Vilões*

Pinguim, Charada, Mulher-Gato e Coringa, vilões da série psicodélica Batman, dos Anos 60.

Vilões – o termo que dá nome a este texto pode ser usado para designar àqueles que buscam prejudicar outros através de ações vis, desqualificadas. Mas basicamente, a origem diz respeito aos moradores de vilas na Idade Média, normalmente habitadas por quem não era nobre – os chamados plebeus. Enquanto isso, a Nobreza passou a ser associada às boas ações – ou nobres. Ou seja, o vilão, pobre e desvalido, era considerado um sujeito à margem das boas práticas da sociedade, então e até hoje, dividida em castas.

Tudo piora quando, depois de tantas revoluções que buscaram tornar a Sociedade mais igualitária, a Humanidade ainda carrega, em seu âmago, essa herança atávica de um desequilíbrio persistente e que encontra defensores tenazes. São pessoas que não aceitam mudanças que estabeleçam um padrão de equanimidade entre os participantes de nosso concerto social. Pleno de diversidades não atendidas em suas demandas, boa parte dos brasileiros não conseguem vê-las representadas. Vivemos nos últimos quatro anos a assunção de ideias que flertam com o fascismo antidemocrático que engloba vários aspectos de um ideário que defende a ação violenta para manter um status quo retrógado, na restauração de um passado rígido em que os privilégios eram postos como direitos naturais. Estranhamente, muitos que servem às “elites” e são por elas explorados, estão na linha de frente de sua manutenção.

Eu me lembro dos “vilões” das minhas séries favoritas que buscavam fraudar as leis para obter dinheiro ou poder com atitudes que beiravam o humor. É quase uma saudade de quando esses piores vilões eram tão melhores dos que hoje vicejam em nosso noticiário. Eles estão no mandato de três dias por semana no Congresso Nacional e no trabalho full-time dos ladrões do nosso erário. Nos assaltos dos pés-de-chinelo, armados com um “berro” de numeração raspada e na ação na surdina dos sofisticados hackers da Web.

Novo campo de atuação que tem penetração em todos os níveis sociais, a Internet propaga discursos de ódio contra as diferenças e os diferentes em todos os campos. Como as notícias que mostram crimes encontram guarida em boa parte da população, são populares as notas de pais que matam os filhos, quando não são os filhos que decidem fazê-lo primeiro. A divulgação de assaltos e sequestros violentos e a perniciosa epidemia de feminicídios – subproduto da queda progressiva do poder do macho patriarcal na sociedade moderna – apresentando uma reação desproporcional: a execução de suas companheiras e de outras mulheres que desafiam sua integridade psicológica de menino mimado.

É claro que sempre houve crimes na História do Homem. Desde o Gênesis, convivemos com a nossa maldita herança – somos filhos de Caim – assassino de seu irmão, Abel. Mas a nossa santa inocência contrabalançava um pouco o mal que grassava pelos campos onde os lírios floresciam. Parece que, na verdade, sinto saudade de minha própria inocência. Perceber como o ser humano opera com desenvoltura no uso da maldade, me faz ver que viver na ignorância chega quase a ser uma benção…

*Derivado de um texto de 2013.

Dias Piores Virão… *

Um dia, em 2016…

“Cheguei em casa do trabalho por volta da meia-noite. Esperei pelo noticiário para tentar entender o que estava acontecendo em nosso País. Corrupção pública e privada, crimes contra as pessoas, instituições falidas. Tentava entender porque a Bolsa, que estava em alta, com o dólar em baixa, no dia anterior, hoje (ontem, amanhã) reverteram as expectativas e os sentidos… Manipulação do mercado financeiro? O povo que se dane?

Dois dos meus sentidos deviam estar me enganando!… Mais e mais, senti o meu corpo afundar no sofá com o peso das informações… Não é caso de desvalidar os veículos de comunicação que as veiculam. Não se trata de matar os mensageiros apenas porque nos dão notícias ruins. Mas sim entender porque nós nos colocamos, como povo, nessa situação sem sentido e, aparentemente, sem uma solução ‘honesta’.

Para qualquer lado que formos, que Deus nos ajude!”

*Neste texto de 2016, se já prefigurava o resultado de um jogo perigoso iniciado dois ou três anos antes em que se estabeleceu a premissa de César, general e imperador romano, milhares de anos antes — dividir para dominar — estimulada por agentes políticos interessados em governar sobre os despojos resultantes. Essa cisão acabou em resultar no atual estado de penúria institucional e ética, somada à uma crise sanitária que nos marcará por gerações ou talvez nem tanto, dada a incapacidade do povo brasileiro de se lembrar sequer o que aconteceu no verão anterior. Isso não é sinal de cura, porém de incúria.

Exercitando A Paciência*

Paciência

Como todos os dias da semana, coloquei o meu celular para despertar às 5h30 da manhã para ir à faculdade. Quando tocou o alarme, o desliguei e virei de lado na cama. Só despertei 42 minutos depois. Sentei na beira do colchão e, como me sentia de bom humor, exclamei baixinho: “Paciência!… Fazer o que?…”.

Todos sabem que, por um desses fenômenos cotidianos ainda não comprovados cientificamente, o tempo corre mais rápido na parte da manhã. Segundo a minha avaliação pessoal, sentimos passar apenas um segundo a cada segundo e meio do relógio. Mesmo sabendo disso, no momento em que me levantei, decidi não acelerar os meus movimentos. Urinei, fiz a barba e tomei banho de maneira lenta e articulada. Ao vestir o uniforme da faculdade, não me importei com uma mancha na gola da camiseta branca. Desci para o café da manhã e liguei a televisão para ver o noticiário matutino. 6h50. Normalmente, a essa hora, eu já deveria estar seguindo para Santana.

Graças ao noticiário local, fui informado que capturaram o quarto assassino da dentista incinerada em São Bernardo do Campo, previsões sobre o tempo e o volume do trânsito confuso da capital. Soube que um simples carro parado na Marginal Pinheiros, junto à Ponte João Dias, tornara o tráfego costumeiramente lento ainda mais lento. Desejei muita paciência aos motoristas de todas as latitudes da cidade. Ainda antes de sair, tive conhecimento da morte do grande Paulo “Ronda” Vanzolini, biólogo, pesquisador e professor da USP, autor de uma frase que serve para qualquer ocasião – “Levanta, sacode a poeira e dá a volta por cima!” – em uma de várias de suas canções famosas. 7h10.

Logo que cheguei ao ponto, encostou o meu ônibus e trinta e cinco minutos depois, subia as escadas para a plataforma do Metrô Santana. Pelos alto-falantes, ouviu-se: “Excepcionalmente, os trens estão circulando mais lentamente e com tempo maior de parada, devido à presença de usuário na via férrea da Estação Conceição!”… Paciência… Quando cheguei à plataforma de embarque, deparei-me com uma massa enorme de passageiros à espera do próximo trem. Percebi que não embarcaria tão cedo. Mais tarde, busquei me inteirar sobre o assunto e soube que o usuário mencionado caíra e fora resgatado, não havendo maiores detalhes sobre o seu estado de saúde. Desejei sorte ao companheiro de jornada.

Coloquei-me em direção à uma das baias de embarque, feito aquelas que direcionam o gado para o matadouro. Entre o numeroso grupo de pessoas, chamou-me a atenção um casal de idosos que externavam a sua preocupação em serem atropelados pelo povaréu. Antecipavam uma preocupação maior quando chegassem à Estação da Sé. Decidi intimamente protegê-los com o meu corpo. A mulher antecipou-se ao homem, atitude que gerou uma exclamação em tom de reprovação por parte dele: “Cuidado!”. Por sua experiência, ele já devia saber que as mulheres são tão mais destemidas e aquela senhora, que lembrava a minha mãe, além de audaciosa, em sua juventude devia ter sido uma mulher muito bonita. Ainda mantinha claros os belos olhos azuis. Como eu esperava, ela logo acabou puxando o seu companheiro para dentro do próximo trem. Como eu não esperava, não houve atropelamento. Senti que os demais passageiros estavam tão pacientes quanto eu. 8h10.

Embarquei na terceira composição e me senti apertado tanto quanto em outras oportunidades. Preso entre outros corpos, só restava me distrair com a TV Minuto, disponível nos vagões do metrô. Entre as manchetes, lembro-me de “Posse Manchada”, que relatava um tiroteio na posse do Primeiro Ministro italiano, com dois policiais feridos. Houve ainda e o relato da queda de uma casa em Reims (França), informação arrematada pela frase final – “duas pessoas estão mortas”. “Que grande notícia!” – pensei. “Finalmente chegaram a conclusão que a morte é apenas um estado, sendo, portanto, uma condição passageira”… Eu, como passageiro, me senti encantado.

Uma outra pequena reportagem, a seguir, corroborava a nossa situação de seres que estão vivendo em um ambiente em eterno movimento. Versava, com imagens e legendas, sobre a Serra do Cipó, em Minas Gerais, que está situada em um dos sítios mais antigos do Brasil, com cerca de 1,7 bilhão de anos. Nos primórdios, aquele incrível conjunto de vales verdejantes, elevados montanhosos que chegavam a 1.700m de altitude e lindas quedas d’água esteve embaixo da linha do mar.

Ainda antes de sair do vagão, cheguei a ler no horóscopo midiático as dicas para Libra, o meu signo: “Você está vivendo sob intensa pressão quanto á manutenção de seus conceitos. Aprenda a ouvir a opinião dos outros!”… ????… Que “conceitos”? Que “outros” eu deveria ouvir? Em que ocasião?… Bem, paciência! Bem sei que não existe resposta pronta para nada. 8h35.

Cheguei ao Paraíso. Ao caminhar por mais cinco minutos até o prédio da faculdade, mesmo sabendo que aquela aula era preciosa porque seria a última que teríamos com os aparelhos de medição e avaliação física antes da prova prática, procurei não me afobar. Chegando ao andar do laboratório encontrei a turma reunida junto à porta, cercando um funcionário que, ajoelhado, mexia no trinco. Soube, então, que se perdera a chave da sala e a cópia estava com um segurança que chegaria apenas à tarde. Recebi aquela notícia com a mesma paciência que decidi exercitar durante aquela parte da manhã. Resolvido o problema, dez minutos depois, entramos para a aula.

Sabia que o dia poderia ainda trazer muitos outros acontecimentos, mas naquele momento percebi que a minha atitude inaudita desde que levantei da cama encontrara a oportunidade quase imediata de ser recompensada, além de deixar o meu humor bem mais leve. Talvez fosse o início da prática da ciência da paz que tanto buscava, mesmo que em meio à agitação que vivia. Quem sabe?…

*Texto produzido em abril de 2013, quando cursava o bacharelado da Faculdade de Educação Física da Universidade Paulista (UNIP).