Haroldo Rodriguez*

Haroldo, em uma das apresentações da Orquestra Tupy no Clube Piratininga

“Certa vez, lá pelos idos dos anos 60, na época da televisão ao vivo, fazíamos uma dupla de palhaços, eu e o meu irmão, Fran. Montamos um quadro em um programa infantil que custou o nosso emprego. Inventamos de encenar um par de palhaços ‘afetados’, com as devidas vozes, caretas e trejeitos. Fizemos os tipos tão bem que a emissora recebeu uma enxurrada de reclamações de pais indignados, que não houve jeito!…

Mais recentemente, promovi uma Noite do Clube das Mulheres que foi um grande sucesso! O único problema foi o Batman que quase foi, literalmente, devorado pelas boas senhoras que, ensandecidas, queriam agarrar o moço a todo custo. O Batman fugiu para o camarim e eu fui atrás dele, pedindo para voltar. Visivelmente assustado, o herói balançou a capa de um lado para o outro e respondeu: – Não volto, não. Tô com medo!”…

Soubemos, eu e meu irmão, Humberto, dois dias depois de ocorrido, do passamento de Haroldo Rodriguez, promotor de bailes de dança de salão da noite paulistana. Essas, e muitas outras histórias, nos foram passadas por ele. Nos últimos anos, o Haroldo promovia os bailes das quintas-feiras e dos domingos no tradicional Clube Piratininga. Há quase vinte anos, o conhecemos promovendo bailes no Clube Atlético Ypiranga, juntamente com o seu sócio, Dida. Fomos apresentados a eles pelo Osvaldo Sandoli, outro promotor e condutor de orquestra, que juntamente com o seu sócio, Décio, nos levou para trabalhar na S.E. Vila Maria, para a sonorização dos eventos de sábado, durante muitos anos.

Enfim, todos eles, foram eminentes figuras da noite que já não estão mais entre nós, encarnados. Configuravam um grupo saudoso de ativistas da alegria, que uniam abnegação e desprendimento para continuar a promover eventos que dependiam de vários fatores externos, muitos alheios às suas vontades, como bom clima, afluência do público interessado, boa escolha de bandas e orquestras, bom trabalho de técnicos, eficiente fornecimento de alimentos e bebidas, custo equilibrado da locação do salão, um time bem treinado de auxiliares de confiança e vários outros fatores, etc. Tudo para atrair a presença dos dançarinos.

No período de dois anos, perdemos o Francisco, pai e seu irmão, Francisco Filho e, agora, ele. O último contato que tivemos se deu através do telefone, há duas semanas. Percebi que estava com a voz titubeante. Então, me informou que não estava tão bem, com certos problemas de saúde. Perguntou se estava tudo certo para o baile do dia 18 de agosto (passado), domingo, com a Orquestra Anos Dourados. Respondi que estaríamos lá e que na ocasião poderíamos conversar melhor. Já no Piratininga, soubemos que não viria para apresentar, como fazia costumeiramente, o evento.

Era um craque da comunicação e conduzia as coisas a tornar tudo mais estimulante, citando o nome de vários dançarinos, contando histórias inventadas, composta de retalhos de fatos verdadeiros, que apenas os iniciados conseguiam desvendar a origem. Perguntamos se o Fran faria as vezes de mestre de cerimônia e soubemos que ele havia falecido cinco meses antes. Ficamos chocados e, ao final do baile, o Humberto disse que, sem a presença do Haroldo, não sentiria mais tesão para trabalhar nesse tipo de evento, que não nos rendia tanto financeiramente, a não ser pela satisfação de rever velhos amigos.

O Haroldo era um artista visionário, que fazia um tipo de palhaço diferente, décadas antes da consagração do tipo pelo Cirque Du Soleil. Que apostava no surgimento de novas tendências, ao mesmo tempo em que prestigiava antigos nomes da música. Com ele, tivemos a oportunidade conhecermos e trabalharmos com as grandes orquestras – Sílvio Mazzucca, Maestro Zezinho, Tabajara, Osmar Milani… – com os nomes da velha Jovem GuardaOs Incríveis, Renato & Seus Blue Caps, Golden Boys, Wanderléa… Igualmente com grandes cantores de antigas eras , como Jamelão, Moacyr Franco, Francisco Petrônio

Além dos “anônimos” – uma grande massa de trabalhadores e músicos da noite paulistana, muitos, nossos amigos, um universo à parte. Uma brincadeira corrente que fazemos neste meio é sobre a possibilidade desse pessoal todo, que está indo à frente para a outra dimensão, nos chamar para desempenharmos os papéis que desempenhamos aqui na Terra. Agora que o Haroldo atravessou para o outro lado, tenho certeza que as coisas ficarão mais interessantes por lá. Ele, em chamando, verificaremos a disponibilidade de data e faremos o evento alegremente, quando o Grande Promotor de Eventos, Deus, permitir. Por enquanto… Até um dia, amigo!…

*Texto de 04 de setembro de 2013

Projeto Fotográfico 6 On 6 / Crepuscular

Algo de muito perturbador existe em mim
Que prefere um céu nublado a azulado
As nuvens me trazem a ilusão de festim
Enquanto limpo, parece de tempo fechado…

Lateralmente, escanteia-se a luz
Canto o entardecer que me seduz
Enquanto canto, o azul se desmancha
Alcançando a mim a negra mancha…

Enquanto o sol outonal deita o seu brilho
Sobre a ampla cama nebulosa da tarde
O dia, calmo, percorre o mesmo trilho
Daqueles que foram embora, sem alarde…

Certa vez, ainda garoto, escrevi:
“Ao longe
As estrelas brilham
Por perto
As pessoas queimam”…
Hoje, eu beijo as estrelas…
Eu as possuo, em colchões de nuvens!

Na boca da noite, o tardio óvulo solar
Aquece e faz multiplicar a vida celular
Reativa as nossas cíclicas energias vitais
E fecunda o útero plúmbeo dos mortais…

Sonho em dia claro morrer
Sob a luz do Sol esvanecer
Uma noite depois de namorar
A Lua, as Estrelas e o Mar…

Participam do Projeto Fotográfico 6 On 6: 
 Mariana Gouveia / 
Isabelle Brum / Roseli Pedroso / Lunna Guedes / Darlene Regina

Poesia No Cotidiano

Frida Calada*

Frida
fala pelos olhos…
Nasceu ressabiada de gestos bruscos,
como se trouxesse abusos
de vidas passadas…
Passou a se aproximar aos poucos,
a vencer a timidez,
a se colocar embaixo de mesas,
em cantos de sofás,
junto aos nossos pés…
Hoje, perdeu de vez as travas…
Sentiu o frio chegar
e arranhou a porta para entrar…
Frida, outrora calada,
vive agora a espalhar falas
com o seu olhar…

*Homenagem à nossa Frida, amada, querida, que passou há quatro anos, em imagem de 2016

A Rolinha*

Um dia frio,
chuva intermitente…
A sala é um bom lugar
para escrever
um poema ou um livro,
o meu pensamento lá em você,
enquanto um pássaro canta…

As cachorras, adormecem no sofá…
Uma rolinha, a tudo alheia,
castiça,
à escrita e à preguiça,
pelo quintal passeia…
O meu pensamento a acompanha
no compasso do canto do sabiá…

*Escrito em 2015

Magia Na Selva De Pedra*

Noite recente,
a fadinha e o duende
chegam cansados e ocupam
uma mesa vaga.
Ela deposita os seus aros
junto a uma cadeira.
Se senta, a mão no queixo,
solta um suspiro exaurido
de quem voou a esmo.
Ele deixa os malabares no chão,
coça a barba
e olha com certo ar de contrariedade
para a sua companheira de floresta.
Não pedem nada para comer.
Naquele dia,
não conseguiram o dinheiro
necessário sequer para um cafezinho.
Era a faceta mais dura
de viver de magia
em uma Selva de Pedra em crise.
Nos semáforos e esquinas
só receberam sinais
amarelos de impaciência
e vermelhos de raiva…

*Cena-poema de 2016

Imagem: Foto por Tu00fa Nguyu1ec5n em Pexels.com

Projeto 52 Missivas / Luz Fixa

Meu bem, o silêncio aumentou tanto que o relógio parou. Saí para encarar a noite fria para — quem sabe? — ouvir o vento a vibrar entre as folhas da goiabeira ou da mangueira. Nada. Certo que perdera audição, chamei a mim mesmo. A minha voz ecoou para além da minha caixa craniana. Eu me ouvi, mas o silêncio perdurou. Não havia o coro dos cachorros a latirem para a Lua. Sem motores de carros e motos a percorrerem as ruas do meu bairro. Na rota dos aviões que se dirigem a Guarulhos, não ouvia a sonoridade monocórdica de jatos cruzando o céu da noite silente.

Pouco a pouco, o silêncio começou a pesar como se fosse sólido. Sem o som do aço do carro a colidir contra um bêbado. Atropelado sem alarde, sem gritos, ausente do som de pneus da freada no asfalto ou do impacto na carne ensanguentada. Lamentos sem expressão, igrejas pentecostais sem hinos, bares sem música e vozes de boêmios caladas. As batidas de meu coração inaudíveis, a minha existência parecia estar suspensa no tempo e no espaço.

A luz fixa do poste parecia uma fotografia em preto e branco. As cores foram se desvanecendo e se ausentaram totalmente madrugada adentro. Sem conseguir sentir as horas passarem, os relógios analógicos e digitais sem as registrarem, comecei a imaginar que estivesse morto. Quis gritar e minha garganta já não emitia nenhum som. Estava em um pesadelo, por certo, mas as sensações eram intensamente vívidas, como quase nunca senti. Como se fosse a vida pós-morte, ressonei silenciosamente a minha nova condição. Recuei para dentro de casa. Subi ao quarto vazio, deitei. Adormeci.

Acordei ouvindo a sua voz dissonante chamando para o café da manhã. Nunca a amei tanto!

Participam de 52 Missivas:

Ana Clara de Vitto – Lunna Guedes – Mariana Gouveia

Noite Branca

foi assim…
ela disse fica bem
respondi fica com deus
eu, que nem nele acredito
despedida marcada
sem uma palavra de adeus
se houvesse mensagens
as ignoraria com sórdido prazer
era uma noite branca
lua cheia por trás da nebulosidade
primavera em outubro rosa
veias cortadas sem sangue
olhos que não se viam
vozes que não se falavam
bocas sem beijos
mãos que não se tocavam
separados pela distância
unidos na mágoa
o frio que se impunha
termômetro nos 25 graus
sete invernos e uma pandemia
talvez já tivesse acabado no solstício
feneceu no equinócio
mas você não mudou, disse ela
você não me ama mais, disse eu
os prédios pintados de tarde
o escuro protetor
das noites nunca alcançadas
ficou para trás nas avenidas centrais.