No fulgor do instante em que os mundos se separam e entramos em outra dimensão…
No momento do prazer flamejante, de corpos que se fundem e afundam no mar cósmico do gozo em ação… Na aceitação de que somos ingentes, a deitarmos entre estrelas que dançam, exclamas: “Pareces um deus!”…
Então, me sinto São entre os sãos… Espalmo minhas mãos contra a sola de teus pés –– beijo a flor de lótus e entoo preces…
Te sinto uma deusa… Não! Mais do que isso… Te sinto maior que tudo… Te sinto Mulher!
Está pequena centopeia caiu na cuba da pia do banheiro de fora e não conseguia vencer a sua curvatura. É muito frustrante escorregar com dois pés, imaginem com algumas dezenas. Ajudei o bichinho a superar o trajeto com um graveto e ganhei a minha tarde…
*Realizei esta postagem em 2013. Qualquer coisa para mim importava registrar, como se fosse um diário no Facebook. Situações aparentemente sem importância ganhavam proporções de acontecimento. Eu me sentia mais leve, mais saudável. Ainda não perdi o hábito de registrar fatos e circunstâncias sem aparente relevo. Apenas para lembrar que a vida é exatamente isso…
Eu tenho pés com duas personalidades entre si. Certamente há diferença entre as partes do nosso corpo, principalmente entre os membros e suas terminações — braços, mãos, dedos, pernas e pés. Quando era adolescente, naquela fase de desenvolvimento em que tudo está descontrolado, desde o crescimento dos membros, a definição do feitio do rosto, o aparecimento dos primeiros pelos, além das emoções em ebulição e os sentimentos conflitantes, o desejo sexual, os primeiros amores, normalmente platônicos, o que era comum para mim e assim permaneci durante quase a metade da minha vida, bati a cabeça algumas vezes, metafórica e literalmente, cultivando cicatrizes que surgiam a toda vez que raspava a cabeça. O que eu fazia de vez em quando para mudar o visual. Aos 17, quando me tornei vegetariano, emagreci bastante. Adepto das filosofias orientais, comecei direto a raspar a cabeça e assim deixá-la. Vivíamos os anos do advento do AIDS. Muita gente começou a achar que estava com essa síndrome, o virgem.
Antes dessa época eu tinha muito cabelo e o deixava se expressar da maneira que quisesse. Se bem sendo fã de música negra, cheguei a lavá-lo com sabão de coco — o que o deixava endurecido — e o penteava com garfo de metal, daqueles especiais para cabelos crespos. Logo, eles baixavam, o que me deixava chateado. Mas consegui pelo menos uma vez tirar uma foto que se perdeu no tempo, mas talvez esteja nas caixas de fotos da minha mãe que estão com a minha irmã. Mas voltando ao título deste texto, como gostava de jogar bola, enfrentava todos os terrenos onde havia um grupo de meninos correndo atrás de uma bola.
Em certa ocasião provavelmente quebrei o dedão esquerdo numa dividida. Continuei a jogar mesmo com dor. Com o tempo, os dedões foram se tornando diferentes um do outro. Como prova de solidariedade, ambos tem as unhas encravadas. Eu os trato diuturnamente. A Milena, minha podóloga, garante que fiquem domados. No mais, os dois pés pelo menos caminham lado a lado, graças a Deus!
Bem, o dia ainda vai se desenrolar com alguns acontecimentos dignos de nota. Ou não. Pelo sim e pelo não, confecciono esta nota relativa ao penúltimo dia de 2024. Dia 30 de dezembro foi o único que tive na agenda para ir à podóloga, como faço todos os meses nos últimos anos, controlar as minhas unhas dos dedões dos pés que encravam vez ou outra. Se há um dinheiro bem gasto, é esse. Já passei muito sufoco com as minhas unhas encravadas. Já diabético desde 2007, cuidar de possíveis infecções tornou-se fundamental para que pudesse manter a saúde equilibrada, sem aumento excessivo da glicemia. Sim, porque as bactérias nas infecções produzem aumento de açúcar na corrente sanguínea. E os “bichinhos” são vorazes.
Procuro fazer o trajeto da minha casa até o Cantinho dos Pés, justamente à pé. Adepto da caminhada como recurso de atividade física, percorro 6Km e meio e a mesma distância, na volta. Passo por subidas e descidas – o que em sentido contrário evidentemente se alternam – com gosto, ouvindo música, podcasts ou noticiários. Suo. Enfrento chuva, frio e pensamentos fugidios que insistem em invadirem a minha cabeça, quando decido não o fazer. Ganho consciência do meu entorno, observo a tudo como eterna novidade e me surpreendo enxergando detalhes que me assolam a imaginação. Parece algo bom, mas as ideias me chicoteiam de tal forma que me sinto torturado, porque sei que muitas delas se perderão pelo caminho.
Antes de uma das descidas, ao passar por um gradil, vi pendurado um papel em que estava escrito: “regai por nós!”. Imaginei no mesmo momento que fosse um erro ortográfico a troca do “o” pelo “e”. Depois, confiei que alguém alterou de modo proposital uma expressão que dessa maneira ganhou dimensões novas de entendimento. Eu poderia especular sobre várias delas, mas deixo para quem me lê essa tarefa, se lhe aprouver. Fujo da tentação de eu mesmo colocar aqui algumas delas. A minha editora diz que devo deixar ao leitor trabalhar com as possíveis interpretações dos textos que produzo.
tudo poderia ficar para depois mas as lembranças não adiam a estadia enquanto os esquecimentos fazem morada permanente não há mágoa mas há para mim vivo não dias porém eternos minutos passo a passo e em cada um deles para cada memória aleatória uma parte de sombra e perdas porque não fui feito para interagir mal consigo lhe dar comigo me olvido de mim esqueço quem sou para onde vou não sei de onde vim me sinto apartado do mundo mas nele vivo quantas vezes no chuveiro olho para os meus pés em contato com o piso alagado de reminiscências que escoam pelo ralo a água é meu elemento preferido principalmente a salina nas ondas peito os enfrentamentos e afogo meus desejos enquanto os afago sim eu os tenho sou movido por eles os refuto conscientemente ainda que os concretize na temporada junto ao mar chuvas constantes raios que matam e ferem após um dia em inquietude desejei ir para a areia tarde em escuridão de nuvens carregadas efeitos de zcas el niño la niña seres humanos apesar disso entrei oceano adentro me banhei de penitência pensando que talvez morresse cercado de solidão a minha miopia imperante meus últimos pensamentos na desconhecida de todos visão para outro estado de ser talvez morresse naturalmente fulminado por um raio mas sobrevivi para continuar a magoar…