Frida fala pelos olhos… Nasceu ressabiada de gestos bruscos, como se trouxesse abusos de vidas passadas… Passou a se aproximar aos poucos, a vencer a timidez, a se colocar embaixo de mesas, em cantos de sofás, junto aos nossos pés… Hoje, perdeu de vez as travas… Sentiu o frio chegar e arranhou a porta para entrar… Frida, outrora calada, vive agora a deitar falas com o seu olhar…
*Poema de 2016, para Frida, que nos deixou logo depois, pela veleidade de um motociclista que corria a 100Km/h em uma rua de bairro.
Noite de calor, manhã morna Dormimos sem tirarmos os nossos fluidos Os seus do meu, os meus do seu corpo Acordo para a labuta E antes de sair percorro os meus olhos Pela pele que lhe recobre Tento compreender a magia que faz Com que me traga tantos e imensos prazeres Mesmo depois de tantos anos a percorrê-la Com a minha boca, mãos e pontas dos dedos A penetrá-la com a minha impetuosidade Saio do quarto sem beijá-la, sem tocá-la Quase fujo Para cumprir os compromissos do dia…
Junho de juras de amor e muita lenha para queimar… O que aquece a alma é o calor do corpo abraçado, o desejo de respirar-cheirar a pele incensada pelos pelos eriçados, a boca molhada de essências… Mas que se conheça os olhos… Sexo sem história é como teta sem coração, clitóris sem vibração, pênis sem pulsação, beijo sem memória, gozo sem emoção…
Segunda-feira de rescaldo dos eventos do final de semana pela Ortega Luz & Som. Satisfeito, mas cansado, começo a fazer as tarefas caseiras costumeiras: recolher o lixo, alimentar as cachorras e as garnisés, varrer os pisos da casa e do quintal, lavar a louça. São tarefas que me reconectam. Tenho textos a escrever, mas a perspectiva é que não possa ver o sol se pôr… pela nebulosidade que tomou conta do entardecer.
Entre os itens a serem descartados, encontrei um broche. A Tânia deve considerar que não seja importante ou que possa vir a usar eventualmente. Tem um aspecto passadista e um tanto chamativo. Normalmente, não encontraria guarida na caixa de acessórios das vestimentas e serem usados sem chamar a atenção como uma bijuteria espalhafatosa. Eu apenas suponho. Não perguntei a ela. Não a perturbaria no trabalho para questionar sobre isso.
Mas não a jogarei fora. Foi apenas vê-lo para lembrar de Dona Magdalena Nuñez (Blanco Y Prieto) Ortega. Mamãe adorava esses apetrechos. Tinha um estojo com alguns deles. Eu, em pequeno, os olhava fascinado como se fossem tesouros resgatados de piratas ou de Ali Babá. Eu a via experimentar vez ou outra, ensaiando para as ocasiões que em determinada época não eram tantas, em que nos reuníamos à grande família espanhola.
Incrível é o poder que uma simples peça sem valor tenha o poder de movimentar as pesadas engrenagens endurecidas do Passado e faça funcionar a Máquina do Tempo, o levando num átimo ao passado de meio século, nos transformando no menino que ficava a admirar a mãe a se pentear e se maquiar na antiga penteadeira, ao qual ela chamava de “pechinchê”. Os perfumes são reavivados, a escova volta a deslizar pelo sedoso e abundante cabelo, a luz indireta a entrar pela janela do passado é generosa ao trazer para os olhos míopes do velho a clareza da visão juvenil.
Um simples broche não é um simples broche. O seu corpo carrega tanta energia memorial que mesmo sendo feito de latão e plástico colorido, passa a ser tão valioso tanto quanto o tempo inteiro de nossa vida… .