Que nasce na chuva — que a água molha — e poda os voos (Mariana Gouveia)
Em Janeiro de 2021, eu estava como que boiando solto no rio de asfalto paulistano, a ponto de ter mais uma crise de ansiedade de consequências funestas. Eu me conhecia. Já havia passado por isso antes. Em outras ocasiões, quase embarquei numa viagem sem volta. Cheguei a tocar o limite e vislumbrei quase ultrapassá-lo. Passado o primeiro mês, encontrei uma maneira de não afundar — parti para o Litoral Norte — o meu norte junto ao mar, onde busquei boiar no líquido amniótico marinho para renascer. Ao mesmo tempo, comecei a fazer um dos cursos de escrita da Scenarium, conduzido pela Lunna Guedes.
O sincronismo entre a necessidade de escrever sobre o que acontecia comigo e o curso voltado para a produção de crônicas, encontrou ensejo na união de uma linguagem íntima e a expressão do que acontecia ao meu redor. A visão pessoal sobre os acontecimentos, talvez fizesse com que superasse minha condição mental precária, ao reconhecê-la. O que via acontecer no País colaborava para o aprofundamento da minha natural melancolia — conduzindo a produção do texto. Como se fosse um antídoto obtido do veneno, o contato com o Mar foi paulatinamente resgatando meu equilíbrio no embate contra o movimento das ondas.
Curso De Rio, Caminho Do Mar foi o meu quarto livro pela Scenarium Plural — Livros Artesanais., o terceiro de crônicas, o segundo numa linha mais intimista. Páginas de papel enlaçadas com arte que me resgataram das turbulentas águas da realidade brasileira de então, buscando vieses alternativos ao vislumbrá-la. Em um momento em que precisávamos alimentar e curar o povo deixado à própria sorte, percebi de maneira clara a necessidade de também alimentar o espírito e curá-lo. Essa interdependência se provou indissociável para sobreviver ao assédio do neofascismo que grassava.
Naquele ano, as mudanças climáticas encontraram em minha volta para Sampa, um final de Verão chuvoso, nebuloso e um tanto frio. Foi uma viagem que nasceu na chuva — que a água molhava — e podou os voos, mas não a caminhada que completa neste final de Novembro, dois anos.
Participam: Mariana Gouveia / Roseli Pedroso / Suzana Martins / Lunna Guedes

