Pelos (Des)Caminhos

Passageiro passo
Eu e mais tantos coletivamente motorizados
Por uma pracinha de uma única árvore larga
Do tamanho do abraço de oito homens
Nela
uma placa propagandeia:
“Alianças
a moda antiga”…
Terei lido errado
Na rapidez da minha passagem?
Uma lanchonete
Uma igreja
Um posto de gasolina
Pontos comerciais à direita do meu olhar
À esquerda
Padaria
Loja de tintas
Uma oficina
Quantas funções
Serviços
Precisões
Consórcios
Empresas
Dos quais somos presas
Não bastam as necessidades básicas
Temos que adquirir novas e variadas
Outras muitas
Vender e comprar desejos de consumo
Sem eles
O que nos move?
Amar?
Atravessar pontes sem ultrapassar portais?
Nos desvestirmos de roupas
E posições sociais?
Nos apoderarmos de emoções
E sentimentos?
De sermos mais do que o corpo
Nos proporciona de prazer
E transcender o gozo?
Alcançar o prazer de ser
Sem ter?
O que somos além de animais
Racionais que praticam irracionalidades
Identidade e idade
Cor e nacionalidade?
Já buscou dentro si o universo
E o multiverso?
O que você É
Sem o nome que carrega?
A ouvir o som eterno do silêncio
Consegue se imaginar sem tamanho
Sem o apego ao ego
Indefinido e infindo?
Deixaria de ser servo
E se tornar um com Deus?

Kombis Ou Pães De Forma

“Eu e a outra em minha vida — a velha Matilde que nos trouxe até o alto da Aldeia da Serra, em evento da Ortega Luz & Som“: foi a legenda que coloquei para identificar esta imagem, de 2013. Kombis tem tido uma participação importante durante toda a minha vida. Produzida de 1950 até 2013, muitas delas continuam circulando por aí. Meu irmão e eu temos duas, utilizadas em nossas atividades profissionais — a feia Tímida e a linda Tigresa.

Quem conhece esta última não deixa de admirar a sua elegância felina. Sim, essas carrocerias parecem todas iguais, mas a depender do ano de fabricação, conservação e “personalidade”, são diferentes. As denominações em outros países se diferenciam igualmente. São conhecidas como Hippie Bus, Hippie Van, Volkswagen Bus, Volkswagen Campmobile, Volkswagen Microbus, Volkswagen Samba, Volkswagen Transporter, Volkswagen Westfalia e Volkswagen Pão de Forma, em Portugal, o meu preferido. Justamente porque a Kombi está diretamente ligada ao meu ganha-pão.

Quando garoto, foi a Gertrudes (a qual em empurrei muito) que papai dirigia que carregava os recicláveis que coletávamos nas ruas. O Sr. Ortega preferia se deslocar para os bairros mais sofisticados porque o lixo era bem melhor em variedade e quantidade. Foi lá que angariei uma parte de minha biblioteca, além de vinis, revistas raras, álbuns de figurinhas e brinquedos. Mas eram os livros que me faziam “perder tempo” quando separava o que seria vendido ou não. O prejuízo não foi pouco. Aprendi a valorizar aqueles objetos com capas duras (ou nem tanto), títulos e páginas como se fossem seres vivos. Mesmo rasurados, os preservava da aniquilação.

Na Ortega Luz & Som, depois de anos utilizando a locação de transporte alheio — normalmente caminhões — para o deslocamento de nosso equipamento, compramos a nossa primeira Kombi — Bailarina. Peruas (outro nome pela qual é conhecida no Brasil) tem a tendência de apresentarem folga na direção. Quem não consegue “pegar a manha” em sua condução, pode até bater. E a Bailarina fazia jus ao nome. Inquieta, apenas o Humberto conseguia manobrá-la. Matilde, a da foto, chegou depois de cinco anos e ficou conosco outros cinco.

Com a chegada da Tigresa, após breve convivência das duas, ficamos apenas com a última. Porém, como fomos multados por ser de passageiros, imprópria para transporte de equipamentos, adquirimos a Tímida, que como o nome indica, além de fechada (furgão), demorou a engrenar em nosso relacionamento mecânico-pessoal. Porque, da mesma forma que nos devolve em eficiência e praticidade, também pode dar dor de cabeça quando enguiça. Ao mesmo tempo, suas peças são facilmente encontradas (a depender da idade) e não são complicadas de serem consertadas.

Para mim, a personalidade da Kombi é feminina — robusta, confiável, corajosa e, quando preciso, impetuosa. Mesmo quando está mecanicamente no limite, sempre entrega o serviço. Apenas uma vez, chegou e saiu do local do evento em cima de um guincho. A exceção que confirmou a regra. Tudo isso, vivencio e continuo a vivenciar sendo passageiro. Não dirijo. Creio que não tenha a habilidade para tal, como a maioria das pessoas pareça acreditar ter. Do alto de uma Kombi, vejo as barbaridades que os motoristas, na condução de suas extensões existências em forma de motor e cheiro de combustível, cometem. Por enquanto, conseguimos chegar e voltar a bordo de nosso veículo preferido. E não vejo (ou não quero ver) o prazo final para que esse relacionamento venha a terminar.