Interpretação de Romaria por Elis Regina, no show Transversal do Tempo, gravado ao vivo em 1978.
Eu tive a oportunidade de ouvir Romaria em sua primeira audição e senti uma comoção tão grande, que me vi na pele daquele romeiro da canção de Renato Teixeira. Foi por ocasião de um programa radiofônico da Jovem Pan*, chamado O Fino da Música, de 1977, interpretada por Elis Regina, que já era a minha cantora favorita, então. Foi uma verdadeira comunhão.
Quase ao final da apresentação, ao ressoar retumbante de um prato, no belo arranjo de César Camargo Mariano, já não podia controlar a minha emoção e verti algumas lágrimas sentidas. Assim, desbragadamente. Ali, também estava eu, ajoelhado e, da mesma forma não sabendo rezar, tentava enternecer a Santa mostrando o “meu olhar, meu olhar, meu olhar”… Aliás, comecei a me envolver logo aos primeiros acordes: “É de sonho de pó, o destino de um só…” — em crescente comoção. Talvez fosse um sinal da mudança de sentido que se prenunciava — de minha postura abertamente cética à transcendência espiritual como visão de vida…
Elis cantou várias canções que embalaram a minha imaginação e me fizeram compreender o quanto a música pode transcender o fato de ser muito mais que composições de frequências vibratórias que mexem com a nossa estrutura física. As músicas também carregam mensagens que nos elevam a alma, que nos fazem transbordar sentimentos profundos ou emoções rasas. Muitas nos arrastam para o prazer ou para a dor sentida-imaginada, alcançando, enfim, os recônditos mais discretos de nosso ser.
Vinte e cinco anos após esse momento, mais ou menos, tive o imenso prazer de sonorizar uma apresentação do próprio Renato Teixeira em um show, no qual ele mesmo cantou Romaria. Na primeira ocasião, ele fazia a segunda voz no refrão — “Sou caipira Pirapora, Senhora de Aparecida…” — na composição que o elevou como compositor ao primeiro time da MPB pela voz da Elis. Ah, as voltas que o mundo dá, nesta eterna Romaria que vivemos…
Com a morte de Elis em 1982, criou-se um vácuo no lançamento de novos nomes na MPB. Apenas alguns compositores, em comparação ao período em que ela esteve viva, conseguiram emergir do anonimato. Por algum tempo, eu cheguei a ter raiva dela por ter morrido tão estupidamente. Hoje, sabemos que estava depressiva há tempos e nós, seus admiradores, não conseguíamos perceber sua condição. Só nos resta a saudade…
*Durante alguns anos, desde os 8 ou 9 até os 13 ou 14, eu tive um radinho de pilha japonês, com o qual ouvia programas de rádio aos finais de semana e durante a semana, logo de manhã e antes de dormir. A programação preferida se dividia entre a esportiva e a musical. Minha emissora favorita era a Rádio Panamericana AM, de São Paulo. No esporte, ouvia as narrações de Osmar Santos e Edemar Annuseck, com comentários de Orlando Duarte e Cláudio Carsughi; reportagens de Cândido Garcia e Fausto Silva (o hoje famoso apresentador dominical), além de outros nomes. O Show de Rádio, com os tipos criados por Estevam Bourroul Sangirardi e interpretados por ele e vários outros humoristas, como Serginho Leite. Na programação musical, aprendi muito com Zuza Homem de Mello e vibrei com o Fino da Música — shows com a participação de grandes nomes da MPB. Depois de cinquenta anos, o alinhamento da emissora com o atual (des)governo fez com que eu me afastasse de sua audiência. Um rompimento doloroso, porém necessário.
Foto do casarão da Escola Municipal de Música, na Rua Vergueiro, 961, até junho de 2012.
A minha alma apresenta zonas escuras pela qual caminho de vez em quando. Devo supor que não só a mim assaltam presságios de agouros silentes, porém penetrantes. Como também, igualmente, não apenas a mim sinto chegar massas de energia que são transmitidas por pessoas, coisas e lugares. Creio que ocorram momentos dessa natureza com cada um de nós alguma vez na vida, em que sentimos vibrações benéficas ou maléficas que derivam de eventos e indivíduos.
Passei por várias situações em minha vida em que antecipava com a certeza de quem tinha os presenciado fatos que viria a saber, oficialmente, algum tempo depois. No entanto, isso não é algo que aconteça com tanta frequência comigo. O mais comum é que na maioria das ocasiões eu esteja alheio a acontecimentos que se desenrolam diante do meu nariz.
A introdução acima foi para apresentar uma dessas situações em que as minhas antenas apontavam fortemente em direção a um determinado ponto. Desde que comecei a frequentar a unidade da UNIP do Paraíso, em agosto de 2012, alternava a opção de descer nas estações Paraíso ou Vergueiro, sendo que achava mais interessante a última, por poder me desvencilhar o quanto antes da lotação dos trens do metrô de todas as manhãs.
Todas as vezes que caminhava em direção ao prédio da faculdade e passava em frente a um determinado imóvel na Rua Vergueiro, o meu olhar se desviava para a esquerda e eu sentia uma tremenda necessidade de desvendar o bloco que se apresentava por detrás do alto tapume de metal. O que dava para perceber é que se tratava de uma casa antiga, mas que não apresentava nenhum aspecto especial que a destacasse de outros casarões que estavam sendo abatidos na região, um após outro, substituídos por torres de vidro.
Prometi a mim mesmo que usaria alguns dos instrumentos disponíveis na rede para visualizar o local fotograficamente e saber quem vivia ali antes. Por uma dessas situações que não sei identificar o porquê, fui protelando meses seguidos essa providência. O número “1” do “961” chegara a cair e outros detalhes do imóvel se deterioravam paulatinamente. Percebi a urgência de realizar a averiguação, o que finalmente se concretizou em meados de abril de 2013. Pude, então, identificar qual a história daquele lugar que emitia uma carga vibracional que me lambia todas as vezes que eu passava por ali.
Quando acessei as informações, me surpreendi, mas nem tanto. O fato de sentir aquela vibração especial irradiada por detrás do tapume não era vã. Ali funcionou, até junho de 2012, a Escola Municipal de Música. Essa instituição que agora funciona no Centrão, na Avenida São João, foi fundada em 1969. Não sei se operou desde o início naquele lugar. Eu fui aluno, por pouco tempo, da E.M.M., trinta anos antes, na unidade que funcionava na Rua Machado de Assis, ali perto. Talvez fosse a mesma escola, não sei. De qualquer forma, na época que frequentei não pude continuar porque não sabia tocar um instrumento razoavelmente. Talvez nenhum…
Passei em uma prova que foi feita para ser a mais democrática possível. Quem tem ouvido musical, passa com certa facilidade. Segundo a proposta da E.M.M., “A escola tem por missão formar músicos profissionais, com destaque para os instrumentos de orquestra. Atende interessados de todos os instrumentos de uma orquestra sinfônica, além de regência, canto, saxofone, cravo, flauta doce e violão. Os cursos têm duração variável, de 2 a 12 anos, e o ingresso se dá por seleção interna, com inscrições sempre na primeira semana de outubro. Os cursos são gratuitos, e as exigências para ingresso são publicadas geralmente na terceira semana de setembro em edital no Diário Oficial da Cidadede São Paulo. A seleção de alunos é feita em duas etapas, sendo a primeira um teste auditivo realizado em grupo e a segunda uma prova prática individual, frente a uma banca examinadora”.
Dividida em várias escalas de classificação, o sistema de seleção da grade ensino me jogou para o 1º Ano Teórico. Quando fiz a primeira aula, me senti totalmente deslocado. Todos os alunos já tinham conhecimento teórico e sabiam tocar algum instrumento, quase sem exceções, muito bem. Pedi que me transferissem para um patamar abaixo e fui para o 1º Ano Básico. Não era muito diferente da classe anterior. Quando o nosso professor, Mário Zaccaro, foi fazer uma demonstração de notação musical e pediu para que um aluno tocasse algo ao piano, um jovenzinho “debulhou” nas teclas pretas e brancas, de modo que percebi o quanto seria difícil me equiparar àquele pessoal.
Ainda tentei entrar para um dos cursos – me restava o canto – que sabia também ser quase impossível. No dia do teste, o professor selecionador foi muito gentil, me ajudou na postura e observou a minha entonação de “Cio da Terra”, de Chico Buarque, com atenção. Enquanto isso, os outros candidatos se revezavam em peças de Verdi e Puccini. Lá, permaneci um bimestre, tirei a nota mínima na aula teórica (7,0), mas senti que não daria para continuar. Músico frustrado, mas amante incondicional da música e admirador de bons músicos, o meu trabalho gira em torno dessa “raça” diferenciada. São seres especiais, sem dúvida.
Não me admira que aquele lugar projetasse tanta energia para fora do tapume. Lá, foram formados alguns dos melhores músicos do País. Naquele lugar se estudou uma arte que carreia a possibilidade de viajarmos para fora de nós mesmos rumo a planetas formados por frequências harmônicas. Uma arte que privilegia e busca a união entre instrumentos e corpos para produzir beleza. Ali, pessoas conjugavam os seus melhores esforços para alcançar a plenitude em produção de música. E aquele ponto de encontro de força criativa, mesmo depois dos envolvidos no processo terem-no deixado há vários meses, ainda emitia o seu quantum de energia.
Logo após eu descobrir todo o histórico da casa, ela foi abaixo. Desapareceu qualquer traço visual identificador de que ali funcionou um centro de arte. Rapidamente, fora retirado o entulho resultante, tijolos de história enchiam as caçambas. Foi escavada a terra que fundava o casarão que conectava o chão ao lar de cultura. Mais um tanto de tempo, reinará naquele trecho de rua a mesmice visual e a carga energética burocrática e plana de mais um prédio comercial. Não creio que alguém desviará a cabeça para observar mais uma torre envidraçada comum a tantas…
Fachada uniforme e comum a tantas do edifício no local de onde emanava a energia que sentia.
O ano, 1979. Aos 17 anos, eu era um assíduo telespectador da TV2 Cultura de São Paulo e via programas dos mais variados. De especiais de teledramaturgia, como Teatro 2; de variedades, como Ação Super 8; de entrevistas, como Vox Populi; a musicais, como MPB Especial e iniciativas como o 1° Festival Universitárioda Canção, que se transformou num marco do movimento musical chamado Vanguarda Paulista.
Talvez saudoso dos festivais dos anos 60 e 70 da TV Excelsior e da TV Record, busquei assistir todas as apresentações. Quando surgiu no palco a Banda Sabor de Veneno, comandado por Arrigo Barnabé, a sensação de estranhamento, a princípio, deu lugar a um crescente entusiasmo, culminando em uma irresistível impressão de que via o sol nascer de novo, em plena noite, apesar de presenciar tudo por um aparelho televisor em preto e branco. Foram duas apresentações — “Infortúnio” e “Diversões Eletrônicas” — que mostraram outra possibilidade de se fazer música brasileira.
Nos vídeos adiante, estão explicitadas as influências que dirigiram as construções dos temas e as repercussões que obtiveram do público presente. Eu, por mim, celebrei essas pérolas musicais como se fossem clássicos instantâneos. Quem tiver a paciência de assistir os vídeos até o final talvez estranhem e se perguntem a razão que leva alguém que cita como exemplos de influências importantes de representantes da MPB—Maysa Matarazzo, Milton Nascimento, Caetano Veloso, Gilberto Gil e Elis Regina— a versar sobre algo totalmente diferente dessa matriz de maneira tão entusiasmada. O critério que utilizo é a profundidade da repercussão que causou em minha visão artística.
Foi um verdadeiro marco que percebo como fundamental, independente da altíssima qualidade de várias outras produções que os compositores brasileiros apresentaram ao longo dos últimos cem anos, na linha popular. “Diversões Eletrônicas” remete à popularização dos locais onde havia máquinas de jogos eletrônicos, como o fliperama e outros, além de mecânicos, como pebolim, que eu e meus colegas do colegial frequentávamos com assiduidade e alegria. Talvez, com frequência demais e alegria demais.
Ao final, um adendo sobre Aizita Nascimento, a apresentadora do festival. Tinha voz bonita e postura de rainha. Era a única presença negra na Mídia brasileira de então no setor jornalístico, que eu me lembre. Formada em Enfermagem em 63, participou do concurso de Miss Guanabara, tornou-se vedete, foi uma das Certinhas do Lalau, trabalhou em Teatro e Cinema, além de programas e novelas de TV. No final dos anos 80, deixou a vida artística e voltou a exercer a sua profissão primordial, o que faz até o dia de hoje. Linda, pioneira e corajosa.
Em 2015, nesta mesma época, publiquei no Facebook: “O tema tem se tornado repetitivo — o entardecer, o sol se pondo (somos nós que nos vamos à bordo da nave mãe), as estações que se sucedem, as nuvens que brincam de formarem seres mutantes e de se desfazerem em promessas de chuva que não virão. Enquanto isso, poucos param para observá-las, porque não se importam com a mesmice da apresentação, porque não percebem a bela notícia que a rotina do cotidiano traz — o amanhã tem futuro!”.
Nos comentários, há observações, assim como a da Tânia: “Vi vários cavalos alados…”; Alessandra da Mata pôs como resposta uma música de Jorge Mautner, com Moraes Moreira — A Lenda do Pégaso. Ao que respondi: “Maravilhosa lembrança! Dessa canção, que ouvi pouco, eu só me recordava do refrão. Incrível letra do Jorge Mautner que, ao lado de Tom Zé, Jards Macalé, Walter Franco e outros ‘esquisitos’ da MPB, aguçaram a minha imaginação nos anos 70. Você, tanto quanto eu, pega o azul nos céus do Brasil!”.
Enquanto Suzy Pavlov comentou sobre o céu craquelado, Marineide de Oliveira postou versos de uma canção da Banda Pau E Corda, do álbum “Vivência“: “Quem nasceu lá e viveu / Crescendo percebeu / Viu descer o amor / No céu de cada tarde”. E confirmou: “Também vi cavalos alados!”. Stela Maris, concordou: “É verdade, somos nós que vamos a bordo da nave mãe… E sim, o amanhã tem futuro!” e ainda Cleide Sporto afirmou sobre o crepúsculo: “Nunca será repetitivo o suficiente”.
Foram retornos estimulantes a uma simples postagem de um entardecer. De alguma maneira, as pessoas consideravam importante trocar impressões, conversar sobre a tarde que se esvaía em cores, fazer as correlações entre as linguagens. Parece ter sido coisa de outra vida, quando tínhamos “tempo mental” — algo que caracterizo como um espaço não apenas temporal ou mental, mas igualmente de energia fraternal. Não que as pessoas não gostem tanto mais umas das outras.
Creio que o afastamento físico, que não era impeditivo para encontros virtuais, também tenha se tornado concreto pela perda de estímulo de algum entendimento ou desilusão. Talvez seja o formato (Facebook) que não tenha mais o apelo que tinha antes, diante de tantas outras expressões virtuais. Talvez sejamos nós, menos “inocentes”, a nos punirmos com a cegueira dimensional. Pode ser que o desinteresse pela simplicidade vital tenha crescido. Ou os temas tenham ficado repetitivos. Ou o encanto tenha se perdido… Ou a ideia de futuro tenha esquecido seu sentido…
Sabe o que é mais estranho? Ou esqueci que tenha os visto ou definitivamente nunca consegui enxergar, na imagem acima, os tais cavalos alados…
*Pégaso (em grego: Πήγασος; romaniz.: Pégasos), na mitologia grega é um cavalo alado símbolo da imortalidade. Sua figura tem origem no mito de Perseu e Medusa, nascido do sangue da Medusa quando foi decapitada por Perseu. (Wikipédia)
Instado a declarar a minha lista de músicas preferidas ou que atualmente me tocam, não deixei de pensar sobre como muitas vezes, ao montar nossas referências musicais, caminhamos por paisagens que preferimos ver — nesse caso, ouvir — que nos sejam confortáveis. Há temas que nos agridem e, por esses, devemos passar ao largo. A não ser que tenha que fazê-lo por dever de ofício, como é o meu caso, por trabalhar com música. Há ocasiões em que tenho montar playlists com “obras” diametralmente opostas ao meu gosto pessoal. Poderia se supor que por serem normalmente criações atuais e por eu não ser tão novo, esteja desvinculado do cenário musical atual. No entanto, há muitos trabalhos recentes em que se percebe frescor e criatividade, que podem vir a fazer parte de um movimento mais amplo. Muitas delas, se incorporam a outras vertentes artísticas ou vice versa. Algumas outras, se tratam de bons trabalhos isolados, destacados de movimentos geralmente patrocinados pela indústria fonográfica. Coloco à disposição links de músicas que me mobilizam, algumas mais recentes, outras mais antigas. São exemplos do meu gosto musical. Espero que possam igualmente tocar a quem se predispuser a ouvi-las.
Esta canção de Maria Gadú me pegou desprevenido. A minha reação a ela é puramente emocional. Fala sobre perda, ainda que a trate de uma maneira suave e poética. Talvez, diante de um tempo em que perdemos parentes, amigos próximos e distantes, conhecidos e nem tanto — brasileiros de todos os cantos — o tema da menina que tentava entender a ausência da pessoa mais importante da sua vida me tocou profundamente. É claro que a voz da Maria Gadú, delicada e de belíssimo timbre, ajuda a nos envolver. Desde que surgiu, a cantora e compositora produz pérolas da MPB, que espero ouvir por muitos anos.
A partir do final dos anos 80, muitos artistas franceses, a maioria deles de Paris e da vizinha Versalhes, começaram a produzir uma variante de música eletrônica francesa que a crítica internacional chamou de French House e que os franceses chamaram de French Touch. Daft Punk e Air são os representantes mais famosos no Brasil, assim como o Justice, de uma geração posterior. O movimento inspirou pelo menos dois grandes diretores de cinema contemporâneo, Sofia Coppola e Michel Gondry. Aqui, apresento um dos hits que levou o Daft Punk a vencer o Grammy de 2014, trazendo a voz suingada de Pharrel Williams e a guitarra de Nile Rodgers, músico e produtor proveniente do movimento Disco, o que bem caracteriza o trabalho de aglutinar referências de todos os tempos para construir o seu rico repertório. A notícia não tão boa, mas de certa maneira esperada, é que a dupla francesa se separou no começo deste ano.
Marcelo Jeneci é um dos nomes mais promissores da MPB surgidos recentemente. Sua trajetória como músico de estúdio e acompanhante de outros nomes de maior destaque midiático já tem vários anos e quando finalmente seu trabalho foi exposto, percebeu-se a qualidade inegável de sua obra. O vídeo Pra Sonhar, extraído de Feito Para Acabar, seu disco lançado em 2010, mostrado acima, é um dos mais representativos que já vi para divulgação de uma música e que faça jus à bela composição e lindo arranjo como peça representativa de uma visão de vida mais refrescante e positiva da união de pessoas que se amam.
Don McClean chegou a mim por Castles In The Air, canção por qual me apaixonei. Era uma época que eu não tinha recursos para conhecer melhor a sua obra. Com o tempo, soube que a sua carreira, iniciada em meados dos Anos 60, estava ligada ao Folk Music, vertente da qual conhecia Bob Dylan, John Denver e Joan Baez. Produziu outros sucessos como American Pie, Since I Don’t Have You, Love Hurt e Crying. Em Starry, Starry Night, creio ter interpretado muito bem o embate entre a genialidade e o desajuste de alguém como Vicent Van Gogh, sua inadequação pessoal e artística diante do mundo.
O disco Tribalistas estourou em 2002. Gravado pelo trio de compositores e cantores Marisa Monte, Arnaldo Antunes e Carlinhos Brown, com o seu primeiro disco obtiveram uma imensa vendagem. Quinze anos depois, em 2017, lançaram a segunda obra, também um imenso sucesso. A diferença está na forma da aferição do sucesso, feita pela replicação de visualizações pela Internet, baixa de downloads, além da forma tradicional de CDs. A música Ânima, lançada no segundo Tribalistas, eu diria que me representa cabalmente e resume exemplarmente a minha filosofia de vida.
Ferris Bueller’s Day Off, de 1986, um filme produzido nos Estados Unidos, com direção de John Hughes, apresenta muitas referências da música inglesa ao longo de sua duração. A cena apresentada acima tornou-se uma das mais icônicas da cultura Pop ao unir diversas linguagens artísticas. A música que encadeia a cena é Please, Please, Please, Let Me Get What I Want, do The Smiths, uma das minhas bandas favoritas, inglesa como a The Academy Dreams, que a interpreta. A começar por The Beatles, a pedra fundamental, que também tem uma música no filme, passando por The Clash, Sex Pistols, Simple Minds,Duran, Duran, Culture Club, The Cure, The Police, Depeche Mode, Pet Shop Boys, The Human League, Eurythmics, chegando ao Queen, The RollingsStones, Led Zeplin,New Order (e Joy Division), Black Sabbat, Iron Maiden, Elton John, Eric Clapton, Genesis, Pink Floyd, Supertramp, Yes, Rod Stewart e ao deus David Bowie, entre tantos outros nomes, para ficar apenas nos surgidos de 60 a 90, a Inglaterra soube absorver as diversas influências musicais norte-americanas e devolvê-las mais criativas e interessantes. Podem me acusar de viver um passado congelado, mas essa turma eu ouço até hoje.
Elis Regina faz parte da minha playlist desde sempre. Ela estaria fazendo por estes dias 76 anos de vida. Morreu, mas nunca morrerá. Nesta canção de Belchior, outro compositor que sempre ouço, e que com quem quase vim a trabalhar em um projeto de apresentações em universidades, ela faz uma interpretação com o coração exposto, técnica irrepreensível e voz a serviço da emoção, aliás, característica indissociável de seu estilo vocal. Ouço muitas outras mulheres — Gal Costa, Zizi Possi, Adriana Calcanhoto, Marisa Monte, Marina Lima, Roberta de Sá, Maria Bethânia — além de muitas outras que construíram a tradição de excelência das cantoras brasileiras, como Leny Andrade, Doris Monteiro, Claudette Soares, Sylvia Telles, Astrud Gilberto, Wanda Sá, Nara Leão, Maysa e Elizeth Cardoso.
Nos anos 50, 60 até 70, mais ou menos, além das americanas, as rádios tocavam músicas do mundo todo, especialmente da América Latina, Caribe, como europeias, principalmente latinas — francesas, portuguesas, italianas — mas também de outros culturas. Era uma programação eclética, em que havia espaço para todos os gostos. Com o passar do tempo, a indústria fonográfica foi homogeneizando tantos os lançamentos dos “produtos” musicais, assim como a divulgação começou a atender critérios econômicos. Afinal, custava caro gravar um disco, transformá-lo em sucesso e investir em artistas que trouxessem retorno financeiro. A situação atual mudou muito quanto ao acesso à divulgação, porém parece nunca mais teremos, popularmente, as opções em termos de qualidade e variedade que existia antes. A música italiana foi uma forte influência há 60, 50 anos. Muitos artistas da Jovem Guarda gravaram em italiano ou fizeram versões dos sucessos da Bota. Aqui, os jovens do Il Volo interpretam uma das belas canções dos Anos 60 que embalou a minha meninice e ainda me encanta pelo estilo do bel canto dos cantores italianos tradicionais influenciados pelos tenores.
Eu ouço as músicas do pessoal do Clube da Esquina sempre que posso. Descobri que, estranhamente, o repertório criado por eles é um grande companheiro de passadas em minhas caminhadas. Milton Nascimento, Toninho Horta, Wagner Tiso, Lô Borges, Beto Guedes, e Márcio Guedes preenchem, entre outros, temáticas que vão de visões da Natureza como participante de histórias de amor a viagens oníricas e com sentidos misteriosos e/ou interpretativos. No texto Coração de Minas, falo dessa minha conexão com as canções desenvolvidas por eles desde os Anos 60 e que até hoje me emocionam.
Queenrÿche talvez possa parecer um ponto fora da curva na playlist até agora apresentada, mas explicarei a razão de colocá-la, mesmo porque gosto muito da banda, principalmente na fase em que Geoff Tate era o vocalista. Quando assisti ao vídeo acima, eu ainda não trabalhava com sonorização. Além da excelência vocal do frontman e categoria dos músicos, fiquei extasiado com a qualidade sonora do show ao vivo, na relação entusiasta, totalmente fora do contexto do que eu considerava como comportamento típico do japonês (que até então eu ouvira falar), além do uso de roupas e adereços que mimetizavam o vestuário hard rock / heavy metal ocidental. Depois, conheci Silent Lucility, Anybody Listening?, I Will Remmember, entre outras, que vez ou outra, surgem em minhas listas.
Genialíssimo, Caetano é nosso! E O Quereres sou eu, em minha apresentação carnal, no mundo visível, material. Também amo Gil. Em Drão, um texto em que falo do meu Guru, realço suas qualidades ímpares. Mas Caetano me contraria e me surpreende. Ao sabê-lo controverso, perdoo a minha própria contradição — O Quereres — que sou. Assim como, durante muito tempo, Djavan me embalou em suas sonoridades verbais e como Arnaldo Antunes me absolveu, já que, adolescente, compunha músicas bastante parecidas com as que faz. A todos eles, não deixo de ouvir nunca…
Como faixa bônus, por que não colocar uma canção em que participei como ator na gravação do clipe? Não por mim, mas por pelo talento do ator e diretor, Weslei Wes Santos, jovem, porém bastante conhecedor dos artifícios da representação e da arte cinematográfica. A equipe que nos acompanhou, igualmente composta por novos valores, como o cinegrafista Pedro Oliveira, tornou tudo mais simples e efetivo. A música é de Marcos Wilder, que bebe de boas referências sonoras para compor uma canção envolvente.