17 / 11 / 2025 / Blogvember / Eu Amei As Tuas Calçadas…

… porque recebem folhas que se sentem acolhidas
e deixa gramíneas se expressarem com a tua linguagem esverdeada
sombreadas por formas que reproduzem temas amorosos
onde andamos com sossego e paz passo a passo em compasso lento
onde percorrem o vento
a acariciar o cimento
a beijar o banco onde me sento
a esperar a minha namorada passar
que não sabe que eu a namoro durante tua passagem cadenciada
o sorriso aflorado o olhar iluminado
tornando o meu dia completo
ainda que seja pela manhã…

Participação: Lunna Guedes

02 / 07 / 2025 / Calma*

A minha sobrinha, Verônica Ortega, lançou ontem o clipe da música “Calma”, composta num momento em que precisava compreender como se colocaria diante de tantas tribulações pelas quais passava. Como já aconteceu comigo mesmo em textos e poemas, “Calma” foi recebida como resposta em forma de canção. A Pandemia apenas acentuou situações que recrudesceram as nossas mazelas e nunca o brasileiro sentiu como agora a necessidade de parar, silenciar, entrar em contato com o seu tempo pessoal e continuar a andar.

Para quem quiser entrar em sintonia com uma mensagem de paz, assista ao clipe com a participação especial de Malagueña, o Fusca 1973, cor verde místico.

Ou ouçam pelo Spotify.

*Postagem de 03 de Junho de 2022.

31 / 03 / 2025 / Sobre A Paz

Susan Sontag em A Consciência Das Palavras, escreveu:

“Nós, escritores, ficamos preocupados por causa de palavras. Palavras significam. Palavras apontam. São flechas. Flechas cravadas na pele dura da realidade. E quanto mais portentosa, mais geral for a palavra, mais também se parecerá com um quarto ou um túnel. Elas podem expandir-se, ou bater em retirada. Podem impregnar-se de mau cheiro. Muitas vezes nos farão lembrar outros quartos, onde gostaríamos de morar, ou onde achamos que já estamos vivendo. Elas podem ser espaços onde não podemos habitar, pois perdemos a arte ou a sabedoria para tal. E por fim aqueles volumes de intenção mental que não sabemos mais como residir serão abandonados, lacrados com tábuas, trancados. 

O que queremos dizer, por exemplo, com a palavra ‘paz’? Uma ausência de conflito? Um esquecimento? Perdão? Ou um grande cansaço, uma exaustão, um esvaziamento do rancor? 

Parece-me que o que a maioria das pessoas entende por ‘paz’ é a vitória. A vitória do seu lado. É isso o que ‘paz’ significa para ‘eles’, enquanto, para os outros, paz quer dizer derrota. 

Se predominar a ideia de que paz, embora em princípio desejada, acarreta uma inaceitável renúncia de demandas legítimas, então o rumo mais plausível será a prática da guerra por todos os meios possíveis. Se não fraudulentos, os apelos de paz serão tidos certamente como prematuros. A paz se torna um espaço onde as pessoas não sabem mais como habitar. A paz tem de ser re-povoada. Recolonizada…”.

Sontag, absurdamente consciente da realidade que nos rodeia, toca na ferida de coisas muitas vezes as pessoas não ousam cutucar. O poder das palavras — a maneira como nos expressamos primordialmente — responsável por construirmos a hegemonia entre todos os animais, inversamente também pode destruir as relações humanas.

Há várias maneiras de colocarmos a palavra “Paz” em uma sentença. Mas tão pequeno pequeno termo quanto importante, a depender de quem o pronuncia, ofende e penaliza. Atualmente, temos exemplos óbvios em termos mundiais que bem demonstram isso. A Rússia, mantendo a sua tradição imperialista, invadiu a Ucrânia, imaginando vencer a guerra em uma semana. Em fevereiro passado, completamos três anos de conflito. A possível “Paz“, caso seja implementada da maneira proposta, significará a repartição da Ucrânia entre o invasor por terra — que continuará soberano sobre a Criméia — e o invasor pela negociação, os Estados Unidos da América, proponente do acordo, que avançara sobre as riquezas minerais do País.

Outro conflito ocorre em Gaza, invadido pelo Estado de Israel, após o atentado terrorista cometido pelo Hamas, em 7 de Outubro de 2023. Proporcionalmente, o governo de Benjamin Netanyahu, de viés ultra-direitista, se aproveitou dos resultados nefastos desse acontecimento que vitimou 1.200 pessoas entre mortos e sequestrados. Tenho uma opinião bem pessoal sobre o que ocorreu.

O Mossad tinha informação que haveria uma ação terrorista, mas os governantes israelenses talvez não imaginassem tamanha proporção. Como já ocorreu na primeira eleição de Netanyahu que uma visita inesperada do dirigente à parte mulçumana de Jerusalém, desencadeou uma série de protestos por parte dos palestinos que o ajudou a se reeleger, ao reprimi-la. Em baixa de popularidade, respondendo a crimes de corrupção, o atentado também auxiliou a desviar a atenção para a resposta dada por seu governo que foi terrivelmente desigual.

Decretada a “Paz” — frágil e, virtualmente inviável — o lado palestino recebe como resultado, um lugar inabitável, de condições básicas de sobrevivência digna, permeável a surtos de doenças oportunistas, além dos eventuais bombardeios realizados pelas forças israelenses. Talvez não haja interesse que a “Paz” — que em sentido parco significaria ausência de mortos e feridos — prospere tanto entre os dirigentes do Hamas quanto de Israel, pois afinal serve aos dois grupos e seus projetos hegemônicos.

Essa “Paz” encardida se expressa cabalmente na última sentença do texto de Susan Sontag do texto acima: “A paz se torna um espaço onde as pessoas não sabem mais como habitar. A paz tem de ser re-povoada. Recolonizada…”. Se houver um lugar (filosófica e materialmente falando) para ser repovoado.

Foto por Qasim Mirzaie em Pexels.com

17 / 03 / 2025 / O Outro Tarcísio

Eu conheci um outro Tarcísio. Tinha como sobrenome Meira, e apresentava a curiosidade de descender do Alferes Joaquim José da Silva Xavier, o Mártir da Inconfidência Mineira, Tiradentes. Portanto, um verdadeiro patriota que ousou lutar pela separação do País de Portugal. Sua atuação lhe rendeu a forca, após o que o seu corpo foi esquartejado e colocado em pontos espalhados pelo Rio de Janeiro como exemplo para tentar impedir quaisquer outras tentativas de separar a rica Colônia da Metrópole.

O outro Tarcísio me impressionou pela primeira vez quando eu era bem garoto e assisti pela TV PB de 14″ à novela Irmãos Coragem, de Janete Clair, em 1970, pela Rede Globo. O garimpeiro João lutava contra a dominação de um Coronel — título genérico de quem detinha o poder sobre determinada região agindo como déspota.

O outro Tarcísio, já um galã consolidado, enveredou pela atuação de um sujeito bruto, violento e sem escrúpulos, em Grande Sertões: Veredas — pela Rede Globo, em 1985. No clássico de Guimarães Rosa adaptado para a televisão, Tarcísio era Hermógenes, líder de um bando de jagunços que põe fim a vida de Diadorim, personagem defendido por Bruna Lombardi. Fiquei impressionado com a transformação do homem bonito de herói em vilão. O outro Tarcísio também foi intérprete de D. Pedro, que se tornou o primeiro imperador do Brasil, após a proclamação da Independência de Portugal.

Moldado em mais de 60 anos de carreira em teatro, cinema e televisão para os grandes protagonistas de tramas para o bem ou para o mal, Tarcísio conseguiu trilhar um caminho de grandeza. Faleceu dois meses antes de completar 86 anos, em 2021. Já, então, havia entrado em cena um um segundo e piorado Tarcísio, ator da vida real, como Ministro de Infraestrutura do governo anterior. Não duvido que deva seu nome ao bom Tarcísio. Coisa de mãe que admirava o primeiro.

Em 2024, o atual Tarcísio participou como capitão do envio das tropas brasileiras para assegurar as novas eleições para presidente desde a queda de Jean-Bertrand Aristide e garantir a segurança dos civis nesse processo de transição. Porém, os relatos de violência de todos os níveis contra a população, incluindo as sexuais, pautou esse período. As forças de paz da ONU foram comandadas pelo General de Divisão brasileiro Augusto Heleno Ribeiro Pereira. O General Heleno atualmente está preso por participar de uma trama que deveria impedir a posse de Luís Inácio da Silva como Presidente eleito.

Foi através de Heleno que o Tarcísio ganhou a simpatia do ex-Presidente e com o seu apoio chegou ao Governo do estado de São Paulo. Talvez ainda considerando que estejamos no Haiti — como na linda letra de Caetano Veloso, Haiti — utiliza as suas forças policiais para executar aqueles que vivem nos padrões do País no qual esteve em 2004. Apenas a repetição de um padrão de quem escolheu o caminho errado de atuação — um Hermógenes contra a maioria da sua própria população — em suposto benefício para a elite estuporada deste Estado.

21 / 02 / 2025 / De G… Para J…*

Este quadro, eu encontrei na rua, jogado junto ao lixo para ser levado dali a pouco. Tela simples, traços básicos, paisagem típica de uma marinha. Quase não o trago para casa, mas percebi que havia algo escrito à lápis atrás da tela, que se iniciava assim:
“De G… para J
É um prazer muito grande estar lhe presenteando com um pedacinho de mim”. Era uma declaração de uma funcionária para a sua “chefe” que acabou por se tornar amiga. Discorre sobre as razões pelas quais a admira. E se encerra desta maneira: “Continue sempre assim. Te desejo muita paz de espírito e felicidade e a todos que convivem com você. Beijos!”
G… 15/03/01″. Imagino que quem quer que tenha jogado fora, não foi J… Talvez, um filho ou neto que não tenha conexão com a arte… da amizade…

*Texto de 2019