que ela é contra a quem você é contra?

Essa pessoa, aquele que você elegeu como seu guia, começa a receber cada vez mais críticas. A oposição à sua postura se torna cada vez maior. Diante de uma situação difícil que ocorre no mundo todo, seu líder começa a negar que seja perigosa. Consegue poucos aliados que igualmente sofrem uma crescente oposição, a ponto do mais importante deles perder o cargo que ocupava, enquanto os outros são ditadores que não podem ser contestados sob pena de morte. O seu mentor começa a se isolar diante de outros líderes. O seu país começa a se tornar inconveniente no cenário mundial. Quase um pária. Mas você continua a apreciar a postura de força que seu guia diz ter. Não leva em consideração as atitudes desesperadas que toma demonstra, na verdade, fraqueza.

Ainda que veja que suas atitudes (as deles e, por conseguinte, as suas) confrontem o conhecimento estabelecido, você prefere ir contra os fatos e as regras básicas propostas por quem estudou o assunto durante a vida toda. Descrê que a situação seja tão grave. Acredita que os números estejam errados; que haja um complô mundial para derrubar o seu guru; que a grandíssima maioria dos cientistas, médicos, enfermeiros, infectologistas, estudiosos, professores estejam mentindo. Que fizeram um acordo macabro para desmerecê-lo. Desconfia que os diagnósticos estejam sendo propositalmente distorcidos e aumentados.

Considerando que estejamos passando por uma pandemia causada por um vírus que ataca as vias respiratórias. Que para evitar a contaminação você deve tomar algumas atitudes simples. Mas seu guru espiritual, ainda que não seja cientista ou médico, anuncia que não devemos fazer o que os especialistas dizem: não devemos usar máscaras; não devemos higienizar as mãos; não devemos usar álcool em gel; que devemos continuar nos aglomerando; que devemos continuar a servir ao sistema; caso o contrário, morrerá de fome. Se você adoecer, sem problema, pois todo mundo um dia morre; que o governo não cuidará de você; que não investirá em vacina, caso haja. Afinal, isso é coisa de maricas, que deve deixar de ser mimimi… Propõe como tratamento precoce, aliás, que seja usado um medicamento no qual pessoalmente investiu em vez de priorizar a aquisição dos necessários para a sobrevivência dos já doentes.

Você contrapõe que acha estranho que após a morte anunciada de 3 mil pacientes, não vaguem 3 mil leitos, se esquecendo que chegam a 80 mil pessoas os casos de pessoas infectadas por dia; que se 10% desses doentes diários desenvolverem sintomas mais graves, ocuparão mais do que o dobro dos leitos que vierem a vagar todos os dias, a ponto de fazer que o sistema de saúde entre em colapso. Isso, sem levar em conta que os profissionais que trabalham na linha de frente também adoecem, se estafam, que estão a mais de um ano enfrentando péssimas condições de trabalho para manterem as vidas dos acamados estáveis.

Negar continuamente, diante de fila de corpos que todos os dias são enterrados, que não estejamos sofrendo o reflexo horrível dessa negação através de uma parcela da população que prefere se tornar agente infectante de outras pessoas, incluindo familiares pais, mães, tias, avós, filhos, companheiros vida e de trabalho, amigos a transformando em soldados camicases que matam e morrem em nome de uma ideologia ultrapassada e nefasta, conduzida por um líder mortal.

Diante de tantos mortos, o crematório de São Paulo não está conseguindo atender à grande demanda. Logo imaginei que o líder do projeto que nos levou a este terrível capítulo da História deve chegar quase a ter um orgasmo ao imaginar a construção de fornos crematórios como os de Auschwitz, que fariam o serviço andar rapidamente. Aí, sim, chegaríamos ao estágio que ele sempre desejou transformar esta nação num campo de concentração e extermínio de seu povo.

    

Adriana Aneli Alê Helga – Claudia Leonardi Darlene Regina
Mariana Gouveia – Lunna Guedes / Roseli Pedroso

BEDA / Scenarium / Projeto Fotográfico 6 On 6 / À…gosto

Agosto de 2020 — Pandemia de Covid-19 grassando no País com a média de mais de 1.000 mortes por dia — por volta de 100.000 mortos oficialmente registrados, amplamente subnotificados. A direção da companhia indicou que poderíamos postar seis imagens à gosto. Escolhi algumas imagens que remetem ao passado. O presente indicado acima está um tanto estéril e o futuro não parece ser muito diferente, com tendência para ser um tanto enigmático, feito um jogo de azar.

 

6 on 6 agosto 4

Esta imagem foi colhida outro dia. Um fusca 1969 estacionado quase em frente à minha casa. 1969, assim como esse ratão, também foi o ano da mudança definitiva para a casa recém levantada no terreno 22 do loteamento realizado na antiga fazenda de fumo, na região da Vila Nova Cachoeirinha. Durante muitos anos, os pés de fumo nasceram a esmo em cada canto livre do quintal. O que ajudou bastante no controle dos piolhinhos que infestavam as galinhas que começamos a criar para completar o orçamento familiar. Tirávamos água do poço, tomávamos banho de canequinha, expulsávamos os cavalos que comiam a cerca feita de bucha (a planta), festejávamos a colheita de bananas, goiabas, abóboras e abacates, nos irritávamos com as picadas dos marimbondos. Eu adorava jogar futebol — balizas improvisadas com tijolos — bola improvisada com pano, recheio de papel e cordinha na rua de terra. Em dias de chuva, andávamos de chinelo, calças arriadas, até o asfalto, distante quase 2 Km para só então colocarmos os sapatos levados em sacolas. Tempos difíceis. Eu era feliz.

 

6 on 6 agosto 6

Essa imagem remete ao sincretismo religioso de minha mãe. São resíduos físicos de um tempo em que eu não compreendia como uma pessoa abarcava todas crenças possíveis em seu cotidiano. Além de acender velas aos “espíritos”, não via contradição em apresentar imagens díspares na prateleira. Um Buda gordo, inadmissível num asceta que jejuava frequentemente, se referia a símbolo de prosperidade. Assim como o elefante de costas. O Cristo em pedra sabão, apontava para a sua criação cristã, de primeira comunhão — a qual também fiz — crisma, missas dominicais e adoração aos santos. No entanto, seu nome — Maria Magdalena — já apontava para a tendência em ultrapassar os cânones e se ater ao teor herético da religião. Ela adorava ter o nome da 13ª Apóstola e, para alguns, mulher de Jesus.

 

6 on 6 agosto 7

Essas conchas estão há muito tempo conosco na casa de praia, onde estou. Porém é bem provável que os moluscos que as ocuparam possam ter vividos mais de um século, antes dos 40 conosco. Há moluscos que, devido ao metabolismo muito lento, chegam a mais de 500 anos, a depender da espécie. São prodígios do passado. Mensagens de eternidade em tempos de rápida deterioração do mundo que nos rodeia, em todas as suas formulações. A arquitetura dessas habitações é esplêndida. Construída pouco a pouco, enquanto cresce, sua natureza é de deixar, após a sua partida, um monumento a beleza e a transcendência, para quem conseguir-quiser ver. São templos dignos de oração.

 

6 on 6 agosto 3

Ao vir para cá, recebi essas toalhas embaladas em plástico. Segundo a Tânia, eu as recebi de presente em meu aniversário de meio século de vida. Nem ela, nem eu nos lembramos quem me presenteou. Eu não sou ligado a regalos. Talvez uma postura de defesa de alguém que dificilmente ganhava presentes quando garoto. Quando acontecia, geralmente eram roupas. Sei que essa impassibilidade é mal recebida, mas não consigo evitar. O meu aniversário de 50 anos foi um acontecimento inesperado para mim. Minha família disse que haveria uma festa a qual deveríamos ir. Era um domingo e eu queria ficar em casa, assistir a um futebolzinho ou um a filme. Fiquei de mal humor. Disseram que não demoraria. O Buffet ficava perto de casa e vi ali a oportunidade de me mandar a pé assim que fosse possível. Ao subir as escadas, pelo menos 50 pessoas me esperavam. Revistas, as fotos com a minha expressão de surpresa dizem tudo. Pessoas que não via há muito tempo, compareceram ao evento e me senti um tanto estranho ao perceber que fosse alguém que merecesse ser homenageado. Os presentes, alguns guardo como marcas, como a camisa do São Paulo F.C. com meu nome e número 50. Outros, pertencem ao passado. O da imagem, tem sido útil para enxugar o meu corpo a caminho dos 60 anos…

 

6 on 6 agosto 5

Da parte inferior do cacho da banana ainda imaturo, sai um pendão e, em seu extremo, destaca-se um cone de coloração e consistência diferenciadas (avermelhado-roxo), que é a flor da bananeira. É conhecida como buzina, umbigo, flor, coração ou mangará da banana. Costumo chamar preferencialmente de coração. Dois dos cachos produzidos, cortamos os corações. Deles, podem ser feitas excelentes saladas. Analogamente ao umbigo, quando cortamos o cordão, os filhotes-bananas se desenvolvem mais rapidamente. Deixados sobre a mureta, sem a seiva que os alimentava, murcharam pouco a pouco, até fenecerem. Umbigos ou corações — quedaram amargurados.

 

6 on 6 agosto 2A

A foto mais prosaica deixei para o final. Nela, apareço com a face taciturna, amplificada pela heterocromia dos meus olhos. Quase uma marca registrada da minha condição mental diante do que vivemos, a natureza cromática dos tempos atuais — verso, reverso, controverso — ganham melhor definição em foto em preto, branco e tons de cinza, amálgama-palheta da composição de cores da maldição em ser brasileiro.

B.E.D.A. — Blog Every Day August

Adriana Aneli — Claudia Leonardi — Darlene Regina — Mariana Gouveia —

Lunna Guedes

Projeto Fotográfico 6 On 6 / Calendário Particular

Para além das efemérides coletivas, feriados que ensejam finais de semana prolongados — vivemos atualmente um bem longo — nossa vida acontece individualmente, envolvendo circunstâncias de grande importância particular, mas que para o mundo quase nada representa, a não ser que o anunciemos de alguma forma nas redes sociais ou outro meio. Isso poderá causar algum tipo de impacto para alguns poucos, muitos ou ninguém, o que apenas reafirma nossa particular pequenez. A não ser que, como eu, os considere como marcos da estrada que percorro. Se são de granito — como os antigos — ou feitos por pedaços de pão, eventualmente devorados pelos pássaros, só o tempo dirá… enquanto o tempo “existir”.

Janeiro II
“O Beijo Eterno” e a Igreja e Convento de São Francisco, adiante à esquerda

Janeiro. No dia desse registro, voltava de ônibus bem cedo vindo da Zona Sul. Cheguei ao Centrão para pegar outro ônibus para a Cachoeirinha. Caminhava em direção ao Convento Franciscano, intrinsecamente ligado a minha história. Era a primeira hora naturalmente iluminada do dia e a cidade despertava.  As pessoas começavam a circular ou nem tanto. Abaixo da marquise de entrada da tradicional Faculdade de Direito do Largo São Francisco, deserdados dormiam a sono solto. Em frente a ela, passei pelo “O Beijo Eterno” ou “Idílio”, em homenagem ao poema homônimo e ao seu autor, o poeta Olavo Bilac, ídolo nacionalista dos estudantes da faculdade no início do século XX. Esculpida pelo sueco William Zadig, em 1920, sofreu uma campanha de ódio nos Anos 60, levada adiante por conservadores que a consideravam sem valor estético. Porém, outras questões ganhavam relevância: se tratava de um beijo inter-racial — entre uma índia e um branco — inteiramente nus. A mesma indignação patrocinada por “novos” conservadores, quase 60 anos depois, pela aparição de um beijo gay numa revista em quadrinhos. Ah… as voltas que o mundo dá…

Fevereiro III
Participação de ETs no Carnaval de 2020

Fevereiro. Ocorrido no final do mês, o Carnaval, no qual trabalhei como prestador de serviços de som e luz, se desenrolou já com as notícias sobre o contágio da Covid-19 para além das fronteiras da China, chegando com força a alguns países da Europa, como Grã Bretanha, França, Espanha e Itália. A chamada pandemia aparentemente não foi levada a sério e alguns deles não tomaram as medidas restritivas preconizadas para conter o novo coronavírus. O número de mortos subia dia a dia, encontrando a União Européia na contra-mão. Enquanto isso, no continente americano de Estados Unidos e Brasil, a vida continuava sua rotina despreocupada, incrivelmente a negar que a doença pudesse atravessar o Atlântico ou o Pacífico. Em comum entre os dois países, governantes da mesma cepa virulenta do fascismo talvez se vissem a salvo por conta de algum tipo de messianismo ou apenas priorizavam a visão do lucro financeiro, não importando as vidas em jogo. Até o povão se sentia imune, dizendo se tratar de uma doença de rico. Começou realmente com quem podia viajar para o exterior, mas hoje a população mais pobre é a que sofre as maiores perdas. Ainda estou esperando a chegada dos ETs…

Março I
Sol, mar e máscara em Março

Março. Mês de mar e amor. Amor pelo sol e pelo mar. Amor por amar. O Brasil contava os seus primeiros mortos, iniciado com a primeira vítima no dia 17 e eu sabia que as minhas mini-férias poderiam se prolongar se as medidas mais rígidas começassem a ser implementadas. Contrário à orientação da presidência da República, os governadores decidiram tomar providências mais sérias. Estava na Praia Grande há pouco tempo e talvez tenha tido apenas uns cinco dias antes que fosse proibido pisar na areia e nadar no mar. O meu caso com as ondas e a salinidade é algo que me define. Sou água, apesar de meu signo ser do ar. Os eventos programados para o mês foram cancelados, por conta do fechamento de clubes, buffets e restaurantes, entre outros espaços de festas e confraternização. Foi implementado o uso de máscaras em público e o distanciamento social. Fiquei totalmente isolado por três semanas. Havia barreiras sanitárias que impediam a descida ou subida de ônibus de viagem e carros de fora. Não fosse a pandemia e seu teor infeccioso, eu estaria muito bem. A solidão era uma companheira antiga e íntima.

Abril II
Baile de máscaras

Abril. Mês que apresenta efemérides como a do dia 21, de Tiradentes — Joaquim José da Silva Xavier — eleito herói por ter pretendido a separação de Portugal, pagando com a própria morte. A do dia 22, do Descobrimento do Brasil por Pedro Álvares Cabral que, na verdade, denuncia a data da invasão de Pindorama pelos portugueses. Foi re-significada com a reunião ministerial que foi divulgada tempos depois — a descoberta do verdadeiro Brasil. Dia 10, foi Sexta-Feira Santa, um final de semana prolongado, muito ansiado pelos trabalhadores para escaparem às montanhas, às praias e aos campos, se o isolamento social não transformasse todos os dias em domingos em casa. Uma página de negócios chegou a fazer uma matéria que frisava: “Os feriados de 2020 podem representar uma ameaça ou oportunidade para o seu negócio — tudo depende da sua capacidade de planejamento. Este ano, especialmente, teremos nove feriados prolongados — quase o dobro de 2019″. Não coloco aqui a fonte para não desmerecê-la. A bem da verdade, a não ser os cientistas sanitaristas, poucos acreditavam no que viria a acontecer. Para mim, está claro — até hoje e desde então — nunca mais saímos do dia 1º de Abril.

Maio I
Pão, pão, beijo, beijo

Maio. Mês de ficar resolutamente em casa. E dá-lhe fazer pão, inventar receitas, experimentar novos pratos. Ou deixar de acordar ou dormir em horários fixos. Dias de alternar rotinas, conversar à distância com pessoas que sequer conversávamos presencialmente e, no meu caso, escrever muito. Ler os livros que não tinha tempo, apagar a lista de eventos dos meses que viriam. A não ser um, em agosto — uma moça que não abriu mão de casar — mesmo com todas as restrições que permearão as atividades no setor de eventos. Iniciei uma rotina de exercícios que alternavam ciclismo (apenas na Praia Grande, em horários alternativos) e circuitos de caminhada em casa, com passagens por escadas, além de uso de pesos feitos com vasilhames de alças, cheias de água. No mais, seguimos caminhando como se estivéssemos no escuro, tateando as paredes, tentando não darmos uma topada numa pedra ou batermos a cabeça numa quina. Pessoalmente, não sei se por clarividência ou puro pessimismo, não via a luz no fim do túnel.

Junho
Mês das reticências…

Junho. Mês da conformação, último do semestre. Mês de estabelecer definitivamente as regras do “novo normal” — locução que significa apena isso mesmo. Porque há pessoas que não se conformam. Brincam com as possibilidades expressas em porcentagens, transformadas no jogo do “talvez, sim, talvez, não”. Um outro nível de negação, jogado em fases de perigos maiores ou menores. Bares reabertos lotados, festas clandestinas saudadas como a última chance de ser feliz, roletas russas em que as armas são as próprias pessoas  — seres que respiram o mesmo ar, sem máscara. Mês da nuvem de gafanhotos, insetos que ameaçavam as nossas fronteiras em contraponto aos gafanhotos humanos que assolam o Brasil desde sempre. Mês das reticências… como as que aparecem na foto acima, surgidas inadvertidamente. Mês de quem viver, verá…

Alê Helga— Darlene ReginaLunna Guedes

Isabelle Brum — Mariana Gouveia

Ressurreição*

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Segunda-feira. Tempo marcado no relógio. Logo mais, terei que trabalhar. Estou a alimentar as calopsitas, Dulce e Horácio, as porquinhas da Índia – Baleia e Cotoco. Ouço palmas no portão.

Diviso um senhor – chapéu de aba larga, óculos de grossos aros sobre o nariz, bolsa com a alça cruzada no peito e guarda-chuva-sol na mão direita. Sem abrir o portão, pergunto: “Pois, não?”…

Começo a ouvir uma voz de criança, bem articulada e ritmada. Olho para baixo, mais à esquerda, e percebo um garoto de pele amorenada, rosto suave e um sorriso de dentes maiores que a boca. Não devia chegar aos dez anos de idade.

Ele fala sobre algum tema bíblico, que eu não sei identificar qual seja, apesar de suas palavras soarem claras. Eu fiquei mais atendo à cadência do que ao conteúdo do que dizia. Em certo momento, perguntou: “Sim? Não? Talvez?”…

Como que despertado de um sonho, respondi, sem saber ao que: “Sempre talvez!”…

Já disse para alguns, algumas vezes, que o “talvez” permeia a minha vida. Ao contrário do que possam pensar, esse “talvez” é um método especulativo-existencial muito pessoal. Tenho convicções bastante fortes sobre muitas coisas, mas o “talvez” me leva ver sempre o outro lado de uma situação.

Naquele caso, o mocinho respondeu de pronto que um “talvez” era melhor do que um “não”…

Nesse instante, olhei em direção ao senhor que o acompanhava e pude notar um leve sorriso de satisfação pela agilidade mental/verbal do seu pequeno acompanhante.

Logo, o garoto terminou o seu breve discurso e me passou rapidamente um papel pela fresta do portão. Nele, estava estampada a pergunta ao qual respondi sem pensar… Especulava sobre a vida após a vida, com respostas que a Bíblia carrega em suas páginas.

Fiquei a cismar que se a vida possa ser um jorro contínuo de “talvezes” ininterruptos, por que não talvez venha algo depois que ela cesse neste plano?… Sim! Sempre talvez… e o “talvez” será sempre melhor do que um “não” definitivo…

*Texto de 2015