22 / 02 / 2025 / Cinéfilo*

Em *2017 publiquei:

“Gosto muito desta camiseta, dada a mim por uma das minhas filhas. Aliás, os seus nomes foram inspiradas em atrizes às quais admiro muito — Romy (Schneider), Ingrid (Bergman) e Liv (Ulmann). Sou cinéfilo desde garoto e, durante algum tempo, acalentei o desejo de ser diretor de filmes. Enveredei por outros caminhos, mas percebi que se cinema é a vida em movimento, cumpro o papel de diretor do meu corpo em função do meu trabalho com eventos. Em vários lugares por quais passo, alguém sempre estará a filmar o momento que vivo…”.

Post Scriptum: Nessas voltas que o mundo dá, conheci um jovem cineasta — Wes Matta —amigo da minha filha mais nova, que decidiu adaptar textos meus para produções independentes. Outra pedido dele foi o de que eu atuasse, o que eu já fiz algumas vezes, com gosto por estar dentro daquele processo criativo.

BEDA / Mulher De Parar O Trânsito*

Estávamos no carro… em mão contrária a ela — que parou, enxugou o suor da testa e olhou em nossa direção. Eu me senti diretamente atingido por seu olhar. De repente, me vi intimidado pela força da cena que presenciávamos. Atrás de si, se estendia uma fila imensa de automóveis, que esperavam que ela se movesse tão depressa quanto possível, dada a sua condição. A mulher talvez tivesse quarenta anos, mas as mechas de cabelos brancos e desgrenhados denunciavam mais. Era magra, devia pesar uns 55 quilos e carregava pelo menos 200 quilos de papel, papelão, lata e plástico… na imensa carroça que puxava. Na verdade, como vinha do acentuado declive da primeira parte da Gal. Penha Brasil, sua tarefa — até aquele momento, em que chegava à parte plana — tinha sido segurar o peso na descida.

O movimento de automóveis naquela hora da manhã desse sábado estava bem intenso, tanto para subir quanto para descer… mas, a lentidão na mão para baixo era provocada por ela. No entanto, não se ouvia qualquer buzina impaciente, nem sequer um semblante tenso nos motoristas que a seguiam. Ao contrário: os paulistanos daquele pedaço da Zona Norte pareciam estar totalmente solidários àquela cidadã, que carregava o seu sustento pelas ruas irregulares. Imaginei que não se sentissem tão diferentes dela, em suas jornadas pessoais para ganhar o pão com o suor do rosto. Quiçá, não se achassem tão corajosos para enfrentar uma tarefa tão dura…

*Texto constante de REALidade, livro de crônicas lançado pela Scenarium Livros Artesanais, participante de BEDA: Blog Every Day August

Denise Gals / Mariana Gouveia / Roseli Pedroso / Lunna Guedes / Bob F / Suzana Martins / Cláudia Leonardi

BEDA / Amor & Ser

Ah, o milagre do amor…

Eu, desde muito cedo, me acostumei a separar Amor de amor. Amor designaria aquele gerado sem segundas intenções, puro e autônomo, existente mesmo sem ser correspondido, mesmo porque é generalizante. O de fundo “romântico”, baseado no afeto mútuo, vive no raso das emoções, mais “fácil” de ser correspondido, assim como descartado. Origina-se na simpatia e expresso de maneira menos elaborada. Normalmente pede envolvimento físico, mas pode se colocar numa condição superior através da convivência. Também comecei distinguir Ser de ser, em que o primeiro significaria alcançar a plena capacidade de existir, Sendo. Neste caso, “ser” representaria a situação transitória da existência.

Quando falo do milagre do Amor, deve-se ao esforço que devemos fazer para ultrapassar as muitas barreiras que muitas vezes erguemos para conseguirmos desenvolver tamanha empatia a ponto de vir proporcionar sentimentos mais elevados. Para dificultar, entra em jogo as diferenças inerentes à nossa presença no mundo – que mais separam do que unem as pessoas. Muitas vezes, para darmos vazão ao amor que nos move intimamente, desenvolvemos relações mais profundas com outros seres que não os humanos. 

No amor romântico, assumimos formas relacionais que geram emoções alteradas, aflitivas, geradoras de conflitos entre as partes correspondentes. O sistema sob o qual a Sociedade se desenvolveu impede que seja diferente. É comum que não progridam, a não ser que o relacionamento seja reinventado de comum acordo. É algo que tem ganhado maior número de adeptos abandonar os arranjos tradicionais, buscando novos feitios que muitas vezes incorporam mais do que dois componentes no convívio mútuo. No entanto, dado ao aumento da violência entre os casais, principalmente do homem contra a mulher, têm-se desejado evitar uniões tradicionais, prioritariamente por elas.

Esforço maior ainda é saber o que seja esse tal de amor romântico. Aliás, sei. Que se resume em não saber de si. Acho que esse amor tem o papel de nos perdermos. Descobrirmos as nossas fraquezas, abaixarmos as nossas defesas, sofrermos os ataques do “inimigo”, nos rendermos ao sentimento. Poderia se dizer que não precisaria ser assim. Concordo, mas a intensidade tem tanto a nos ensinar. Sem ela, não vale a pena vivê-lo. Não amarmos com todo o ardor, nos desmontarmos, é um bem-vindo exercício de humildade. Podemos vir a morrer. Mas tenho por mim que renascemos melhores.

Muito recentemente, percebi que para Amar ao próximo como a nós mesmos, recomendado por um grande Avatar como mandamento precípuo, nos Amarmos é fundamental. Não pode haver correspondência sem que nos aceitemos com todas as nossas falhas. Sabermos que Somos, ainda que imperfeitos neste instante que são as nossas momentâneas vidas terrenas. Enfim, amar, apesar de tudo, é uma introdução a um movimento que abarca um sentido bem mais complexo, superior… enquanto não alcançamos o Amor.

Foto por lil artsy em Pexels.com

Texto participante do BEDA: Blog Every Day August

Roseli Peixoto / Claudia Leonardi / Bob F / Lunna Guedes / Suzana Martins / Mariana Gouveia

BEDA / Instantâneos Paulistanos*

Em *2011 escrevi: “Castelinho da Rua Apa, ponto tenebroso da cidade, não só pela história bastante sombria do lugar, onde ocorreu um duplo assassinato — mãe e dois filhos advogados. Mesmo antes da edificação do prédio, na área aconteceram episódios estranhos. Atualmente, é símbolo do descaso com que foi tratada esta região de São Paulo“. Revisando o que foi dito na última sentença, o edifício foi restaurado e desde 1996, a ONG Clube das Mães do Brasil tem a concessão para utilização do local.

Amizade. Enquanto o cão descansa com a amiga no colchão, o terceiro do grupo espera que o tempo passe… *2014

Na academia, estava entretido nos exercícios de supino. Entre um intervalo e outro, você, vestida de amarelo, chamou a minha atenção. Entre tanto movimento, o seu corpo posava lindamente para uma foto roubada. *2011

Vista da Praça Princesa Isabel, onde vemos Duque de Caxias estacionado com o seu cavalo e seu braço em riste com uma espada a mão… para sempre. À esquerda, abaixo, um catador de papel, figura onipresente na região. Mais ao longe, no horizonte, Cristo, no topo do prédio do Colégio Sagrado Coração de Jesus, observa o domingo na Cracolândia. Bem ao fundo, temos o perfil da Serra da Cantareira.*2009

Participante de BEDABlog Every Day August

Roseli Pedroso / Mariana Gouveia / Suzana Martins / Lunna Guedes / Claudia Leonardi / Bob F / Denise Gals

BEDA / Aleatoriedades Temporais

O Facebook não sei quanto mais tempo durará. Quando surgiu o Orkut nem cheguei a usar todas as suas possibilidades e não participava de grupos. O Facebook passou por cima dele rapidamente como um trator e logo se tornou hegemônico. Poder que se estendeu para outras formas de apresentação, como o Instagram. Hoje, fazem parte de um conjunto de aplicativos que compõem a Meta — em referência ao Metaverso — uma espécie de universo virtual paralelo. Enquanto vivia a sua primeira fase, eu utilizei o Facebook como repositório de textos, imagens e assuntos tão aleatórios quanto crepúsculos ou observações sobre temas cotidianos. Eis alguns exemplos.

Metalinguagem (2021)

Em tempos de falsa concretude, das palavras cada vez mais estioladas, das imagens empobrecidas, dos pleonasmos cada vez mais reais, dos passos maldados, do ladrão de verbos e verbas, pede-se encarecidamente — não pisem na metalinguagem!

Asas… (2020)

A cada dia que perguntamos algo ao céu,
ele responde de forma diferente.
Mas o sentido é o mesmo — a vida
é movimento e transformação…

Moema (2020)

Ao ver o sol se pôr em Moema, atravessei o meu olhar através dos prédios, casas baixas, árvores, colinas, vales e rios para cada vez mais fundo no Tempo. Moema tem origem no Tupi “moeemo”, calcado no gerúndio, que quer dizer “adoçando”. Transformado para o feminino, significa “aquela que está adoçando”. O nome foi criado pelo Frei de Santa Rita Durão, para um personagem do seu famoso poema “Caramuru”, que conta a história do náufrago português Diogo Álvares Correia, no tempo em que viveu entre os índios Tupinambás. Por alguns instantes, voltei a eles. Inocente do destino do meu povo que morrerá-morre-morreu. Outra possível versão sobre o significado de Moema é “mentira”… 

Bethânia (2017)

Bethânia… É comum me sentir como ela… Sempre tentando me adaptar aos humanos…

Mooca (2011)

São Paulo convive com características de cidade pequena, em várias de seus caminhos, mesmo os mais movimentados. Na Rua dos Trilhos, que fica no Bairro da Mooca, podemos presenciá-las à esquerda, em casinhas que resistem com a mesma fachada desde que foram construídas, nas primeiras décadas do século passado. À direita, resquícios de uma das últimas linhas de troleibus da cidade.

Sarah (2015)

Este é o túmulo de Sarah. E quem foi Sarah, que faleceu aos três anos e meio de idade, em 1999? Não sei, mas ao passar mais uma vez junto ao Cemitério da Saudade, aqui em Caieiras, onde estou trabalhando, não deixei de me emocionar ao ver a sua foto, através do muro baixo, onde o seu corpo descansa. Em uma placa sobre a lápide, ao lado dela, pode-se ler: “Sarah, você é o sol que brilhará eternamente”. Estou de TPM — Temporada de Piedoso Melindre — momentos em que tenho vontade de chorar por qualquer coisa, desde o latido de um filhote de cachorro até a imagem de uma Maria-Sem-Vergonha se abrindo. Caminhei algumas quadras com a expressão pesarosa de quem perdera alguém muito próximo, em um dia em que o Sol se fez ausente, como a anunciar a chegada do Outono. Logo, tive que me refazer, não sem antes deixar cair uma ou duas lágrimas por aquela criança que mal ultrapassou a primeira infância como tantas no Brasil

Participam: Alê Helga / Mariana Gouveia / Lunna Guedes / Roseli Pedroso / Cláudia Leonardi Suzana Martins / Dose de Poesia / Lucas Armelim / Danielle SV