O Instante Mágico*

Instante Mágico
Todos os dias, vivo um instante mágico, de grande calor humano…

“Todos os dias, Deus nos dá um momento em que é possível mudar tudo que nos deixa infelizes. O instante mágico é o momento em que um ‘sim’ ou um ‘não’ pode mudar toda a nossa existência.” (Paulo Coelho)

Vez ou outra, vemos postadas frases de efeito como essas acima, normalmente acompanhadas de uma imagem bonita. Eventualmente, o nosso desejo é tão grande de recebermos notícias de esperança que as aceitamos de olhos fechados. De certa forma, podemos viver de recitar frases edificantes, o que não quer dizer vivamos de acordo com as receitas de vida que propõem. No caso deste coelho tirado da cartola pelo Mago, tenho algumas considerações a fazer, ousadamente.

Inicialmente, destaco que não sou leitor de Paulo Coelho. Lembro de que li um título seu, da qual não lembro o nome. Talvez, não seja mesmo essa a intenção do autor, já que ele conta sempre a mesma história, sob variados prismas. Alguém poderia chamar a isso de coerência, outros, de redundância. A frase acima, de certa forma, parece resumir boa parte do que ele quer “vender” para os seus leitores. Quem não gosta desse termo, visto que suas mensagens pretendem se mostrar superiores a este aspecto comercial, chamo a atenção para o fato de que o Mago reivindica o posto de maior escritor do Brasil justamente por sua vendagem exacerbada.

Por que “todos os dias Deus nos dá” – apenas – “um momento em que é possível mudar tudo que nos deixa infelizes…”? Passado aquele momento, devemos esperar o dia seguinte para vermos surgir outro ponto crucial em que devemos decidir entre um “sim” ou um “não” para mudarmos “toda” a nossa existência”? Por que não temos todos os instantes, todos os dias, miríades de oportunidades para decidirmos a nossa história?

Mas ele cita o “instante mágico”! Para quem acredita que a vida inteira é mágica, todo o instante é mágico, não é mesmo? O recurso de determinar o momento da virada é muito usado como gancho por escritores de novelas e roteiristas de cinema. Pode aparecer em qualquer parte da trama, mas normalmente é reservada para o final, entre perseguições e tempos em contagem regressiva.

No entanto, sendo mais chato ainda, pergunto: depois do “instante mágico” e “o momento em que um ‘sim’ ou um ‘não’ pode mudar toda a nossa existência”, não haverá nenhuma chance de que o “sim” se transforme em “não” e vice-versa? Quando dizemos não ao fumo, ao “junk food” ou à bebida, nunca mais voltaremos a nos intoxicar? Quando dizemos “sim” ao amor ou à vida saudável, nunca mais voltaremos a odiar ou meter o pé na jaca? Neste caso, “toda a nossa existência” tem prazo de validade – talvez 10 minutos ou 10 anos – seja lá o que for.

Devemos estar constantemente atentos e fortes para que não durmamos sobre os louros do “instante mágico”. Magicamente, está em nossas mãos, a todo o momento, direcionarmos a nossa vida para o melhor caminho. A todo instante tomamos pequenas decisões que podem significar desvios, mesmo que sejam tomadas com a melhor das intenções. E, na maioria das vezes, apenas saberemos quando chegamos a bom termo quase no final da estrada, quando divisamos a totalidade da obra da qual participamos… Isto, se não acreditarmos que todos os instantes da nossa vida não sejam apenas os instantes de uma vida entre tantas outras da nossa existência…

*Texto de 2012

BEDA / Scenarium / Carta À Cecília, Mulher Do Olhar Marinho

Cecília

Eu, menino, apaixonado por mulheres, entrei em contato com os seus olhos claros através da revista “O Cruzeiro”, versando sobre seu percurso de escritora. À época, você já havia fechado seu olhar marinho para o mundo, quando eu contava ainda três anos de idade. A foto era em preto e branco, portanto não tinha como saber que fossem azuis-esverdeados, como testemunham que fossem. Não duvido que a depender da luz que incidisse sobre eles, outras cores se somassem – todas as possíveis do arco-íris. Se chegou a vê-los vazios, talvez os revelasse por espelho comum dos dias mais amargos, do coração que não se mostra.

Mulher de valor ímpar, imagino que achasse graça em ver sua face gravada em notas de 100 Cruzeiros, ao tempo de planos econômicos que a transformaram em Cruzados, depois, em Cruzados Novos e, novamente, em Cruzeiros, no processo de desvalorização contínua da nossa economia, até vir se tornar definitivamente item de colecionador de numismática, ciência-irmã das coisas fugidias. Sua obra literária, no entanto, só cresceu em apreciação e relevância, minha cara poeta. Palavras que ultrapassaram as fronteiras da vida comum e da morte física, para estampar a cara da nossa alma. Sua fala poética não emudecerá, jamais.

Confesso que enquanto você falava de Isabéis, Dorotéias e Heliodoras, eu a confundia com Lygia e Clarice, irmãs na língua e na literatura. Leve dislexia de quem foi dado a ler as três quase ao mesmo tempo. Eu, fascinado, tentava decifrar a mulher ainda garoto e me perdi no emaranhado dos pensamentos-sentimentos-emoções humanos mais profundos – perdição da minha vida. Foi-me dado a conhecer que a mulher apresenta fases como a Lua, que ela se pertence antes de eu querer que pertença a mim e, se ou quando ela viesse a me querer, talvez eu não esteja presente para possuí-la. Desde então a soube fugidia-errante – no céu, na rua.

Sobrevivente entre quatro irmãos, filha da esperança e da melancolia de interminável fuso, amou, foi e é amada, por companheiros e leitores. Que soube que o dia se faz, ainda que o sol estivesse encoberto. Que, de modos rebeldes, tornou-se prisioneira do amor por lutar pela liberdade de viver, nem alegre e nem triste, mas poeta. Que desmoronou e edificou a eternidade – não passou, ficou. A você, Cecília, toda a minha admiração por ter vivido pela palavra e ter aprendido com a inconstância das primaveras a deixar-se cortar e a voltar sempre inteira – desejo de todo o ser.

In: Missivas De Agosto – https://scenariumplural.wordpress.com/2019/08/14/carta-a-cecilia-mulher-do-olhar-marinho/