Perdido N’As Ondas

As Ondas, de Virginia Woolf

As Ondas”, de Virginia Woolf, com tradução de Lya Luft, estava perdida entre “Frankestein”, Mary Shelley e uma coleção de contos comentados de Clarice Lispector. Perdida, nem tanto. Estava na sessão de autoras femininas da minha biblioteca. Tenho outras escritoras espalhadas nas coleções que compulsoriamente comprava, ainda que não lesse na mesma frequência. Um dia o faria… era o que pensava. Não cogitava que deixasse de ler em nenhuma hipótese. A voragem da vida se encarregou de alterar essa visão…

Antes de vir às minhas mãos, “As Ondas” estiveram em outras paragens. Esse exemplar estava entre alguns dos livros que encontramos, meu pai e eu, no lixo que buscávamos com a nossa Kombi, na região dos jardins e outras regiões nobres de Sampa. Eu era muito novo no início dos anos 70 13 ou 14 anos. Como já gostasse de Machado, achei que pudesse absorver o sal do mar de Woolf, da qual já ouvira falar por causa de um filme lançado por Elisabeth Taylor e Richard Burton, lançado em 1966 e o qual assistira como atração noturna da TV de então.

O interessante é que a Ditadura até deixava passar filmes pesados como esse, mostrando a degradação de casais rodeados de jogos perversos, manipulações, revelações da intimidade abjeta, regadas a álcool. Contanto que não contestassem o Regime Ditatorial, tudo era permitido. No cinema brasileiro, as pornochanchadas prosperaram, enquanto o cinema engajado socialmente da década anterior, sofreu um tremendo ocaso.

Voltando às “As Ondas”, pouco me lembro da trama. Quis voltar a lê-la várias vezes. Não o fiz. Queria contrapor as sensações que tive com as que teria agora, mais velho. Na época, eu me senti envolvido pelas imagens que Woolf produzia. Chego a me lembrar de um banho de banheira descrito de tal maneira que se me impregnou em minha mente. Vou reencontrar essa passagem eventualmente, mas não por enquanto. Passeio os olhos por algumas páginas e em uma, escolhida a esmo, encontro:

“— Perdi minha indiferença, meus olhos vazios, meus olhos em formato de pera, que espreitavam raízes. Já não sou janeiro, maio ou qualquer estação, mas estou toda tramada numa fina rede ao redor do berço, minha criança. Durma, digo, e sinto despertar dentro de mim uma violência mais selvagem, sombria, que abateria com um só golpe qualquer intruso, qualquer estranho que irrompesse neste quarto e acordasse quem dorme”.

Maratona literária Interative-se de maio
Alê Helga – Isabelle Brum – Mariana Gouveia – Roseli Pedroso / Lunna Guedes

Maratona De Outubro| Desarrumação

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Sob o olhar de Salem…

Para desespero da Tânia, as estantes da nossa biblioteca apresentam uma organização peculiar… sob a minha perspectiva. Na dela, pura e simples desarrumação. Por sua iniciativa, criou o cantinho da Scenarium na parede oposta, o que aliviou um pouco o aspecto de barafunda em que livros novos e antigos se misturam em cenas de amor livre, como deve ser na literatura – expressão da paixão pelas palavras.

Prometi, há muito tempo, intervir nessa aparente bagunça, organizando as estantes por coleções, temas e campos – literatura nacional e internacional, datas, edições, autores. A falta de tempo e certo prazer em perceber harmonia no desalinhamento, impedem que eu comece a “limpar” as estantes de intrusos – livros e objetos – indesejáveis. Além disso, como quando acontecia quando era garoto e  recolhia livros no lixo, em todas as oportunidades que começo a organizá-las, me agarro a entrar pelas páginas dos títulos, como se buscasse respostas às minhas perguntas existenciais no acaso de linhas insuspeitas.

Nas prateleiras, os livros que estão arrumados em sequência numérica perfeita, coleções com cores e tamanhos padronizados, são os menos acessados. Os que estão deitados ou fora de seu ninho, são os que li (ou reli) todo ou uma parte, manuseei, avistei, deixei de lado com pretensões de voltar a ler, vontade muitas vezes não cumprida. Eu quase li vinte livros este ano. Li efetivamente alguns outros e sonhei que li muitos. Pode parecer estranho, mas li muitas vezes o livro que lancei – Rua 2 – por diversas ocasiões, duas ou três vezes, multiplicada pelas tantas vezes que o editei até que ficasse pronto. A estranheza se dá porque ouvi dizer de escritores que não leem o que escrevem…

Um olhar “descuidado” verá em minhas prateleiras utensílios velhos, alguns inúteis para quem não percebe um propósito secreto para cada coisa. Afinal, uma caixa com fones de ouvido avariados teria que utilidade? Ou frascos vazios de chicletes sem açúcar colocados junto a compêndios sobre Marx, Keynes, História Antiga e “Segredos do Mundo Animal”? Ou uma caixa de fitas cassetes antigas (pleonasmo)? Segredos deste humano animal…

Não apenas eu contribuo com a bagunça. Mas a culpa recai sobre aquele para quem foram montadas as estantes – eu. O propósito seria de guardar livros guardados em caixas. Gosto muito da maioria, porém, os que mais tenho apego não estão à vista. Eles estão ainda encaixotados, já que requerem maiores cuidados por estarem com páginas rotas, capas estragadas, muitos atacados por cupins – sábios seres devoradores de páginas repletas de conhecimentos, expressões de sentimentos, emoções e histórias de vida. Eu os encontrei alijados de outras bibliotecas. Muitos, recolhidos da escola onde estudei, em Santana.

Certa ocasião, em glorioso dia de sol, vi ao lado do pátio, pilhas e pilhas de livros reunidos para serem desprezados em latas de lixo. O local onde estavam guardados, seria transformado em um laboratório de química. Pedi permissão a quem de direito e os trouxe para casa aos poucos, de ônibus, em sacolas de feira. Ainda traziam, além de dedicatórias de autores e ofertórios de seus proprietários doadores, cartões com fichas indicativas de quando foram emprestados e lidos pelos estudantes de décadas passadas. Eram joias, cada vez mais menosprezadas em tempos de ouro de tolo.

Participam também desta Maratona:

Ale Helga | Cilene Mansini | Fernanda Akemi | Mari de Castro | Mariana Gouveia | Lunna Guedes