Dia de outono, frio e chuvoso. Quase sem querer, enquanto estava mexendo nos arquivos do Gmail, acabei parar no meu perfil do moribundo Orkut. Entre as curiosidades que lá encontro, está a apresentação que fiz do vídeo “Love Bizarre Triangle”, com a banda “Frente!“. Esta versão faz parte da minha lista de preferidos até hoje e quando o postei, em 2006, escrevi o seguinte: “Um cara dos Oitenta como eu, que curtiu a versão original dessa música com o New Order, quer demonstrar que não está engessado em formalidades e adota esta versão da banda australiana ‘Frente!‘ como a ser vista aqui. O vídeo vai bem com a gracinha Angie Hart, até que começam a aparecer os marmanjos do grupo. Percalços à parte, sobram a voz pequena e agradável do anjo, com a letra cortante desta canção de amor desencontrado” –
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BEDA / Aleatoriedades Temporais
O Facebook não sei quanto mais tempo durará. Quando surgiu o Orkut nem cheguei a usar todas as suas possibilidades e não participava de grupos. O Facebook passou por cima dele rapidamente como um trator e logo se tornou hegemônico. Poder que se estendeu para outras formas de apresentação, como o Instagram. Hoje, fazem parte de um conjunto de aplicativos que compõem a Meta — em referência ao Metaverso — uma espécie de universo virtual paralelo. Enquanto vivia a sua primeira fase, eu utilizei o Facebook como repositório de textos, imagens e assuntos tão aleatórios quanto crepúsculos ou observações sobre temas cotidianos. Eis alguns exemplos.
Metalinguagem (2021)
Em tempos de falsa concretude, das palavras cada vez mais estioladas, das imagens empobrecidas, dos pleonasmos cada vez mais reais, dos passos maldados, do ladrão de verbos e verbas, pede-se encarecidamente — não pisem na metalinguagem!
Asas… (2020)
A cada dia que perguntamos algo ao céu,
ele responde de forma diferente.
Mas o sentido é o mesmo — a vida
é movimento e transformação…

Moema (2020)
Ao ver o sol se pôr em Moema, atravessei o meu olhar através dos prédios, casas baixas, árvores, colinas, vales e rios para cada vez mais fundo no Tempo. Moema tem origem no Tupi “moeemo”, calcado no gerúndio, que quer dizer “adoçando”. Transformado para o feminino, significa “aquela que está adoçando”. O nome foi criado pelo Frei de Santa Rita Durão, para um personagem do seu famoso poema “Caramuru”, que conta a história do náufrago português Diogo Álvares Correia, no tempo em que viveu entre os índios Tupinambás. Por alguns instantes, voltei a eles. Inocente do destino do meu povo que morrerá-morre-morreu. Outra possível versão sobre o significado de Moema é “mentira”…

Bethânia (2017)
Bethânia… É comum me sentir como ela… Sempre tentando me adaptar aos humanos…
Mooca (2011)
São Paulo convive com características de cidade pequena, em várias de seus caminhos, mesmo os mais movimentados. Na Rua dos Trilhos, que fica no Bairro da Mooca, podemos presenciá-las à esquerda, em casinhas que resistem com a mesma fachada desde que foram construídas, nas primeiras décadas do século passado. À direita, resquícios de uma das últimas linhas de troleibus da cidade.
Sarah (2015)
Este é o túmulo de Sarah. E quem foi Sarah, que faleceu aos três anos e meio de idade, em 1999? Não sei, mas ao passar mais uma vez junto ao Cemitério da Saudade, aqui em Caieiras, onde estou trabalhando, não deixei de me emocionar ao ver a sua foto, através do muro baixo, onde o seu corpo descansa. Em uma placa sobre a lápide, ao lado dela, pode-se ler: “Sarah, você é o sol que brilhará eternamente”. Estou de TPM — Temporada de Piedoso Melindre — momentos em que tenho vontade de chorar por qualquer coisa, desde o latido de um filhote de cachorro até a imagem de uma Maria-Sem-Vergonha se abrindo. Caminhei algumas quadras com a expressão pesarosa de quem perdera alguém muito próximo, em um dia em que o Sol se fez ausente, como a anunciar a chegada do Outono. Logo, tive que me refazer, não sem antes deixar cair uma ou duas lágrimas por aquela criança que mal ultrapassou a primeira infância como tantas no Brasil…
Participam: Alê Helga / Mariana Gouveia / Lunna Guedes / Roseli Pedroso / Cláudia Leonardi / Suzana Martins / Dose de Poesia / Lucas Armelim / Danielle SV
Mudanças
Em 2011, quando comecei a postar no Facebook, cria que o canal de mídia social pudesse ser, mais completo que o Orkut, um depositário de textos, fotos, cacos da vida, observações filosóficas, instantes simplórios em que a existência mostrasse algo a mais por trás da cortina do comum dos dias. O estranho é que, pouco a pouco, as minhas postagens ganharam seguidores que começaram a gostar dessas apresentações. Com o tempo, vi crescer a vontade de elaborar textos mais sofisticados, uma espécie de preparação para atender a um desejo maior — me tornar um melhor escritor.
Aos poucos, a camada de ferrugem, causada por muitos anos de paralisia após o casamento e intensificação da minha atividade profissional, foi sendo removida e recebi boas apreciações. Cinco ou seis anos depois do advento das redes sociais, em 2015 a Scenarium Plural — Livros Artesanais surgiu em meu percurso. Ganhei a aceitação e o cinzelamento de Lunna Guedes, editora do selo e a segunda sagitariana mais importante da minha vida. O período de hiato criativo materializado havia causado uma fratura estilística da qual me ressentia e ela, com o seu olhar treinado, me conduziu a curá-la.
Fui chamado a participar de edições da Revista Plural com crônicas, poemas e contos em lançamentos coletivos. Em 2017, encetei publicar obras individuais — “REALidade”, “RUA 2” e “Confissões” — que hoje fazem parte do catálogo da editora. Continuo me pressionando para refinar a minha escrita. Há momentos de altos e baixos, ao sabor dos acontecimentos, justamente por estar mais aberto, algo que busquei conscientemente. Eu acabei por me tornar objeto de uma experiência pessoal, com as devidas consequências, nem sempre ou quase nunca controláveis.
E pensar que postagens como a que colocarei a seguir, de 2012 — simples, leve, descompromissada —, que fez com que a esposa ralhasse comigo por expor nossa intimidade, fazia parte do esforço pessoal para me exteriorizar. Atualmente tenho por hábito me inviscerar quase que cotidianamente.
“Uma das razões da minha falta de tempo consubstancia-se, em parte, nesta foto. São caixas e caixas com diversos objetos: fitas de vídeo (nem tenho mais videocassete), CDs, cadernos de estudo, apostilas, bugigangas pequenas — antigos celulares grandes e pesados, computador velho e luminária — revistas, livros e “otras cositas más”. Como é penoso carregá-las de lá para cá, em constante mudança de ambientes, buscando lugares onde possam descansar seu fardo e seu cheiro de passado, enquanto a reforma da casa não fica pronta!”.




