A Árvore*

Avenida São Luís, em dia de chuva em março de 2013

Na tarde de ontem caiu uma tempestade típica de março, o mês que fecha o verão. Logo, o trânsito ficou complicado e, em alguns pontos da cidade, andávamos (sobre rodas) a passos de tartaruga doente. Na Avenida São Luís, enquanto esperávamos para nos mover por mais um metro, olhei para a árvore à minha direita e disse a ela, em meu pensamento:

— Estamos todos parados como você, mas acho que a sua situação é bem mais confortável que a nossa…

Passados alguns instantes, ouvi uma resposta:

— Eu estou certa disso! Eu sei quem eu sou, onde estou e para onde vou!

Olhei para os lados para ver se mais alguém percebera o nosso diálogo supostamente silente. Fiquei certo que a nossa conversação ocorria somente em minha mente. Retruquei:

— Eu acho estranho você dizer que sabe para onde vai. Não parece que você vá a algum lugar…

— É o que parece, não? Você provavelmente se prende ao fato de nós, árvores, não nos movermos fisicamente. Isto não quer dizer, necessariamente, que não tenhamos consciência de tudo o que nos rodeia. Apenas, não precisamos ir de um ponto ao outro para isso…

Percebi certa ironia daquela árvore sobre a minha condição de ser momentaneamente paralisado. Com certa indignação, retorqui:

— Eu acho que a sua condição talvez não seja tão confortável assim. Você tem consciência que foi plantada por homens e que homens podem vir aqui retirá-la do lugar?

— E você, também não foi “plantado” por homens e homens não podem a qualquer momento vir a “desplantá-lo” do mundo? Não estamos, todos nós à mercê da vontade de terceiros e a situações inesperadas? Você para onde está indo?

— Estou indo (ou não indo) trabalhar. Tenho que buscar subsídios para a minha sobrevivência. Você sabe o que é trabalhar?

— Meu caro, sou uma trabalhadora nata! Sou o ser mais preparado que existe para subsistir. Eu sou a minha própria indústria de alimentos! No entanto, a questão que coloco é mais genérica — você sabe para onde vai?

Sem resposta, retribui a questão:

— E você, sabe?

— Sim, eu sei!…

Suspendi, por instantes, a respiração. Será que eu teria a resposta de umas das mais prementes indagações do Universo?

— Eu vou para onde estou… E estou onde deveria estar. Sem essa certeza, estaria desenraizada. Observo, dias e noites, vocês passarem de lá para cá, percorrendo trilhas marcadas, buscando algo que, em verdade, já está com vocês.

Aquela árvore deve ter sido um sábio chinês em outra encarnação. Percebi que a sua sabedoria não me alcançaria naquele instante. Estava mais preocupado em chegar ao evento programado na hora marcada. Antes que o carro ultrapassasse a quadra onde ela estava estacionada, perguntei:

— Porque você falou comigo, especialmente?

— Ora, porque você se colocou como um ser igual a mim. Normalmente, as pessoas não conferem essa dignidade a nós. Não somos sequer notadas…

— Eu sempre converso com as plantas, mas nunca me responderam antes. Eu acredito que fazemos parte do mesmo ambiente, vivemos o mesmo tempo, interligados… Olha, parece que já estou conseguindo me mover…

— Parece que você já está no bom caminho, amigo… Boa viagem!

Consegui me adiantar bem, deixando para trás aquela nova amiga e tendo a sensação de que estava mais certo do percurso que percorreria dali para diante, mesmo que parecesse estar ainda andando em círculos… 

* Texto original de março de 2013 que, editado por Lunna Guedes, veio a compor o livro de contos curtos Rua 2, pela Scenarium Plural — Livros Artesanais