Tirante o Pensamento, nada viaja mais rápido no Universo observável do que a Luz. Para nós, na Terra, a luminosidade do Sol nos atinge quase tão imediatamente quanto é produzida. As estrelas mais distantes são imagens do passado que admiramos durante anos mesmo depois de muitas terem se extinguido ou absorvidas por algum buraco negro. Tanto quanto o que vivemos tem como referências imagens que não mais são o que são, mas o resultado de experiências passadas de corpo presente… Assim como, a nossa imagem no espelho, microssegundos no Passado.
Antes de mais nada, devo ressaltar que recebi autorização para divulgar a imagem acima. Estou da maneira que gostaria de ficar a maior parte do tempo. Quando me coloco (des)vestido dessa forma, volto a ser o mesmo garoto que passava os dias despojado de coberturas que denunciam um sujeito que obedece às leis invisíveis porém poderosas de como devemos estar trajados. É claro que não passa de uma ilusão. Uma mentira que sei que é mentira e não fere a ninguém.
O pior é quando as pessoas não apenas sabem que a mentira é óbvia, mas para alcançarem o que querem, as aceita ou transforma essa mentira em algo possível e, portanto, ainda que improvável, a usa para justificar os seus atos. Coletivamente, isso pode gerar situações em que a Democracia, para dar um exemplo, pode ser estiolada feito carne charque. Uma frase popular resume esse recurso: “me engana, que eu gosto!” — algo que quem se apaixona também entende.
O que me leva a uma constatação deste tempo que me exaspera. Por dois motivos: porque sou pai de mulheres e porque pertenço ao gênero que está matando as mulheres, por serem mulheres. Não são poucas as vezes (tantas quantas ocorre um feminicídio ou tentativa de…) me sinto despedaçado. Sempre em nome do amor e, nesse caso, de um amor mortal. O que é uma contradição em si. O amor deve ser direcionado à construção da leveza, do bem querer. Ainda que a quem ame, deseje partilhar a vida com outra pessoa, Se ama, a deixe livre…
O Patriarcado — o sistema sob o qual a Sociedade brasileira desenvolveu fez tanto mal ao homem quanto faz mal à mulher, pelas mãos daqueles que se acham superiores apenas porque carregam um pedaço de carne entre as pernas. E que por ele as fêmeas da espécie devem ter respeito como se fosse uma fonte natural de potência. Sujeitos que se consideram fortes, mas não aguentam nem fisicamente, nem psicologicamente, o peso da desigualdade que sofrem as mulheres.
Outro estigma sob o qual vivemos é o do péssimo legado que a Escravidão deixou para todos nós como cidadãos de um país que até hoje vive a desigualdade racial de tal maneira que se torna premente que as políticas de reparação sejam implementadas. Caso contrário, nunca curaremos as várias chagas que nos levam a uma situação quase irresolúvel. Acho estranho quando dizem que não há guerra no Brasil. O número de mortos nos conflitos por armas de fogo, armas brancas, acidentes automobilísticos é tão grande quanto das guerras civis pelo mundo ou guerras por território como no Oriente Médio ou Europa (sabe aquele lugar que se julga desenvolvido?)
Acho que esperavam (quem suportou ler até aqui) que eu fosse falar sobre festa e felicidade por chegar até este quadrante. Estou ficando velho, sem dúvida, mas não sou daqueles que dizem “no meu tempo”, como se fosse um tempo marcado no passado. O meu tempo é AGORA e, portanto, não posso deixar de me posicionar como estou fazendo. Agradeço a atenção para quem chegou até esta última linha. Acho que é permitido para quem é do grupo dos 60+.
Para o B.E.D.A., estou recolhendo notas dispersas por outras redes, como a marcar a passagem de eventos que ao reler, mesmo tendo passados poucos anos, acabo por me surpreender. Como o ciclo que vivemos é mais longo do que podemos mensurar, podemos perceber as sementes das ervas daninhas persistem em se procriar em variantes alienígenas/mutantes cada vez mais danosas.
Mesmo cansado, estou indo dormir tarde para ver Tom Hanks iluminar Filadélfia… “Miguel, estou pronto!”… Ao mesmo tempo, dá para perceber que muita coisa mudou, mas nem tanto que possamos dizer que nos tornamos melhor. E isso é tão triste…
estamos… colados você e eu frente e verso e versos nossos corpos a conversar intumescências a versar transpor limites penetrar âmagos nos engolirmos fazer vibrar estômagos liquefazer desejos salivares acessar berços estelares ultrapassar sistemas solares em viagens para além do passado voltar ao útero do nada antes de tudo penetrarmos em presentes possíveis conhecermos futuros acessíveis eu você nós urdidos em fibras transfigurarmos nossos somas sonharmos os sonhos dos deuses somarmos nossos prazeres inaugurarmos o tempo fecundar o solo da matéria criarmos planetas e satélites explodirmos e enfim adormecermos a vida…
Numa segunda-feira como esta, às 2h da manhã, eu comecei a sonhar esta vida terrena. Aos 62 anos, continuo a sonhá-la, vivendo a carregar o fardo do passado, preparando o futuro, o presente como sentido. Vivê-lo é um presente que alguns poucos conseguem receber. Ele não nos é dado. Temos que buscá-lo. Mas não é fácil. Temos que contemplar o passado como experiência, o futuro como possibilidade que, só é viável se, no presente, o direcionarmos. Tudo é presente. Construído minuto a minuto. Ou desconstruído.
O Tempo não é passível de ser descontruído, a não ser os seus efeitos. Feito um impassível Kronos a observar com curiosidade a nossa passagem, somos nós que passamos por ele… até sermos devorados. É nossa prerrogativa empreendermos essa desconstrução. Somos nós, que navegamos o nosso corpo-identidade-mente, que devemos reverter as expectativas, mudar o nosso rumo dentro do Tempo, quantificado em números, aos quais nos referenciamos.
Para confirmá-lo, é comum registrarmos a nossa presença em imagens – algo que nos exterioriza – que nos coloca presentes no mundo, ao mesmo tempo que nos coloca no passado. Ao contrário dos povos que temiam a fotografia por acreditarem que roubavam as suas almas, ela reafirma a nossa presença. A própria visão no espelho nos mostra milionésimos de segundo depois, entre o reflexo e a sua recepção.
O nosso corpo sofre a deterioração física, constantemente pressionado pela gravidade que nos puxa para o centro da Terra. Resta a nossa mente voar, quando não são através das máquinas que inventamos para fazê-lo. Certa vez, saltei de paraquedas. Sentir a vibração do corpo no abismo contra a resistência do ar, me permitiu perceber o quanto somos frágeis. Antes de abrir o paraquedas, contemplei a finitude. Mas me sentia feliz. Livre. Vivo.
Neste marcador temporal, convivo com a permanente sensação de queda no abismo. Diferente daquele salto, estou sem paraquedas. Porém, me sinto no controle da situação. O que não quer dizer que saiba quando pousarei no chão. A contradições existem, dão o tom, mas aprendi a conviver com elas. As balizas que uso para estabelecer certa normalidade se mostram cada vez mais instáveis, como se fossem feitas de areia junto ao mar.
Ser do dia 9 de Outubro é ter como companhia John Lennon e Mário de Andrade. Somente por esses dois nomes, a cota de gente proeminente já estaria preenchida. Mas não sou em vão e nem a minha vida, vã. Sei que importo para algumas pessoas. E graças a elas e por elas, oro. Orar é desejar o bem oralmente ou mentalmente. A oração é circular. Faz bem a quem pratica tanto quanto a quem é dirigida. Devolve boas energias em nosso entorno. Uma forma de amor.
Na contramão, sinto que a minha curiosidade está sendo suplantada pelo cansaço em ver tudo se repetir como novidade, ilusão criada através do uso das novas linguagens. Por mais que venha a rebuscar os termos, talvez esteja vivendo apenas uma crise de meia-idade. Ao pensar dessa forma, consigo até sorrir e esperar a chegada da liberdade da alma ao tempo do corpo fenecer como o sol que ao fim do dia vai repousar para além do horizonte. Mais uma ilusão que se desvanece…